Seca extrema levou a umidade mínima, temperatura máxima e solo quente na amazônia central

Situação do segundo semestre do ano passado foi a pior da história

Folhapress Folhapress -
Desmatamento na Amazônia cai 60% em janeiro deste ano
(Foto: Polícia Federal / Agência Brasil)

VINICIUS SASSINE

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Num ponto superpreservado da amazônia brasileira, numa área central do bioma, a seca extrema de 2023 se fez sentir de uma forma impressionante –palavra usada por cientistas que monitoram indicadores, dinâmicas e comportamentos de uma floresta ainda saudável.

A crise do segundo semestre do ano passado –foi a pior seca da história, levando em conta medições de níveis dos rios da Amazônia ocidental– pressionou até mesmo áreas de floresta conservada, que não sofrem influência de desmatamento, ocupações urbanas e atividades predatórias.

O nível de estresse do bioma, que alimenta a preocupação central sobre a amazônia passar a ser mais fonte do que sumidouro de CO2, foi captado em medições exatas pelo Atto (sigla em inglês para Observatório da Torre Alta da Amazônia), um projeto científico fruto de parceria entre Brasil e Alemanha que usa torres de 80 metros e de 325 metros para medições da atmosfera amazônica.

O Atto já tem dados suficientes para uma comparação do que ocorre na floresta, em área da amazônia central, ao longo dos últimos dez anos. A Folha de S.Paulo obteve esses dados.

A média das temperaturas máximas do ar, em setembro e a uma altura de 81 metros (acima da copa das árvores), foi de 35,98°C. Sensores do Atto chegaram a captar médias de 38°C no auge da crise, a uma altura de 40 metros.

Setembro e outubro foram os meses de pico da seca extrema, que isolou comunidades ribeirinhas e indígenas, fez rios e igarapés desaparecerem, deslocou grupos e potencializou queimadas e ondas de fumaça.

A umidade do ar, levando em conta a média dos valores mínimos em setembro, também a uma altura de 81 metros, atingiu 20,14%. O solo esquentou, com temperaturas máximas chegando a quase 28°C.

Levando em conta as medições feitas pelos cientistas nos últimos dez anos, de 2014 a 2023, todos esses valores são extremos, os picos registrados para um mês de setembro na área onde estão instaladas as torres.

A realidade mais aproximada do que ocorreu em 2023 foi a de 2015, quando também houve incidência dos efeitos de um El Niño, fenômeno climático que consiste no aquecimento acima da média no oceano Pacífico, perto da linha do Equador. O El Niño impacta temperatura e chuvas.

O estresse vivido pela floresta em 2023 foi ligeiramente pior do que o vivenciado em 2015, conforme as medições do Atto.

“Com essas temperaturas [na altura ou acima da copa das árvores], a folha não funciona bem. A árvore transpira, e o nível de evapotranspiração é muito alto”, afirma Cléo Quaresma Júnior, professor do Instituto Federal do Pará e pesquisador do Atto responsável por medições micrometeorológicas.

“Há um prejuízo na capacidade de retirada de CO2 da atmosfera. E a emissão segue, a planta está o tempo todo respirando”, diz Quaresma.

A pesquisadora Hella van Asperen, que cuida no Atto de medições de concentração de gases de efeito estufa, afirma que os efeitos do El Niño ainda estão presentes.

“A floresta não teve tempo de se recuperar, e está chovendo menos. Vai ser um ano difícil”, diz Asperen, que atua no Amazonas. Ela também é pesquisadora de pós-doutorado do Instituto Max Planck de Biogeoquímica, na Alemanha.

As torres e equipamentos do Atto estão instalados na RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) do Uatumã, no Amazonas, a 150 km de Manaus. É uma área central da amazônia e pode ser compreendida como parte da Amazônia ocidental, onde a seca extrema de 2023 teve os efeitos mais severos.

Medições são feitas desde 2012, por meio de sensores diversos. As torres existentes estão num raio de 20 km na reserva.

Os cientistas buscam compreensões mais exatas sobre as trocas entre a floresta e a atmosfera. Para isso, há medições de meia em meia hora, diariamente. Um dos parceiros do projeto é o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sediado em Manaus.

Assim o Atto descreve o porquê de conduzir as pesquisas sobre essas trocas: “A amazônia é responsável por grande parte da fotossíntese mundial, armazena bilhões de toneladas de carbono e movimenta grandes quantidades de água. Porém, ainda estamos longe de compreender o papel da amazônia em um sistema terrestre em transição”.

Umidades mínimas do ar que beiram 30% –ou que chegam a pouco mais de 20%, como em setembro, a uma altura de 81 metros– são consideradas impressionantes para a floresta amazônica, na percepção dos cientistas envolvidos.

Esses pesquisadores ainda não têm uma resposta sobre a possibilidade de a reserva onde estão as torres se tornar de forma predominante uma fonte emissora de carbono na seca, e não um sumidouro. Eles esperam ter dados mais concretos sobre isso nos próximos meses.

Em 2015, houve aproximação do zero nesse fluxo, mas ainda com leve vantagem na absorção de CO2, segundo os integrantes do Atto.

“Algumas partes da amazônia são emissoras, principalmente partes mais próximas de fronteiras agrícolas, como sul do Pará e norte de Mato Grosso”, diz Quaresma. “Nos anos seguintes ao El Niño de 2015, a floresta absorveu muito CO2, mas precisa de um tempo para se regenerar. E os períodos secos estão cada vez mais longos.”

As medições sobre concentração de gases de efeito estufa mostram um aumento ao longo dos anos tanto de monóxido de carbono (CO), associado a queimadas, quanto de dióxido de carbono (CO2).

Houve dias em que nuvens de fumaça encobriram parte da reserva, da mesma forma que ocorreu com Manaus. Na capital mais populosa da Amazônia, com 2 milhões de moradores, houve dias seguidos de fumaça, com repetições por meses, durante a seca de 2023.

A medição de monóxido de carbono na área de floresta mostrou, em determinado momento, níveis semelhantes ao de estar posicionado “atrás de um caminhão”, segundo Asperen. A concentração dos gases não diz respeito apenas à dinâmica da floresta, mas a emissões diversas, que refletem também em pontos de vegetação nativa.

O El Niño foi uma das causas da seca extrema de 2023. Outros fatores foram os efeitos das mudanças climáticas, já sentidos na amazônia, a degradação da floresta, em pontos diversos, e o aquecimento do Atlântico Tropical Norte.

Rios que são decisivos para a vida amazônica atingiram mínimas históricas. O rio Negro, em Manaus, chegou a 12,7 metros em outubro, a menor cota em 121 anos de medição no porto da cidade. Levando em conta as mínimas nos anos anteriores, a pior medição havia sido registrada em outubro de 2010: 13,63 metros, quase um metro a mais do que a atual pior marca.

O prolongamento da seca, com alteração no próprio ritmo do atual período chuvoso, deixa dúvidas sobre o comportamento da estiagem em 2024, período que se inicia em junho. Pesquisadores acreditam na possibilidade de mais um ano com seca severa.

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