Justiça argentina concede prisão domiciliar para ex-presidente Cristina Kirchner
Kirchner teve a pena de seis anos confirmada na última semana pela Suprema Corte do país


DOUGLAS GAVRAS
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Após uma semana de espera, a Justiça da Argentina concedeu nesta terça-feira (17) prisão domiciliar à ex-presidente Cristina Kirchner, que teve sua pena de seis anos confirmada na última semana pela Suprema Corte do país.
Na prática, a partir desse momento, a peronista já está em prisão domiciliar, não precisando se apresentar na quarta-feira (18) ao tribunal que a condenou, como estava previsto anteriormente.
Cristina Kirchner, presidente da Argentina por dois mandatos (2007-2015), pedia desde a semana passada para cumprir a sentença de seis anos de prisão, por administração fraudulenta em prejuízo do Estado, em sua casa, em Buenos Aires. A defesa também queria que ela não usasse tornozeleira eletrônica, o que a Justiça negou, e ela terá de utilizar o aparelho.
Além da tornozeleira, a ex-presidente terá de permanecer em casa todo o tempo -a menos que tenha autorização prévia da Justiça para sair-, não se comportar de forma a perturbar a tranquilidade da vizinhança e apresentar uma lista com nomes de pessoas que a visitam frequentemente (familiares, custódia policial a que tem direito por ter presidido a Argentina, médicos e advogados).
A legislação penal argentina permite que pessoas com mais de 70 anos -como é o caso de Cristina, que tem 72- tenham acesso ao benefício da prisão domiciliar, desde que cumpram determinadas condições e sejam autorizadas pelo tribunal correspondente.
Mais cedo, antes que a Justiça se pronunciasse, os promotores federais Diego Luciani e Sergio Mola haviam recomendaram que o pedido de prisão domiciliar fosse negado. Em um parecer que já era esperado, eles apontaram que um outro condenado no mesmo caso que ela, o ex-secretário de Obras Públicas José López, ficará na prisão de Ezeiza (na Grande Buenos Aires).
Na semana passada, a ex-presidente publicou uma mensagem em que lembrou que, por ter presidido o país, deveria ter proteção vitalícia devido aos riscos enfrentados por aqueles que ocupam altos cargos. Ela também recordou a tentativa de assassinato que sofreu em 2022.
Cristina também atacou os juízes do Supremo que confirmaram a sua condenação, chamando-os de “triunvirato fantoche” e insinuou que suas decisões desconsideram a vontade popular. A ex-presidente tinha planos de se candidatar a uma vaga de deputada na província de Buenos Aires nas próximas eleições de setembro, mas após a confirmação de sua condenação, ela perdeu o direito de se candidatar no futuro, a menos que receba um indulto presidencial.
A antecipação da decisão sobre a prisão domiciliar, um dia antes do fim do prazo, tenta reduzir a comoção que uma ida de Cristina até o tribunal causaria.
Líderes do peronismo haviam organizado uma marcha em apoio à ex-presidente, que a acompanharia de sua casa, no bairro de Constitución, até o tribunal. O PJ (Partido Justicialista) confirmou que a manifestação ocorrerá mesmo após a confirmação da prisão domiciliar.
“Está mais claro do que nunca que se trata de justiça, mas de vingança. Cristina é inocente. Eles proscrevem a líder política mais importante dos últimos 50 anos e, não contentes com isso, procuram isolá-la porque ela está mais atual do que nunca”, escreveu no X o senador peronista Wado de Pedro.
Às 10h, apoiadores da peronista devem se concentrar em frente à casa dela e ir até o edifício de tribunais federais na avenida Comodoro Py, que fica a cerca de 5 km. Antes devem fazer uma parada no Palácio de Justiça, onde fica o Supremo, que está na metade do caminho.
“A ação de solidariedade à Cristina e em defesa dos direitos humanos políticos, econômicos, sociais e culturais dos argentinos não será suspensa por nenhum motivo, independentemente do que digam a mídia, o Judiciário, a polícia, os bombeiros ou as lideranças”, publicou o ativista Juan Grabois.
Em Comodoro Py, houve um aumento no efetivo policial e restrições de acesso em preparação para a mobilização. No fim da noite desta terça, os militantes passaram a considerar uma outra opção, de marchar até a praça de Maio (a 2 km de sua residência).
A condenação de Cristina está relacionada ao caso Vialidad, que envolve contratos rodoviários assinados durante sua presidência, beneficiando o empresário Lázaro Báez.
Após a confirmação da condenação, a defesa de Cristina planeja levar o caso a tribunais e organizações internacionais. Sua defesa terá seis meses para apresentar uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Antecipando-se à decisão do Supremo, o advogado de Cristina, Gregorio Dalbón, apresentou um documento ao Tribunal Penal Internacional alegando “perseguição política”.
Nos últimos dias, milhares de manifestantes se reuniram em apoio a Cristina, bloqueando rodovias e organizando protestos. A casa da ex-presidente, onde ela cumprirá a pena, transformou-se em uma espécie de centro de peregrinação de apoiadores, que tomaram uma das esquinas da avenida San José.
Cristina apareceu todos os dias desde a decisão do Supremo em sua varanda para cumprimentar os apoiadores, o que incomodou seus adversários. A recomendação da Justiça ao conceder a prisão domiciliar, de que ela não deve causar perturbação na vizinhança é resultado dessas mobilizações.