Globalização deve estar a serviço da humanidade, defende Haddad
Em encontro do G20, ministro pede tributação de riqueza
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu, nesta quinta-feira (14), que a globalização deve estar a serviço da humanidade e não na busca de lucros “cada vez mais elevados” pelos países. Em discurso na abertura da reunião da Trilha de Finanças do G20, em Brasília, Haddad disse que não se deve “temer a globalização” e defendeu a tributação de riquezas e o aumento de gastos para combater as desigualdades.
“Compreendo honestamente porque tantas pessoas em todo o mundo se tornaram céticas em relação à globalização, ao multilateralismo e à cooperação internacional em geral. Após as grandes esperanças das décadas de 1990 e 2000, que conduziram à crise financeira de 2008, ficou claro que o tipo de globalização que de fato estava acontecendo, baseada apenas na eficiência dos mercados e na procura de lucros cada vez mais elevados, não estava a serviço da maioria da humanidade, além de acelerar as mudanças climáticas”, disse.
Para o ministro, a solução não é a fragmentação econômica, mas uma nova globalização baseada em preocupações socioambientais. “Agora, mais do que nunca, construir muros e criar ilhas isoladas de prosperidade é impraticável, para não dizer imoral. Temos de enfrentar juntos os nossos muitos desafios contemporâneos e lutar para criar um mundo justo e um planeta sustentável”, afirmou.
O Brasil criará duas forças tarefas no bloco do G20, uma contra a fome e a desigualdade e a outra contra a mudança do clima. Para Haddad, essas iniciativas são um apelo a um “G20 unido e ao alinhamento de recursos no nível de ambição esperado pelos nossos líderes”.
A presidência do G20 será exercida pelo Brasil de 1º de dezembro deste ano a 30 de novembro de 2024. Esse é o principal fórum de cooperação política e econômica internacional e reúne os países com as maiores economias do mundo.
Agenda ambiciosa
Desde o início da semana, Brasília recebe as primeiras reuniões. Dias 11 e 12 ocorreu o encontro dos sherpas, que são os emissários pessoais dos líderes do G20 que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda política da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. Nesta quinta-feira e na sexta-feira (15) é a reunião da Trilha de Finanças, com vice-ministros das Finanças e vice-presidentes de bancos centrais do G20, que trata de assuntos macroeconômicos e questões de financiamento.
O Brasil está propondo uma aproximação entre essas duas instâncias, para que trabalhem de forma mais coordenada. Nesse sentido, na quarta-feira (13), ocorreu o encontro das duas trilhas, que contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A presidência brasileira no G20 terá três prioridades: a inclusão social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza; o enfrentamento das mudanças climáticas, com foco na transição energética, e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e a defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente.
Para Haddad, é uma agenda ambiciosa, que o Brasil assume com otimismo, mas também com senso de realismo e pragmatismo sobre o que será possível avançar nas negociações. “Sabemos que o G20 é um fórum orientado para resultados e liderado pelos membros. Na trilha financeira, valorizamos as contribuições dos co-chairs e os legados de presidências anteriores. Não estamos construindo nada do zero, nem reinventando a roda, e nos comprometemos a trabalhar em estreita colaboração com os membros e organizações parceiras”.
O ministro reforçou que o mundo enfrenta diversas crises e que o aumento da dívida é uma preocupação. “A catástrofe ambiental bate à nossa porta. A fragmentação geopolítica está aumentando. O progresso na erradicação da fome e da pobreza extrema estagnou desde a pandemia. A desigualdade global de riqueza e de renda atingiu níveis inaceitáveis. As condições financeiras e monetárias estão mais restritivas, ninguém sabe exatamente por quanto tempo”, avaliou.
“Vários países já possuem dívidas grandes demais, enquanto continuamos lutando para construir um sistema global de resolução de dívida que funcione com a velocidade e a agilidade que deveria. Os nossos bancos multilaterais e organizações internacionais não estão bem equipados para enfrentar os desafios que temos pela frente”, acrescentou.
Ao tratar da reforma da governança global, o Brasil defende que a dívida externa dos países mais pobres, em especial da África, seja equacionada e que haja uma representação adequada de países emergentes em órgãos como o Conselho de Segurança das Nações Unidas e em instituições de financiamento como o Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Queremos abordar o peso da dívida dos países de baixo e médio rendimento de uma forma estrutural e preventiva, dando espaço aos países endividados para definirem também a agenda”, defendeu Haddad.
Linhas de trabalho
Em seu discurso, o ministro da Fazenda citou algumas questões a serem tratadas na Trilha de Finanças, que são particularmente caras à presidência brasileira no bloco. Uma delas é a integração do combate a desigualdades e dos impactos distributivos nas políticas macroeconômicas.
“À medida que vários países adotam políticas de transição energética, devemos estar conscientes dos seus impactos distributivos globais e nacionais e de suas consequências socioeconômicas. Em suma, precisamos de soluções sistêmicas que coloquem as considerações sociais no centro do debate sobre as alterações climáticas”, disse.
Nesse sentido, Haddad defendeu o aumento de gastos, “de espaço fiscal”, para apoiar investimentos públicos de qualidade na promoção de transformações estruturais necessárias para combater a desigualdade e impulsionar uma transição energética global justa. O ministro reforçou que a presidência brasileira no G20 quer tratar das estratégias para atrair investimentos e acelerar planos de desenvolvimento sustentável, como o plano brasileiro de transformação ecológica.
O ministro explicou que quer expandir as discussões da agenda tributária internacional, já em negociação na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Ouvimos vozes cada vez mais altas do Sul Global e da sociedade civil, exigindo uma agenda fiscal internacional mais ambiciosa, incluindo a tributação da riqueza, maior transparência e outras soluções para fazer com que os mais ricos do mundo paguem a sua justa contribuição em impostos. Vindo de um processo de reforma tributária no Brasil, tenho uma convicção particularmente forte sobre a necessidade de reforçar a cooperação global nesta área”, afirmou.
Edição: Fernando Fraga