‘Exoneraço’ gera reclamações, e servidores veem risco de máquina travar no início de Lula 3
Foram dispensados diversos ocupantes de cargos de direção e assessoramento superior dos níveis 5 e 6
IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A exoneração de 1.204 pessoas que ocupavam cargos de confiança no governo Jair Bolsonaro (PL) gerou reclamações nos bastidores e acendeu um alerta entre servidores de carreira para o risco de máquina travada no início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Foram dispensados diversos ocupantes de cargos de direção e assessoramento superior dos níveis 5 e 6, os mais elevados na hierarquia da administração pública.
Uma edição extra do Diário Oficial da União com 15 páginas publicado nesta terça-feira (3) reúne as exonerações e, em menor número, algumas nomeações de pessoas já escolhidas pelo novo governo. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, já adiantou que novas dispensas serão realizadas nos próximos dias.
A exoneração de secretários e assessores diretos de ministros de Bolsonaro era esperada, mas o que surpreendeu foi a decisão dos novos ministros de “passar a régua” e remover de uma vez secretários adjuntos e subsecretários, cargos responsáveis por funções mais operacionais do dia a dia do governo.
No Ministério da Fazenda, o Tesouro Nacional foi um dos poucos órgãos preservados. O novo secretário responsável pelo órgão, Rogério Ceron, manteve até o momento todos os subsecretários -apenas o antigo secretário, Paulo Valle, e sua adjunta, Janete Duarte, foram exonerados.
Na SPE (Secretaria de Política Econômica), por sua vez, já houve a nomeação do titular, Guilherme Mello, mas os subsecretários –que desenham políticas econômicas e de crédito, por exemplo– foram todos exonerados.
O órgão já foi comandado por Adolfo Sachsida, um dos aliados mais fieis a Bolsonaro. Mesmo depois de virar ministro de Minas e Energia, Sachsida manteve ascendência sobre a SPE, cujos subsecretários em atividade haviam sido mantidos desde sua gestão.
Mello, por sua vez, ainda trabalha para compor sua equipe, assim como outros novos integrantes da equipe econômica.
No Ministério do Planejamento, a SOF (Secretaria de Orçamento Federal) está sem titular após a exoneração já esperada de seu titular anterior, Ariosto Culau. Seu adjunto também foi dispensado.
Embora esses órgãos tenham uma estrutura de servidores de carreira já estabelecida, algumas funções, como assinatura de documentos e pareceres, cabem a seus gestores. Em meio aos desfalques, qualquer tema de urgência pode demandar o envolvimento de autoridades superiores –na Fazenda, o secretário-executivo, Gabriel Galípolo, ou até mesmo o ministro Fernando Haddad (PT).
Em geral, há gestores subordinados fazendo o meio de campo justamente para não acumular demandas nem retardar o andamento dos processos internos.
No caso específico da SOF, ainda há uma situação inusitada. Ceron, indicado para ser titular do Tesouro Nacional, foi nomeado secretário especial de Tesouro e Orçamento –cargo que era previsto na estrutura do antigo Ministério da Economia, agora desmembrado.
Por isso, a avaliação de técnicos é que, enquanto os impasses de pessoal permanecem, pode recair sobre ele a responsabilidade de assinar documentos relativos a créditos orçamentários –função não prevista nas atribuições do cargo para o qual foi convidado.
A preocupação entre técnicos existe porque o novo governo Lula já começou “a 100 quilômetros por hora”. Em seu discurso de posse, Haddad prometeu as primeiras medidas já para as próximas semanas.
Além disso, há uma série de pendências a serem resolvidas, sendo a principal delas a sanção do Orçamento de 2023.
O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), segurou o envio do autógrafo oficial até esta segunda-feira (2) para não correr o risco de que Bolsonaro interferisse na sanção ou nos vetos ao documento.
O governo tem agora 15 dias para fazer sua análise do texto, tarefa que costuma reunir Casa Civil e as pastas econômicas –com a cisão do Ministério da Economia, devem ser envolvidos Fazenda e Planejamento.
Nas áreas que costumam participar dessa análise, ainda não há substitutos para pessoas que foram exoneradas de seus cargos.
Integrantes do atual governo, ouvidos sob reserva, reconhecem que o momento de passagem de bastão é complicado, sobretudo porque muitas pessoas saíram de suas funções e seus substitutos ainda não chegaram para dar continuidade ao trabalho. O ritmo das tarefas fica “inseguro”, e “certamente tem coisa que vai atrasar”, disse uma fonte.
A depender da demora nas reposições, outras atividades podem ficar comprometidas, como a elaboração do primeiro decreto de programação orçamentária, que baliza o quanto os ministérios podem ir gastando ao longo dos meses.
Embora haja uma preocupação significativa com a indefinição nos órgãos ligados a temas econômicos, as exonerações foram amplas e atingiram diversas pastas, como a Casa Civil e a AGU (Advocacia-Geral da União).
Em 2019, o governo Bolsonaro viveu situação semelhante, embora em menor magnitude, após a Casa Civil decidir demitir 320 servidores de cargos comissionados. A medida trouxe problemas para o funcionamento da pasta, prejudicando análises técnicas e o funcionamento do Conselho de Ética da Presidência.
O então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou as exonerações dizendo que pretendia retirar do quadro de servidores os indicados por petistas.