Por que votar em Sandro Mabel?
"Mabel, com todos os seus defeitos, é alguém que se move na busca pela construção de alianças e convergências"
Tenho visto amigos e conhecidos considerando anular o voto ou votar em branco no segundo turno da eleição em Goiânia em que se confrontam Sandro Mabel, candidato apoiado pelo governador Ronaldo Caiado, e Fred Rodrigues, representante da extrema- direita e do bolsonarismo.
Compreendo e respeito o direito à abstenção, mas essa postura me parece enraizada num tipo de pudor moral e numa pretensão purista que não fazem muito sentido no jogo democrático, sobretudo quando a própria democracia corre risco.
Por isso, votarei em Sandro Mabel no próximo domingo, expresso meu apoio a ele e apresento aqui os motivos para isso, exortando todos aqueles que se importam com a democracia a fazerem o mesmo sem constrangimento e de maneira firme.
A razão é, no fundo, simples: Mabel é um político, Fred, um antipolítico.
Mabel, com todos os seus defeitos, é alguém que se move na busca pela construção de alianças e convergências. Fred, ao contrário, tem como missão de vida destruir a negociação, alicerce do jogo democrático, e impor um credo de ideias sobre aqueles de quem discorda. Mabel aceita as regras do jogo democrático, Fred usa os mecanismos da democracia para sabotá-la por dentro.
Respondo, por isso, a três questionamentos mais evidentes e legítimos em relação ao voto em Mabel.
“Mabel é de direita e nenhuma direita é verdadeiramente democrática.”
Se você pensa isso, talvez precise fazer um exame de consciência e rever suas próprias convicções democráticas. Afinal, o pressuposto básico da democracia é o de que existem ideologias contrárias, que se baseiam em pressupostos e princípios diferentes e se ordenam num espectro que vai da esquerda à direita, do progressismo ao conservadorismo. Se você acha que só a esquerda pode ser democrática, talvez o não-democrata, no fundo, seja você.
“Os dois candidatos representam ideias com que não concordo, portanto, o mais correto seria me abster.”
Se você, de fato, tem a democracia como um princípio inegociável, a democracia antecede, em termos de valor, suas próprias convicções ideológicas e é, portanto, mais importante que elas. Dito de outro forma, um democrata tem clareza de que sua própria liberdade de pensamento e de expressar idéias só existem num ambiente democrático. Por isso, defende a democracia mais que suas próprias convicções políticas.
Nessa direção, mesmo estando à sua direita, não apenas as ideias de Sandro Mabel estão mais próximas de você do que as de um extremista que flerta com o autoritarismo, como a escolha de voto se configura precisamente como uma opção entre a democracia ou lavar as mãos diante da ameaça autoritária.
A democracia, como o mundo real, não é preta e branca. Nela, como na vida, as escolhas quase sempre são difíceis, não é fácil separar o certo do errado, distinguir onde termina a luz e começa a sombra. É ela que garante, todavia, exatamente a possibilidade de que haja espaço para muitas cores, que ninguém imponha unilateralmente o que é certo ou errado e que siga havendo luz e sombra – pois a sombra está sempre ameaçando cobrir tudo.
Em resumo, a verdade é que ninguém faz democracia sem se sujar um pouco. E isso não é ruim. Basta perceber que todo autoritário se apresenta como limpinho.
“Mabel representa tudo o que mais abomino na política brasileira: o centrão, os conchavos e o fisiologismo.”
Mabel de fato encarna alguns dos aspectos mais complicados da democracia brasileira. Como deputado federal, fez parte da base de apoio de todos os presidentes de FHC a Temer, tendo sido um dos homens de maior confiança deste último. A palavra “centrão”, aliás, o define muito melhor do que “direita”. É até estranho, na verdade, vê-lo se dizendo de direita, quando o que sempre o caracterizou foi exatamente a ausência de ideologia.
Como diz o ditado, a diferença entre o veneno e o remédio está apenas na dose. O fato da debilidade ideológica e adesismo característicos da política brasileira serem frutos de um pragmatismo levado às últimas consequências não significa que o pragmatismo não seja, na medida certa, uma virtude democrática. Sem flexibilidade e capacidade de convergência, sem relativização das próprias convicções, não existe política democrática. O pragmatismo é, por isso, um dos ingredientes essenciais da democracia.
Não obstante, a extrema-direita, em sua natureza autoritária e avessa ao respeito às diferenças, aponta o pragmatismo como o grande mal a ser combatido, como se fosse sinônimo de corrupção e como se toda política negociada fosse inerentemente corrupta.
O canto de sereia de Bolsonaro, Marçal, Milei ou Trump, é precisamente a venda da miragem de uma política pura, feita com base unicamente em princípios e, por isso, não contaminada pelas concessões e arranjos pragmáticos que são a essência da democracia. Vendem-se como puros, quando são, em realidade, a encarnação mais escancarada da hipocrisia e da frase do jornalista Batista Custódio: “As vestais da rua lá de cima, conheço-as todas como putas na rua cá de baixo”. Sob a desculpa de consertar uma política deturpada, ambicionam uma sociedade sem mediações políticas, de relação direta entre tirano e povo.
Conheço Sandro Mabel de perto. Já trabalhei com ele. O homem tem defeitos. Entre eles, entretanto, não parece se encontrar o pendor autoritário. Ao contrário, seu maior talento, insisto, reside justamente na capacidade de escuta e articulação que são a fibra de todo político de verdade.
Como qualquer ser humano, ele tem convicções, mas é alguém cuja característica principal, como dito, é justamente esse impulso natural para seduzir, convencer, construir acordos, criar pontes e convergências, mesmo ao preço de deixar suas ideias em segundo plano ou de precisar modificá-las.
Na democracia, apoiar alguém não significa adesão irrestrita. Pode representar um acordo político mediante condições ou, na humilde condição de eleitor, uma aposta a ser cobrada com a lembrança do suporte dado para que, durante o mandato, o governante se recorde de que se encontra ali graças também a pessoas com ideias e valores diferentes dos seus. As concessões feitas por pessoas como nós, que não votariam nele em outras condições, devem ser sempre lembradas e ensejarem compromissos no programa de governo e nas políticas.
A grande virtude de Mabel é ser político até o osso. O grande defeito de Fred é seu nojo da política. E precisamos de mais política, não menos.
Pedro Novaes é diretor de cinema, geógrafo e doutorando em Ciências Ambientais pela UFG