Pai do menino Bernardo vai a novo júri no RS sob acusação de matar filho
Bernardo foi encontrado morto após ficar dez dias desaparecido. Seu corpo estava num matagal, dentro de um saco, enterrado
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PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Começou nesta segunda-feira (20), em Três Passos (RS), o segundo julgamento do médico Leandro Boldrini, pai de Bernardo Uglioni Boldrini, menino de 11 anos assassinado em 4 de abril de 2014. O crime causou comoção no Rio Grande do Sul e no país.
Boldrini havia sido condenado em 2019 a 33 anos e oito meses de prisão em regime fechado por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. Porém a decisão foi anulada em 2021 por entendimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de que houve irregularidades no interrogatório de Boldrini pela Promotoria.
Bernardo foi encontrado morto após ficar dez dias desaparecido. Seu corpo estava num matagal, dentro de um saco, enterrado em Frederico Westphalen (RS). Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, esposa de Boldrini e madrasta de Bernardo, Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, e Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, foram condenados pelo crime em 2019.
No entendimento do júri de 2019, Graciele, com o auxílio de Edelvânia, matou Bernardo com uma injeção de uma superdosagem de um medicamento para dormir. As duas depois enterraram o corpo do menino em um matagal do município vizinho. Evandro, por sua vez, foi condenado por ter ajudado a cavar a vala em que Bernardo foi enterrado dias depois. O pai teria sido o mentor do crime ao lado da esposa.
A defesa de Boldrini é feita pelos advogados Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares. Em entrevista recente à Rádio Chiru, de Palmitinho (RS), da região de Três Passos, Vetoretti argumentou que Boldrini foi “um pai ausente, que trabalhava demais […] mas isso não faz dele um assassino”. Disse ainda que via a condenação de Boldrini como “o maior erro da sua história no Rio Grande do Sul”.
A defesa se refere a uma série de episódios de negligência parental envolvendo o menino, que, sem a atenção do pai e da madrasta, estava constantemente sob a tutela de vizinhos ou de pais de amigos. A mãe de Bernardo, Odilaine Uglione, morreu em 2010. O pai se casou novamente com Graciele, com quem teve uma filha.
Em 2013, o menino procurou por conta própria ajuda no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Três Passos, o que levou o Ministério Público a ajuizar uma medida protetiva. A avó de Bernardo, mãe de Odilaine, chegou a formalizar um pedido de guarda do neto, mas, em janeiro de 2014, Boldrini pediu ao Juizado da Infância e da Juventude uma chance de reaproximação com o filho. Pai e filho teriam uma nova audiência marcada para 14 de maio, cerca de um mês após o assassinato.
Graciele foi condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, com previsão de progressão de regime em 2026. Edelvânia foi condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão, mas obteve direito a cumprir pena em regime semiaberto em maio do ano passado. O irmão de Edelvânia, Evandro, foi condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e está em liberdade condicional.
No recurso que pediu a anulação do júri de Boldrini em 2021, os desembargadores entenderam que acusação da Promotoria violou o direito do médico de permanecer em silêncio no interrogatório. Apesar de Boldrini ter ficado calado, o promotor leu em voz alta as perguntas que faria para o médico. Segundo o relatório do recurso, o acusador não se limitou a formular perguntas e, em dado momento, fez afirmações sobre a conduta de Boldrini apesar dos protestos da sua defesa.
Isso configurou, na visão dos desembargadores, “disparidade de armas” durante o julgamento. A decisão pela anulação foi por 4 votos a 3.
Apesar da anulação do júri, Boldrini teve a prisão preventiva mantida. O último recurso pedindo a sua liberdade foi negado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em dezembro de 2022, e ele seguiu na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (RS).
PRIMEIRO DIA
O novo julgamento começou às 9h30 desta segunda-feira e tem previsão de durar três dias. A presidência da sessão será da juíza Sucilene Engler Audino, a mesma do julgamento de 2019.
Na primeira manhã do julgamento, foram sorteados os sete jurados (seis homens e uma mulher) e foram assistidos vídeos e ouvidos áudios de interceptações telefônicas selecionados pela acusação. Os vídeos, gravados com o celular de Boldrini, mostravam Bernardo pedindo socorro, chorando e confrontando o pai com uma faca. Boldrini se retirou da sessão enquanto o vídeo era exibido e retornou ao final.
Em uma das ligações telefônicas reproduzidas no júri, Boldrini diz a um tio de Bernardo que ele retornou com a mulher da viagem a Frederico Westphalen, em que ele foi assassinado.
Serão ouvidas dez testemunhas: cinco de defesa e cinco de acusação. Ao final, Boldrini poderá ser interrogado. Embora os promotores não pretendam voltar a fazer perguntas caso Boldrini decida permanecer calado, o Ministério Público seguirá a mesma linha de 2019, em que pediu pena máxima ao réu.
A tese da Promotoria trata Boldrini como o mentor intelectual da morte do filho. Em 2019, os promotores Lúcia Helena Callegari e Miguel Germano Podanosche defenderam que Boldrini teria dado a receita do medicamento usado para dopar o menino e que ele teria apagado os vídeos do telefone celular em Bernardo pedia socorro, posteriormente recuperados pela perícia.
O comportamento de Boldrini ao longo dos dias em que o filho esteve desaparecido também foi usado para reforçar a tese de que o pai não havia se esforçado em procurar o filho por supostamente já saber que ele estaria morto. No dia seguinte ao desaparecimento de Bernardo, Leandro manteve sua rotina normalmente. Ele e a esposa chegaram a ir a uma festa enquanto o filho estava desaparecido.