Série ‘Chespirito’ faz retrato condescendente do criador de ‘Chaves’
Produção mexicana da HBO Max conta ficcionalmente parte da vida do comediante


MARCELO MIRANDA
Nas duas últimas semanas, plataformas de streaming no Brasil estão recebendo centenas de episódios de “Chaves” e “Chapolin”. Os canais Netflix, GloboPlay, Multishow, Amazon Prime Video e +SBT estão com vasto acervo das duas séries criadas e protagonizadas pelo escritor e comediante mexicano Roberto Gómez Bolaños (1929-2014), popularmente conhecido como Chespirito.
A invasão “chespiriana” tem a ver com o imbróglio jurídico entre a rede Televisa, distribuidora das séries, e os herdeiros de Bolaños. A celeuma foi resolvida após quatro anos. Centenas de episódios estão aparecendo aos poucos em cada plataforma, incluindo uma grande variedade de dublagens em português e a oportunidade de ver ou rever tudo de mais importante das criações de Bolaños.
É nesse contexto que se concluiu, na última quinta-feira, a minissérie “Chespirito Sem Querer Querendo”, produção mexicana da HBO Max que conta ficcionalmente parte da vida do comediante.
Em oito episódios, o espectador acompanha a trajetória do protagonista na Cidade do México desde criança, passando pela infância modesta, a carreira como redator publicitário e a entrada na televisão, onde se notabilizou em esquetes cômicos que o levaram a bolar, no começo dos anos 1970, seus dois personagens mais famosos.
A primeira metade dos episódios alterna idas e vindas no tempo para tratar de vários momentos da biografia de Bolaños, o que deixa o público ver logo o elenco reencenando figuras queridas como Chiquinha, Quico, Dona Florinda, Seu Madrugada e professor Girafales, além do próprio Chaves.
Parte do encanto está não apenas nos atores e atrizes a reviver esses personagens, mas em acompanhar as intrigas pessoais e profissionais de acontecimentos até hoje envoltos em muita fofoca e narrativas desencontradas.
“Chespirito Sem Querer Querendo” é escrita pelos irmãos Roberto Gómez Fernández e Paulina Gómez Fernandez, dois dos seis filhos de Bolaños. A dupla adapta a autobiografia do pai, de 2006. Isso leva a uma abordagem às vezes condescendente. Ainda que não seja hagiográfica e aborde situações controversas do artista, especialmente a negligência afetiva com a família, o roteiro minimiza certas brigas criativas e infidelidades conjugais.
Além disso, duas figuras centrais aparecem um tanto vilanizadas em cena. Carlos Villagrán, ator que fazia o garoto Quico, é mostrado quase sempre como um homem mimado e encrenqueiro, enquanto Florinda Meza é a mulher que desestabiliza o autor emocionalmente e o leva a romper um casamento de 23 anos.
Ainda que em nenhuma das interações Bolaños seja tratado como vítima, o retrato um tanto amargo da dupla que não preza da simpatia por parte de familiares de Chespirito fez com que eles fossem renomeados em cena.
Villagrán é chamado de Marcos Barragan, e Florinda teve o nome alterado para Margarita Ruiz. Desde antes de a série estrear na HBO, ambos têm feito declarações públicas criticando a abordagem ficcional de suas contrapartes.
Para além das tretas, “Chespirito Sem Querer Querendo” emociona especialmente a quem tem relação prévia e afetiva com os personagens de Bolaños. O roteiro mostra seu processo criativo como algo um tanto intuitivo e muitas vezes acidental, o que faz demorar para que se compreenda, de fato, o quão genial ele era.
Se os iniciados sabem de sua importância por tanto verem e reverem “Chaves” e “Chapolin”, o mesmo não se pode esperar de um leigo que se interessa em assistir à biografia de um grande artista latino-americano e não encontra o que fez dele um dos maiores nomes do cenário cultural no continente.
A partir do quinto episódio, a série se ajusta melhor à própria narrativa ao estabelecer o escritor no auge e se deter nos dilemas profissionais e pessoais. Nesse ponto reforça-se a presença de Graciela Fernández, primeira mulher de Bolaños e mãe de todos os seus filhos, morta em 2013.
Figura essencial como parceira de vida e trabalho do ator, ela ficou muitos anos invisibilizada devido à maneira tumultuada como terminou seu casamento e pela personalidade mais controladora de Florinda Meza, a segunda mulher de Chespirito e com quem ele ficou casado até a morte.
O grande arco dramático da minissérie é a formação e dissolução dos laços do protagonista: ele e os parceiros de televisão, ele e a mulher e filhos.
De certa forma, são narradas tragédias íntimas reconfiguradas pela fortíssima relação de Chaves e Chapolin com os fãs. O impacto popular dessas duas criações mantém a sanidade de Bolaños. Nisso “Sem Querer Querendo” emociona e se conecta ao universal para além de seus fãs.
CHESPIRITO SEM QUERER QUERENDO
– Avaliação Bom
– Onde HBO Max
– Classificação 12 anos
– Elenco Pablo Cruz Guerrero, Barbara López, Jesusa Ochoa, Juan Lecanda
– Produção México, 2025
– Criação Roberto Gómez Fernández