Trump retira EUA do Acordo de Paris
Decisão é comunicada menos de uma semana após a Organização das Nações Unidas confirmar que 2024 foi o ano mais quente já registrado
GIULIANA MIRANDA
MADRID, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Horas após voltar oficialmente à Presidência dos EUA, Donald Trump assinou, nesta segunda-feira (20), a retirada do seu país do Acordo de Paris, pacto assinado pela comunidade internacional em 2015 com o objetivo de reduzir as emissões de gases-estufa que agravam o aquecimento global.
A decisão, comunicada menos de uma semana depois de a ONU (Organização das Nações Unidas) confirmar que 2024 foi o ano mais quente já registrado, era uma promessa desde a campanha eleitoral do republicano, que tomou a mesma atitude em seu primeiro mandato.
Desta vez, contudo, a saída efetiva do entendimento será mais rápida: em um ano após a formalização do pedido pela via oficial.
Quando Trump anunciou a intenção de deixar o pacto pela primeira vez, foi preciso esperar mais tempo, uma vez que uma regra impede que os pedidos de saída ocorram menos de três anos após a entrada em vigor do acordo. Embora já se falasse no assunto desde as primeiras negociações para transição, em 2016, ele comunicou oficialmente a medida em 2017.
Com isso, a decisão só entrou em vigor em 4 de novembro de 2020, um dia após a eleição presidencial daquele ano. Ao assumir o cargo, Joe Biden anunciou a reintegração dos EUA ao Acordo de Paris ainda no dia da posse, em 20 de janeiro de 2021.
Especialistas consideram que a saída do maior emissor histórico de gases-estufa e vice-líder dos dias atuais, atrás apenas da China, trará consequências negativas para os esforços para controlar as mudanças climáticas, ainda que as dimensões dessas mudanças ainda não estejam claras.
“Com o retorno de Trump à Casa Branca, enfrentamos uma renovada incerteza e desafios significativos no enfrentamento da crise climática global. Seu mandato anterior resultou em uma pausa perigosa nos esforços para mitigar as mudanças climáticas. Outro atraso é algo que não podemos nos dar ao luxo de suportar”, diz Johan Rockström, diretor do PIK (Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático).
Para Ani Dasgupta, presidente da ONG WRI (World Resources Institute), a saída dos EUA do pacto acaba reduzindo o posicionamento dos EUA no mundo.
“Todos os anos, muitas comunidades americanas são bombardeadas por incêndios florestais, inundações e furacões que não conhecem fronteiras. Ao mesmo tempo, a transição para uma economia de baixo carbono já está em curso”, avaliou.
“Abandonar o Acordo de Paris não protegerá os americanos dos impactos climáticos, mas dará à China e à União Europeia uma vantagem competitiva na florescente economia da energia limpa e resultará em menos oportunidades para os trabalhadores americanos.”
Com a decisão, os EUA voltarão a ser o único país que já saiu do acordo. Os outros três países que não integram o pacto -Irã, Líbia e Iêmen- nunca aderiram. Ambientalistas temem, porém, que o posicionamento americano possa incentivar outras nações com lideranças de ultradireita, como a Argentina e a Turquia, a replicarem a manobra.
Trump também anunciou a intenção de declarar uma situação de “emergência energética”. O objetivo é acelerar a extração de petróleo e gás nos EUA, o que contribuiria para a redução dos preços da energia para os consumidores.
Em seu discurso de posse, Trump voltou a exaltar os combustíveis fósseis, que são responsáveis pela maior parte dos gases acumulados na atmosfera que, nas condições atuais, colocam o planeta em uma trajetória de aquecimento superior a 2,4°C.
“Temos algo que nenhuma outra nação manufatureira jamais terá: a maior quantidade de petróleo e gás de qualquer país na Terra, e nós vamos usá-los,” afirmou. “Nós vamos perfurar, baby, perfurar”, completou, repetindo um dos slogans usados em seus comícios.
Fatores econômicos tornam improvável, contudo, que Trump consiga reverter inteiramente a trajetória de descarbonização da matriz energética do país. Há muitos americanos, incluindo em estados comandados por republicanos, faturando alto com a transição.
Por isso, é possível que o novo presidente encontre resistências, inclusive dentro de seu partido, para esvaziar a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), sancionada por Biden em 2022 e responsável por injetar US$ 400 bilhões em projetos de energia limpa nos EUA.
No primeiro mandato de Trump na Casa Branca, estados progressivas se uniram para manter vivas as ambições climáticas dos EUA, além de sua presença no cenário do multilateralismo climático global.
O mesmo aconteceu com representantes do Congresso, que organizaram delegações paralelas para as COPs, as conferências mundiais do clima, da ONU.
A ser realizada daqui a menos de um ano, a próxima cúpula, a COP30, marcada para de 10 a 21 de novembro em Belém, ainda contará com a presença dos EUA como membros formais do Acordo de Paris.
Os palpites sobre a possível conduta dos negociadores climáticos americanos, contudo, vão da indiferença à obstrução total.
Apesar do cenário pouco otimista, o governador do Pará, Helder Barbalho, usou as redes sociais saudar Donald Trump e “reforçar o convite” para que ele compareça à conferência em Belém. “Esperamos contar com sua presença na COP30 para discutir o futuro do planeta.”
Já Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, criticou os atos do governo Trump. “Embora fosse algo já esperado, pelo que defendeu na campanha presidencial, vejo com enorme preocupação o anúncio de que o presidente pretende acabar com o Green New Deal, tirar os EUA do Acordo de Paris, retomar a indústria automotiva norte-americana sem dar prioridade para carros elétricos e valorizar o uso de combustíveis fósseis”, afirmou, em nota.
“Resta trabalhar para que a governança climática, hoje mais madura e robusta do que no primeiro governo Trump, crie anteparos para evitar avanços da força gravitacional negacionista, que já inflaciona decisões políticas e empresariais na direção oposta de compromissos firmados anteriormente”, destacou ainda.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse, por sua vez, estar confiante que cidades, estados e empresas dos EUA “continuarão a demonstrar visão e liderança, trabalhando para o crescimento econômico resiliente e de baixo carbono que criará empregos de qualidade”, segundo posicionamento divulgado por porta-voz.
“É fundamental que os Estados Unidos continuem sendo líderes em questões ambientais”, disse também. “Os esforços coletivos do Acordo de Paris fizeram a diferença, mas precisamos ir muito mais longe e mais rápido juntos.”
Desde que Trump se sagrou vencedor nas urnas, bancos e fundos de investimento nos EUA já fizeram retrocessos em seus compromissos ambientais. Um dos movimentos mais notáveis foi a saída de seis dos maiores bancos do país da Net-Zero Banking Alliance (Aliança Bancária por Zero Emissões Líquidas), uma iniciativa ligada à ONU que tenta alinhar o portfólio das instituições financeiras a investimentos ao desenvolvimento sustentável e ao combate das alterações climáticas.
Para André Guimarães, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), “tem uma diferença entre o que está acontecendo agora, em 2025, e o que foi em 2017”.
“Naquele ano, quando Donald Trump fez a retirada dos EUA do Acordo de Paris, empresas e Estados subnacionais se uniram na iniciativa ‘We are all in’, ou seja, ‘nós continuamos dentro [do Acordo de Paris]”, diz, em comunicado. “Mas a gente não viu esse movimento agora, pelo contrário: há setores, como o financeiro, anunciando que vão baixar a barra das medidas de compliance com as questões climáticas dos seus investimentos.”