Entenda o que é ‘overshoot’ e o que pode ocorrer se o mundo esquentar além de 1,5°C

Programa das Nações Unidas para o meio ambiente, apontou que a média da temperatura muito provavelmente vai superar o patamar mais seguro na próxima década

Folhapress Folhapress -
Entenda o que é ‘overshoot’ e o que pode ocorrer se o mundo esquentar além de 1,5°C
Foto: Freepik

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A projeção de que a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à era pré-industrial não será alcançada pressiona a COP30 a reconhecer a urgência em aumentar os esforços contra as mudanças climáticas. A afirmação é de cientistas ouvidos pela reportagem, que apontam para a necessidade de manter esse objetivo.
O Acordo de Paris, assinado em 2015, definiu que as nações têm o compromisso de conter o aumento da temperatura do planeta bem abaixo de 2°C acima do nível pré-industrial, com o esforço de não superar 1,5°C.

O Pnuma, programa das Nações Unidas para o meio ambiente, apontou que a média da temperatura muito provavelmente vai superar o patamar mais seguro na próxima década.

Em discurso na abertura da Cúpula de Líderes da COP30, o presidente Lula (PT) lembrou que 2024 foi o primeiro ano em que a Terra excedeu o limite. “A ciência já indica que essa elevação vai se estender por algum tempo ou até décadas, mas não podemos abandonar o objetivo do Acordo de Paris”, afirmou.

O QUE PODE ACONTECER SE O MUNDO ESQUENTAR ALÉM DE 1,5°C?

A ultrapassagem do limite de 1,5°C, chamada de “overshoot” no jargão científico, causará danos irreversíveis ao planeta, de acordo com o IPCC, painel intergovernamental sobre mudanças climáticas.

Os piores efeitos seriam nas regiões polares, montanhosas e costeiras, que já são pouco preparadas para enfrentar o aquecimento global.

As populações humanas e os ecossistemas estarão mais expostos a calor e chuva extremos, com riscos crescentes para a infraestrutura, se o 1,5°C for superado.

“O mundo teve em 2024 o primeiro encontro com o ‘overshoot’, com a temperatura chegando em 1,5°C, e vimos o que aconteceu no Brasil”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, em referência às inundações no Rio Grande do Sul e à seca na amazônia.

De 70% a 90% dos corais em todo o mundo irão morrer com esse nível de temperatura. Isso causaria uma série de efeitos em cascata, já que os recifes sustentam boa parte da vida marinha.

O solo congelado no hemisfério norte, chamado permafrost, armazena grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa cerca de 25 vezes mais potente que o CO2. Com um aquecimento de 1,5°C, o material começará a derreter, lançando todo o carbono na atmosfera.

“É uma grande preocupação, o derretimento vai implicar o desequilíbrio de todo um sistema, o solo vai desmoronar. Muitos pesquisadores colocam a preocupação também com micro-organismos que podem causar doenças novas se forem descongelados”, diz a cientista Mercedes Bustamante, autora de relatórios do IPCC.

O AQUECIMENTO SERIA UNIFORME EM TODO O PLANETA?

Não. O IPCC projeta um aumento generalizado nos extremos de temperatura em todo o mundo, mas com grande variabilidade. Nas altas latitudes, onde ficam os polos, o aquecimento chegará a 4,5°C no inverno, ou três vezes acima do 1,5°C.

No melhor dos cenários, o planeta vai esquentar de 2,3°C a 2,5°C até o final deste século, caso todas as metas voluntárias para 2035 sejam cumpridas, de acordo com o Pnuma. Se as ações atuais forem mantidas, a elevação dos termômetros será de 2,8°C.
“As áreas continentais vão se aquecer muito mais do que a média global. O aquecimento contratado para o Brasil, em um cenário de 2,8°C, será entre 3,5°C e 4°C”, afirma o físico Paulo Artaxo, que também assina relatórios do IPCC.

É POSSÍVEL VOLTAR AO NÍVEL MAIS SEGURO DE TEMPERATURA DEPOIS DE ULTRAPASSÁ-LO?

Sim, mas isso exigiria a remoção em larga escala de carbono da atmosfera, além de zerar todas as emissões de gases-estufa. Ou seja, uma tarefa bastante complexa e dependente de tecnologias de sequestro de gases que ainda não estão disponíveis.

A cada 0,1°C de aumento nos termômetros, o IPCC calcula que seria necessário ter emissões negativas de 220 bilhões de toneladas de dióxido de carbono –cerca de quatro vezes a poluição que o mundo lança na atmosfera a cada ano.
“Isso não quer dizer que em cem anos essas tecnologias [de remoção de gases] não possam aparecer e permitir a redução da temperatura do planeta, mas sem dúvida nenhuma é melhor se precaver, não deixar a temperatura do planeta passar de 1,5°C ou 2°C”, afirmou Artaxo.

O IPCC recomenda que o mundo contenha o aumento o mais próximo de 1,5°C e limite a ultrapassagem ao menor tempo possível. Quanto mais o termômetro se distanciar do patamar mais seguro, maiores seriam os danos.

“Com um derretimento mais acentuado do manto de gelo, tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul, o fato de depois voltar para 1,5°C não vai implicar na recuperação das áreas cobertas com neve e gelo que foram perdidas”, diz Bustamante.

COMO A COP30 PODE ABORDAR O ASSUNTO?

O tema não está na agenda oficial de negociação da cúpula. Assim, todos os países presentes em Belém teriam que aprovar a discussão do tópico.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, afirmou que a ultrapassagem do 1,5°C pode ganhar mais espaço na agenda de ação, como é chamada a programação paralela à COP.

“As soluções estão na agenda de ação, e o ‘overshoot’, evidentemente, torna ainda mais importante acelerar a implementação. Por mais que não seja uma boa notícia, mostra que a gente realmente tem que acelerar”, disse.

Bustamante defende que as próximas metas climáticas dos países, a serem apresentadas em 2030 com objetivos para 2040, sejam muito mais ambiciosas e prevejam remoções de carbono da atmosfera. “Sobretudo os países que são os grandes emissores e precisam fazer uma redução robusta e rápida, acompanhada de remoção.”

Para Claudio Angelo, os países reunidos na COP30 terão de assumir a ultrapassagem da meta prioritária do Acordo de Paris. “Belém vai ter que pelo menos reconhecer que estamos entrando em ‘overshoot’ e reafirmar que o objetivo é limitar o aquecimento a 1,5°C”, disse.

Folhapress

Folhapress

Maior agência de notícias do Brasil. Pertence ao Grupo Folha.

Você tem WhatsApp ou Telegram? É só entrar em um dos grupos do Portal 6 para receber, em primeira mão, nossas principais notícias e reportagens. Basta clicar aqui e escolher.

Publicidade