Conheça Dona Nadir, a idosa que mudou o protocolo da delegacia especializada em Anápolis
Em entrevista ao Portal 6, Manoel Vanderic afirmou que comportamento da idosa foi pontapé para iniciativa da equipe
Responsável pela Delegacia do Idoso, em Anápolis, o delegado Manoel Vanderic é quem cabeceia as diligências que apuram crimes contra a terceira idade e também organiza as operações de resgate àqueles em situação de descaso e abandono.
Justamente por isso, em um primeiro momento, é de se estranhar que o próprio delegado, em entrevista ao Portal 6, tenha confessado haver cometido uma violência tão grave, justamente contra essa população, que o fez alterar permanentemente o protocolo da delegacia para tratar casos do tipo.
A história em questão trata da Dona Nadir, de 93 anos, que já há dois anos mora no Abrigo dos Velhos Professor Nicephoro Pereira da Silva, no bairro Jundiaí, onde recebe alimentação, carinho e cuidados especiais.
Porém, conforme o delegado, antes de chegar ao abrigo, a realidade da senhora era bastante precária.
“Dona Nadir morava na zona rural de Ouro Verde, sozinha, numa casa sem energia, sem água, no matagal, em uma situação completamente insalubre. Ela se alimentava do que ela criava, do que ela plantava”, relembrou.
Vanderic contou que, à época, foi bastante pressionado, tanto pela população quanto por assistentes sociais, a se envolver no caso e, após diligências, não conseguiram localizar nenhum parente de Nadir.
Como consequência, a alternativa foi, mesmo contra a vontade da idosa, foi encaminhá-la a um abrigo, ainda em Ouro Verde. Porém, como não se adaptou, ela foi transferida para uma instituição em Anápolis.
“Mesmo aqui na cidade ela também não se adaptou. Ela pede todos os dias para ir embora para a casa dela. Muito lúcida, muito eloquente, conta histórias da vida inteira e sempre me questiona que não fez nada de errado, que ela não pode ficar presa lá, que ela quer sair de lá, voltar para a casa dela”, contou o titular.
O delegado reconheceu se tratar de um caso extremamente complicado dado que, por mais que Dona Nadir não goste de ficar no abrigo e tenha razão no que diz, a casa onde ela morava já desabou e, como não tem nenhuma outra propriedade, não tem condições de se manter por conta própria.
“Isso mudou radicalmente como a gente lida com casos do tipo […] Esse tipo de violência de a gente desrespeitar a vontade do idoso e tratar ele como criança, ignorar a vontade dele, é uma das violências mais graves que há. Ela é bem cuidada hoje, mas não é o que ela quer”, explicou.
Vanderic também reconheceu que tal prática não é restrita apenas à Anápolis e que, no plano nacional, o cenário se repete, onde na maioria dos abrigos os idosos, por mais que bem cuidados, não podem escolher o que comer, o que vestir ou como gastar o dinheiro.
“Se a gente fizer aquele exercício de perguntar o que iriamos querer no lugar dela, seria muito mais satisfatório ela ter ficado lá [na casa dela] e morrido mais cedo, mais satisfeita e feliz, ter valido a vontade dela, do que hoje. A vida dela tá uma miséria. Recebe tudo o que precisa, cuidam muito bem dela, mas não é o que ela quer”, disse.
Por isso, desde o caso da Dona Nadir, a Delegacia do Idoso de Anápolis agora segue uma política bem mais estrita em casos similares.
“Hoje na Delegacia a gente ainda é muito pressionado para tirar algum idoso, porque está abandonado, mas a gente não faz mais isso contra a vontade. Hoje a gente só vai, se o idoso quiser ajuda”, disse por fim.