Primeiras ações de Lula no saneamento geram confusão no setor, que vê ameaças ao marco
Pelas regras vigentes, as prefeituras e estados são obrigadas a abrir concorrência -para empresas públicas e privadas- por contratos de prestação de serviços de água, esgoto e coleta de resíduos
Associações ligadas ao saneamento básico participarão em peso da posse do ministro das Cidades, Jader Filho (MDB-PA), nesta terça-feira (3), para marcar posição em defesa no marco legal do setor após as recentes publicações de medidas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entidades como Abcon, a associação das concessionárias de água e esgoto, e Abdib, a associação das indústrias de base, querem esclarecimentos sobre o plano do ministro para a legislação que abriu o mercado para uma maior participação privada a partir de 2020.
Pelas regras vigentes, as prefeituras e estados são obrigadas a abrir concorrência -para empresas públicas e privadas- por contratos de prestação de serviços de água, esgoto e coleta de resíduos.
Para as entidades, o governo deu sinais confusos nos últimos dias ao assinar a transferência da ANA (Agência Nacional de Águas) para o Ministério do Meio Ambiente. Além disso, Lula criou no Ministério das Cidades a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental -para definir as regras de operação desse mercado.
A transferência da agência ocorreu por meio da medida provisória que reestruturou os ministérios e pelo decreto que modificou o Ministério das Cidades, ambos assinados neste domingo (1º).
As medidas tomadas por Lula até agora não trazem mudanças significativas na prática. Mas levantaram suspeitas de que o novo governo possa levar adiante as recomendações da equipe de transição para o setor.
Como noticiou a Folha de S.Paulo, o relatório do Grupo de Trabalho de Cidades da transição propôs a criação de um novo marco legal, barrando concessões ou privatizações, e esvaziando o poder da ANA -cujas funções relacionadas ao saneamento básico seriam transferidas justamente para uma Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (como a que foi criada agora).
Pouco após a publicação do relatório da equipe e transição, oito associações enviaram uma carta ao governo eleito em que apontam riscos de retrocesso no marco do saneamento a partir deste ano.
Para elas, a abertura do mercado para a iniciativa privada pode sofrer um baque durante o novo mandato de Lula.
As entidades privadas também temem um revogaço de dispositivos da lei por meio de decretos para garantir, primordialmente, a possibilidade dos chamados contratos de programa -em que empresas estaduais de saneamento são contratadas por prefeituras sem licitação.
O marco atual impede repasses federais para as prefeituras que optarem por esse tipo de contrato, uma forma de estimular as concessões e evitar uso político e má prestação do serviço.
Com a retirada do papel da ANA do processo de saneamento, a execução desses contratos ficaria submetida a interesses políticos da administração federal pela vinculação ao Executivo, afirmam as entidades.
Na agência, cujos diretores têm mandato, as regras têm de ser cumpridas sob pena de multa ao concessionário e, no limite, cassação do contrato.
As medidas, no entanto, não esvaziam o poder da agência no que se refere ao saneamento básico.
“As regras não estão claras”, disse Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon. “Há muita confusão. Só para se ter ideia, com essa medida provisória [da reestruturação do governo] a ANA fica vinculada a três ministérios. O governo terá de rever isso e o ministro precisa deixar claro o que pretende fazer.”
NOVAS DIRETRIZES
O novo governo tem dados sinais trocados sobre o saneamento -ora defendendo a revisão do marco legal, ora pregando a parceria com empresas privadas.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse no começo de dezembro que o plano é acelerar concessões e parcerias com a iniciativa privada, sobretudo em áreas como o saneamento básico, a partir de mudanças nos normativos sobre o tema.
“Estados brasileiros têm tido sucesso nessa modelagem de PPP [Parceria Público-Privada]. Será o nosso foco, buscando elevação no número de concessões e de PPPs”, afirmou.
O novo marco legal do saneamento foi um gatilho para o desenvolvimento de parcerias com a iniciativa privada.
Segundo Costa, o governo Lula vai “olhar com carinho” para a regulamentação aprovada. Para ele, o formato ficou “engessado”.
“Não vimos a explosão de investimentos em saneamento”, declarou Costa no mês passado. O futuro chefe da Casa Civil complementou que a ideia é “fazer ajustes” no marco.
A expectativa pela ampliação de parcerias já havia sido mencionada por Fernando Haddad antes de ser oficializado como ministro da Fazenda.
“PPP é uma coisa que vai acontecer muito no próximo governo. A gente pretende deslanchar uma política de PPP, sobretudo na área de infraestrutura”, afirmou.
Haddad também sinalizou mudanças na legislação, mas para estimular as parcerias. “[Queremos mudar] alguns detalhes na legislação que têm freado [as PPPs], dificultando aval do Tesouro Nacional e dificultando a participação da União em projetos de estados e municípios”, disse.