Repórter americano reafirma inocência em julgamento secreto na Rússia
Julgamento é secreto e deve durar até três meses, com a próxima audiência marcada para 13 de agosto
IGOR GIELOW
Com a cabeça raspada pela primeira vez em público desde que foi preso, há 15 meses, o jornalista norte-americano Evan Gerchkovitch reafirmou nesta quarta (26) sua inocência no início do julgamento em que é acusado pela Rússia de espionar segredos militares.
O repórter do The Wall Street Journal foi levado da prisão do FSB (Serviço Federal de Segurança) em Moscou para uma corte de Iekaterimburgo, cerca de 1.400 km a leste da capital russa, cidade onde ele havia sido detido numa churrascaria em março de 2023.
O julgamento é secreto e deve durar até três meses, com a próxima audiência marcada para 13 de agosto. Jornalistas puderam fotografar Gerchkovitch, que acenou aos colegas de dentro de uma cela de vidro, mas não foram autorizados a acompanhar a sessão. Depois dela, tanto a defesa quanto a promotoria relataram ter repetido suas versões do que ocorreu.
O jornalista de 32 anos, no WSJ desde 2022, reafirmou que apenas coletou informações para uma reportagem na sua viagem aos Urais. O promotor Mikael Ozdoiev também afirmou o que já havia sido dito sobre o repórter, sem apresentar nenhuma prova ou evidência das acusações.
“A investigação estabeleceu que Gerchkovitch, sob ordens da CIA (agência de espionagem dos EUA) na região de Sverdlovsk (onde fica Iekaterimburgo), coletou informações secretas sobre as atividades de uma empresa de defesa sobre a produção e reparo de equipamento militar”, disse Ozdoiev.
Para ele, o repórter “observou meticulosos métodos conspiratórios na condução de suas ações ilegais”. Segundo conhecidos do jornalista disseram à Folha, ele apenas se encontrou com informantes que lhe teriam passado dados sobre a empresa Uralvagonazod, o que pode ter sido uma armação para incriminá-lo.
O WSJ não comenta o objetivo da reportagem do seu funcionário. “Ele estava lá como um jornalista credenciado, fazendo seu trabalho”, disse à agência Reuters Almar Latour, publisher do jornal e diretor-executivo do grupo Dow Jones.
“O caso dele não é sobre provas, normas ou Estado de Direito. É o fato de o Kremlin usar cidadãos americanos para alcançar seus objetivos políticos”, disse a Embaixada dos EUA em Moscou numa nota.
“Evan nunca foi empregado do governo dos EUA. Evan não é um espião. Jornalismo não é crime, e Evan nunca deveria ter sido preso, em primeiro lugar. A Rússia falhou em justificar a detenção continuada dele. Como seu concidadão Paul Whelan, ele só está sendo usado como um peça de barganha”, disse John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca.
Ele se referia a um ex-militar preso em 2018 sob acusação de espionagem, que ele disse ter sido uma armação, condenado em 2020 a 16 anos de cadeia em Moscou.
O Kremlin, que corrobora a acusação de espionagem, mantém suspense sobre a possibilidade de usar Gerchkovitch numa troca de prisioneiros com os EUA, algo já ventilado pelo presidente Vladimir Putin. Segundo o porta-voz Dmitri Peskov disse nesta quarta, tais negociações “devem ocorrer em silêncio”.
Primeiro repórter americano preso no exercício da função na Rússia desde 1986, Gerchkovitch virou um peão na disputa aguda entre Moscou e Washington no contexto da invasão da Ucrânia, determinada em 2022 por Putin.
A guerra trouxe consigo as usuais leis para limitar a liberdade de expressão, e diversos jornalistas russos foram presos e processados pelo que a Justiça pode arbitrariamente decidir ser uma difamação das Forças Armadas.
O caso de Gerchkovitch, contudo, é mais grave. Crime de espionagem pode resultar em 20 anos de cadeia no país, fora eventuais agravantes, ainda que as apostas no meio político sejam de que ele será condenado e depois trocado por algum russo de alto valor para o Kremlin, como Vadim Krasikov, um suposto matador a serviço de Moscou preso na Alemanha.