Brasil deve ajudar a conter crise migratória em Darién, diz presidente do Panamá
Mulino quer impedir a passagem pela selva que se tornou uma rota rumo aos Estados Unidos para centenas de milhares de imigrantes
MAYARA PAIXÃO
Ex-ministro da Segurança que ajudou a expulsar grupos guerrilheiros da selva que divide seu país da Colômbia, José Raúl Mulino assumiu no último dia 1º a Presidência do Panamá com outra proposta para a floresta conhecida como o estreito de Darién.
Mulino quer impedir a passagem pela selva que se tornou uma rota rumo aos Estados Unidos para centenas de milhares de imigrantes.
Às margens da cúpula do Mercosul no Panamá, da qual participou como convidado após manifestar que deseja fazer algum acordo com o bloco integrado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, ele recebeu a Folha em seu hotel para falar sobre o tema.
O político de 65 anos, que inicialmente lançou-se nas eleições como candidato a vice e terminou como o líder de sua chapa ao ver Ricardo Martinelli inabilitado, afirma que o Brasil precisa ajudar no controle da crise de Darién e diz acreditar que a Venezuela de Nicolás Maduro tem liberado seu presos para que emigrem do país.
O Brasil é porta de entrada para imigrantes de outros continentes e de países como Cuba que depois rumam ao norte das Américas, passando pela perigosa selva. Também é o país de origem de milhares de crianças que com seus pais migrantes fazem esse trajeto.
Já a Venezuela é origem de mais da metade dos imigrantes que cruzam Darién, que em 2023 registrou 520 mil cruzamentos. O país de Maduro tem eleições no próximo dia 28, e o tema migratório é central.
Há uma semana, Mulino anunciou um acordo com os EUA, que devem bancar a deportação de imigrantes do Panamá para seus países de origem e ajudar no treinamento das forças panamenhas de segurança.
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Folha – Podemos entender que a proposta de fechar a passagem por Darién é realista? Quem controla a entrada da floresta no lado colombiano é o narcotráfico, o Clã do Golfo. Como isso vai acontecer?
José Raúl Mulino – Primeiro, já começamos a fazer isso, colocando ao longo das rotas uma barreira, uma quantidade razoável de defesa para evitar que continuem transitando, principalmente de forma desordenada, como acontecia. Está acontecendo sem maiores problemas. Nosso conceito é integral.
Estamos vendo o fechamento ordenado por parte do Panamá, o acordo com os EUA para iniciar a repatriação, espero que em breve, e a conversa que tivemos com o presidente [Gustavo] Petro de fazer três etapas de aproximação. Em primeiro lugar com os povos originários [do lado colombiano], depois uma reunião de chanceleres, e a terceira etapa culmina com uma reunião trilateral em Washington. Petro, o presidente [Joe] Biden e eu.
Estamos caminhando para isso, e evidentemente o problema não é nosso. Origina-se com a abertura da porta de entrada pela Colômbia. Ouvi alguém da migração da Colômbia dizer que eles não concordavam com isso. É uma decisão soberana no Panamá, em nosso território, onde adotamos a decisão de fechar, e lamento se causamos algum transtorno, algum problema logístico, mas para mim os interesses do Panamá estão acima de qualquer outro.
Folha – Mas hoje em dia vocês já estão impedindo que as pessoas cheguem ao lado panamenho?
José Raúl Mulino – Bom, por enquanto é um fluxo ordenado, fluxo controlado. Isso vai nos ajudar no momento do fechamento ter uma única entrada. Esperamos que a Colômbia colabore conosco.
Evidentemente para o Panamá é uma missão importante do ponto de vista humanitário, do ponto de vista da segurança, porque lá funcionam, como você bem diz, clãs importantes do narcotráfico, e Deus sabe de que outra atividade ilícita, como tráfico de pessoas e de crianças.
A Venezuela é o principal país com migrantes lá na fronteira. Eu acredito e desejo ao povo venezuelano que, se sua situação política melhorar internamente com o processo eleitoral, isso será um incentivo, para que parem de emigrar.
Se os Estados Unidos diminuírem o nível de sanções, se houver um acordo bilateral Venezuela-EUA, tudo isso influencia para que as pessoas não queiram sair tanto da Venezuela.
Folha – O que o sr. acha da política migratória de Nicolás Maduro? Existe alguma?
José Raúl Mulino – Não me parece que haja controle no país sobre a migração. E principalmente me surpreenderam, e devo dizer com muita tristeza, as características criminosas de muitos daqueles que estão nessa migração. Me surpreendeu ver a quantidade de pessoas claramente identificadas com características próprias de criminosos.
Folha – Mas o que são características próprias de criminosos?
