Projeto de lei que altera novo ensino médio quer validar trabalho como aula

Para um grupo de entidades, a alteração proposta é ilegal por abrir brecha para incentivar o trabalho infantil e a contratação precária de adolescentes

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Projeto de lei que altera novo ensino médio quer validar trabalho como aula
Um dos principais argumentos dos defensores das mudanças curriculares no ensino médio é o de que a etapa precisa preparar melhor os estudantes para o mundo do trabalho (Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados para alterar o novo ensino médio propõe que as horas trabalhadas pelos estudantes sejam contabilizadas como aula para aqueles que estudam em escolas de tempo integral.

Para um grupo de entidades, a alteração proposta é ilegal por abrir brecha para incentivar o trabalho infantil e a contratação precária de adolescentes. Elas também defendem que a mudança estimula a “desescolarização” dessa etapa da educação básica.

O texto, que altera a reforma do ensino médio sancionada em 2017 pelo governo Temer, foi aprovado em 20 de março deste ano após um acordo entre o governo Lula (PT) e a Câmara, mas ainda precisa ser votado pelo Senado.

Um dos principais argumentos dos defensores das mudanças curriculares no ensino médio é o de que a etapa precisa preparar melhor os estudantes para o mundo do trabalho. Eles argumentam que o ensino precisa ser menos teórico e ter maior flexibilidade para aproximar o conteúdo de sala de aula com o que os jovens gostariam de trabalhar futuramente.

Por isso, uma das alterações propostas na reforma é que, “para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo integral”, as redes de ensino possam considerar como horas de estudo “a experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado”.

Segundo o texto aprovado na Câmara, o objetivo com essa mudança é “reconhecer as aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares”.

Em uma carta aberta, as entidades que formam o coletivo Agendas Infâncias e Adolescências Invisibilizadas pede para que o Senado corrija a proposta, retirando os artigos que tratam da questão do trabalho. Entre os signatários estão o FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O coletivo destaca que as medidas do projeto confrontam com a Lei de Aprendizagem, Lei do Estágio e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) por propor que adolescentes com menos de 16 anos possam trabalhar.

“De 14 a 16 anos, os adolescentes só podem trabalhar na condição de jovem aprendiz e devem seguir a legislação pertinente à aprendizagem profissional. Abaixo de 14 anos, qualquer relação de trabalho ou aprendizagem é considerada trabalho infantil”, diz a nota do coletivo.

Ou seja, eles defendem que, ao validar como carga horária escolar o trabalho de adolescentes, o projeto estimula a contratação precária de menores de 18 anos já que a Lei da Aprendizagem obriga que o empregador garanta a matrícula e frequência do aprendiz à escola.

Ao liberar que parte do horário escolar seja cumprido no trabalho, o projeto permite que os empregadores não sejam obrigados a garantir que o horário exigido dos adolescentes não atrapalhe os estudos.

Outro alerta feito pelas entidades se refere à inclusão do trabalho voluntário como parte da carga horária escolar. Como menores de 14 anos não podem trabalhar, nem mesmo como aprendizes, a lei poderia abrir brecha para que eles sejam recrutados de forma ilegal.

“A possibilidade significa risco de legalização, através da proposta de lei aprovada, de trabalho análogo à escravidão, aumentando as vulnerabilidades de crianças e adolescentes em todo o país, principalmente, daquelas e daqueles mais desfavorecidos economicamente”, diz a nota.

Eles também chamam atenção para o fato de que essas mudanças vão impactar sobretudo os estudantes mais pobres, negros e de regiões mais vulneráveis do país.

“Sabemos que a precarização da educação pública afeta pessoas com classe social e raça definidos, que são diretamente afetadas com esses retrocessos. Queremos que as juventudes das escolas públicas possam sonhar e com dignidade tenham todas as condições de ocupar os espaços e todas as profissões e trajetórias que lhe são de direito”, diz a nota.

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