JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
A reabertura da Notre-Dame, o grande evento deste fim de semana na Europa, estava na agenda de Ursula von der Leyen. Horas depois da assinatura do tratado comercial UE-Mercosul, que tem a anfitriã da festa como maior opositora, o compromisso saiu de sua agenda. A ausência de von der Leyen na catedral, como a do Papa Francisco, ilustra apenas a última de uma série de crises que o continente experimenta neste fim de ano.
A mais alta autoridade política da Europa entrou em rota de colisão com Emmanuel Macron, que governa sem primeiro-ministro e com um gabinete demissionário. O acordo interessa ao maior exportador do continente, a Alemanha, que também enfrenta imensos desafios econômicos e políticos. “Estamos numa situação diferente da França, mas é importante seguir o caminho do crescimento. A Europa está sob pressão. A influência que o continente tem a nível internacional depende fortemente da nossa força econômica”, declarou Sabine Mauderer, vice-presidente do Bundesbank, na última semana.
A Europa precisa enfrentar um cenário complexo, que reúne disputa comercial com a China, bravatas tarifárias de Donald Trump, excesso de regulação e defasagem tecnológica e industrial. Segundo a OCDE, a economia mundial apresenta “notável resiliência”, com previsão de crescimento global de 3,3% em 2025, muito por conta dos EUA. Trump herdará uma economia em forma, com estimados 2,4% de crescimento em 2025. Já Alemanha (0,7%) e França (0,9%) registraram quedas nas perspectivas econômicas.
Enquanto os motores da Europa patinam, o restante do continente contribui para o momento conturbado. A Itália enfrenta crise econômica, com previsão de crescimento reduzida para 0,8% em 2025. Giorgia Meloni, a premiê, enfrenta risco de monitoramento por Bruxelas devido ao déficit fiscal, além de um embate com o Judiciário sobre um centro de controle imigratório na Albânia. Na Holanda, a coalizão de direita quase ruiu após declarações xenófobas de Geert Wilders sobre a imigração marroquina, ignorando a presença de um ministro de ascendência marroquina no governo.
A leste, os problemas se agravam. Além da invasão da Ucrânia, a Rússia é acusada de promover ataques híbridos em países vizinhos. Na Moldávia, um plebiscito sobre a adesão à União Europeia passou por apenas 11.500 votos, com acusações de compra de votos. Na Geórgia, manipulações eleitorais e desobediência civil liderada pela presidente Salome Zourabichvili refletem tensões crescentes. A Rússia comparou a situação à revolução Maidan de 2014, que derrubou o dirigente pró-Kremlin na Ucrânia.
Na Romênia, interferências russas teriam alavancado o ultradireitista Calin Georgescu, que venceu o primeiro turno presidencial com 22% dos votos. O pleito foi anulado pela corte superior do país, mas a votação já havia começado no exterior para o segundo turno. Georgescu defendia a ruptura com a Ucrânia e aproximação com Moscou, algo alarmante para um país-membro da UE e da Otan. A Romênia abriga uma base de mísseis estratégica para a defesa europeia.
Antes da anulação, a UE questionou executivos do TikTok sobre o uso da plataforma para promover Georgescu de forma desproporcional, supostamente por robôs russos. A Otan manifestou preocupação, apontando ataques híbridos como “a maior ameaça” à Europa, incluindo atentados, sabotagens e ações desestabilizadoras.
O continente europeu, com motores econômicos e políticos enfraquecidos, enfrenta desafios internos e externos, enquanto a instabilidade cresce em várias frentes.