José Raúl Mulino – Homens com linguagem e tatuagens em diferentes partes do rosto, nas mãos. A maneira como se dirigiam a mim não é própria de uma pessoa decente, de uma pessoa que busca dias melhores. E certamente não vejo uma ordem no tema migratório na Venezuela. Se não, não teríamos o caos que estamos tendo nas fronteiras.
Folha – Mas sobre essas possíveis pessoas criminosas, nas palavras que o sr. usa, o que vocês acham que está acontecendo na Venezuela?
José Raúl Mulino – O que digo é uma mera especulação pessoal. Pode ser que estejam soltando pessoas de má conduta das prisões, que a Venezuela também queira fora de suas fronteiras e estão sendo direcionadas para a trilha no Panamá.
Folha – O sr. tem algum contato com Maduro?
José Raúl Mulino – Não, não tenho contato com o presidente Maduro. E, claro, dou o alto grau de seriedade que isso significa, porque todas essas pessoas com essas características estão avançando pela América Central em direção aos Estados Unidos, que é o final deste filme.
O chamado “sonho americano” é o que buscam. E essas pessoas assim, com essas características, não acredito que produzam nenhum bom resultado ao longo de seu trânsito. Por outro lado, também foram detectadas pessoas com perfis próprios de membros do Hezbollah. Muitos viajam sem documentos também.
Folha – O sr. acha que o Brasil tem um papel para ajudar na crise de Darién? Pergunto porque o Brasil é uma porta de entrada para milhares de migrantes de outros continentes.
José Raúl Mulino – Eu acredito que sim. Tomara que os países que têm o conceito de livre trânsito, livre entrada, que não exigem vistos, cooperem. Cada um é livre para permitir ou não a entrada de pessoas em sua jurisdição. Mas definitivamente os países por onde entram, aproveitando esses benefícios migratórios, se assim podemos chamá-los, têm um papel a desempenhar, deveriam ter um papel a desempenhar.
Isso não é novo. Quando fui ministro da Segurança, enfrentei muito isso com africanos de diferentes partes da África. Que entravam pelo Brasil em um voo da South African Airways, na Cidade do Cabo, a São Paulo. E dali começava a peregrinação. Naquela época, os números também eram muito reduzidos. Mas vinham de lá.
Folha – O Panamá quer que o Brasil esteja nesse plano de controlar a migração?
José Raúl Mulino – Não só o Brasil. Eu acredito que todos os países afetados por esse problema, em diferentes graus de participação, deveriam nos ajudar a controlá-lo. Ou seja, é um tema não apenas político, com consequências políticas, mas também um tema humanitário. Sinceramente, esta é uma situação muito penosa, crítica, alarmante. Estamos lidando com seres humanos. Aí não podemos diferenciar.
Antes não era um problema como hoje. Entravam de 25 a 30 pessoas por mês, 1.200 por ano. Agora são 1.200 por dia. Além disso, os custos econômicos para a República do Panamá giram em torno de US$ 100 milhões por ano, o que é muito dinheiro para nós.
Folha – Para os estudiosos de migração, há uma ideia consensual de que quando se fecha uma rota, seja uma rota difícil ou impossível, quase como é o Darien, outras começam a surgir.
José Raúl Mulino – É possível, é possível. Mas não é que o problema vai ser criado, ele já está criado e existe 24 horas por dia, sete dias por semana. Essas pessoas pobres são levadas lá, enganadas. Alguns diziam que lhe contaram que era um passeio pela selva panamenha, e obviamente entraram em um inferno. Muitos deles perderam suas vidas, outras mulheres foram estupradas, outros roubados. Pode ser que outras rotas se abram. Mas bem, esse é o nosso trabalho, evitar que isso aconteça e é por isso que nos defendemos em todas as frentes.
Folha – Nas eleições nos EUA, o que pode mudar nesse acordo de segurança para Darién?
José Raúl Mulino – Eu espero que nada, porque de qualquer forma, seja Biden ou Trump, o problema vai continuar extremamente importante. A fronteira dos EUA não é o Texas, a fronteira é Darién no Panamá. Se eu tiver que, em algum momento, conversar com o presidente Trump sobre isso, eu explicarei.
No entanto, eu acredito que essas são políticas de Estado que devem continuar, independentemente de quem esteja no governo. Como dizemos no Panamá, cada professor tem seu método, e talvez o estilo de Trump não seja o estilo de Biden, nem parecido talvez, mas o problema está lá, o problema é subjacente e precisa ser resolvido.
Raio-X | José Raúl Mulino, 65
Empossado presidente do Panamá em 1º de julho, é advogado e foi ministro de Relações Exteriores e de Segurança. Cursou mestrado em direito marítimo nos EUA.