Coreia do Norte faz maior teste de míssil nuclear antes de reunião da Otan

Ditador Kim Jong-un é um dos poucos aliados de Vladimir Putin, e o disparo abre uma nova frente de preocupação para o presidente americano

Folhapress Folhapress -
Coreia do Norte faz maior teste de míssil nuclear antes de reunião da Otan
Kim Jong-un: novo peso é alvo de especulações (Foto: Reprodução)

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Poucas horas antes de a Otan (aliança militar ocidental) se reunir para discutir novos passos contra a Rússia na guerra da Ucrânia, a Coreia do Norte fez seu maior teste com um míssil intercontinental com capacidade nuclear –o primeiro desde 2017.

O ditador Kim Jong-un é um dos poucos aliados de Vladimir Putin, e o disparo abre uma nova frente de preocupação para o presidente americano, Joe Biden, que empenhou muitas fichas diplomáticas ao reunir-se pessoalmente com os outros 29 chefes de governo da Otan em Bruxelas nesta quinta (24).

Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul condenaram o teste. Segundo o Ministério da Defesa japonês, provavelmente foi o primeiro com um míssil Hwasong-17, apresentado em um desfile militar em Pyongyang em 2020. O lançamento ocorreu às 15h44 locais (3h44 em Brasília), três horas antes de os líderes ocidentais posarem para a primeira foto do seu encontro.

O teste impressionou os sul-coreanos, que o calcularam: o míssil voou por 71 minutos a até 6.200 km, cobrindo uma distância de 1.080 km, espatifando-se no mar próximo ao Japão. Se utilizasse uma trajetória normal, poderia atingir cidades na costa oeste americana, além de territórios dos EUA no Pacífico como o Havaí e Guam.

O maior teste até aqui havia sido em 2017, quando um modelo Hwasong-15 chegou a 4.475 km de altitude e alcance de 950 km, voando por 53 minutos. Para demonstrar prontidão, Seul disparou uma série de mísseis menores em teste.

É o primeiro teste deste tipo de míssil desde a série ocorrida há cinco anos, que obrigou o então governo de Donald Trump a negociar diretamente com Kim –as três rodadas de conversas diretas entre ambos, contudo, viriam a fracassar e colocar em pausa as negociações para levantamento de sanções contra Pyongyang devido ao seu programa nuclear.

A Coreia do Norte está em cessar-fogo com a do Sul desde 1953, após três anos de guerra entre forças comunistas apoiadas pelos soviéticos e pela China no norte e as capitalistas, com suporte norte-americano.

Seul, uma potência militar regional, é protegida do ponto de vista nuclear pelos EUA. Já Pyongyang conduziu seis testes atômicos e tem um sofisticado programa de mísseis balísticos. Tem estimadas 20 ogivas, segundo a prestigiosa Federação dos Cientistas Americanos, ou até 45, para outras fontes.

Kim apoia a invasão russa da Ucrânia, ainda que não tenha dito isso com todas as letras. Seu Ministério das Relações Exteriores fez um comunicado, há três semanas, repetindo os argumentos contrários ao Ocidente, culpando a expansão da Otan a leste como responsável pela crise.

É linha semelhante à chinesa, que joga um cauteloso xadrez para tentar auferir ganhos com o conflito liderado pelo aliado Putin, mas sem as palavras defendendo a paz na Ucrânia de Pequim.

Com o teste, a atenção de Biden invariavelmente terá de ser deslocada. Kim vinha já dando sinais de impaciência, com uma série de testes de novas armas, como mísseis de cruzeiro e um supostamente hipersônico, mas o simbolismo de ter seu maior armamento em voo é grande.

Mesmo que nada tenha sido combinado com os russos, faz sentido para Kim buscar atenção às negociações emperradas acerca de seu programa nuclear com Washington num momento de foco americano na Europa.

 

Pyongyang é também aliado da China, que é acusada pelos EUA de querer ajudar a Rússia sob sanções com apoio econômico e militar.

É uma equação complexa: o ditador precisa das bombas para manter-se no poder, é a dissuasão da qual dispõe. Ao mesmo tempo, os EUA exigem uma península coreana desnuclearizada, o que incomoda Seul, que não descarta entrar no clube atômico para deter o vizinho do norte.

De uma forma ou de outra, é um problema a mais para a tentativa americana de colocar seu foco estratégico no Indo-Pacífico, visando conter a China. Esse é um processo que começou com a Guerra Fria 2.0 de Trump e foi acelerado por Biden, que revitalizou o Quad (aliança com Índia, Austrália e Japão) e fechou um acordo militar com australianos e britânicos, além de ter se retirado do Afeganistão para liberar energia na região.

Ter o míssil capaz de atingir os EUA não significa, contudo, que ele está pronto para tal. Isso porque a fase mais crítica de um ataque desses é a proteção balística da ogiva, ou ogivas, nucleares que o bólido transporta, do calor extremo da reentrada nas camadas mais baixas da atmosfera durante a aproximação do alvo.

Não se sabe em que ponto está o desenvolvimento dessa tecnologia pelos norte-coreanos, mas há a suspeita perene de que China ou Rússia podem ter repassado o conhecimento. O mais recente, e mais potente, teste nuclear de Kim foi também em 2017.

Em 27 de fevereiro e 5 de março deste ano, a ditadura fez dois testes com o que especialistas acreditaram ser partes do Hwasong-17, disfarçados como lançamento de satélites. Além do desfile de 2020, o míssil, sobre o maior lançador móvel do mundo, foi exibido também em 2021.

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