Cuidadora de Leopoldo de Bulhões deveria ter sido demitida ou acolhida? Especialistas respondem

Em conversa com Portal 6, profissionais explicaram questões relacionadas à condição de trabalho da servidora e preparo para lidar com crianças em crise

Samuel Leão Samuel Leão -
Professora foi filmada pelas câmeras de segurança. (Foto: Reprodução)
Professora foi filmada pelas câmeras de segurança. (Foto: Reprodução)

O recente caso de uma cuidadora demitida pela Prefeitura de Leopoldo de Bulhões após revidar agressões de uma criança em um Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) gerou intenso debate e levantou questionamentos sobre as condições de trabalho dos profissionais da educação e o preparo para lidar com crianças em crise.

Para detalhar melhor as nuances do caso, sob a luz da psicologia e psicopedagogia, o Portal 6 conversou com especialistas e colheu análises que vão além do simples “certo ou errado” sobre o ocorrido.

Perspectiva dos especialistas 

A pedagoga, psicopedagoga e psicóloga Tetê Ribeiro, em entrevista exclusiva à reportagem, destacou as “muitas camadas” envolvidas na situação. Ela ressalta que profissionais que trabalham com crianças pequenas, especialmente na educação infantil, devem estar preparados para lidar com manifestações emocionais intensas.

“A criança, ela não tem todas as emoções elaboradas, ela não consegue elaborar as emoções, então se ela tá com raiva, se ela tá sendo contida, se ela não consegue se expressar, ela fica mesmo desse jeito. E qual é a forma que a criança tem pra expressar a sua raiva? Batendo no outro, batendo em quem tá contendo ela, no caso a professora”, destacou.

Tetê enfatiza que a conduta esperada da cuidadora seria “segurar a criança e conversar com a criança, tirar a criança do ambiente estressor”, especialmente porque o incidente ocorreu na frente de outros colegas.

No entanto, a especialista também levanta um ponto crucial: as condições de trabalho da cuidadora. “Qual é a condição de trabalho dessa cuidadora? Eu não sei, não foi falado em nenhum momento da matéria”, questiona Ribeiro, apontando para a possibilidade de a criança precisar de um cuidador específico, como em casos de autismo, o que não foi esclarecido.

“Realmente não justifica a agressão da professora em relação à criança, porém é importante que a gente entenda também quais são as condições de trabalho dessa professora, porque às vezes a sala é super lotada, às vezes ela não tem preparação, capacitação, treinamento pra fazer isso”, complementou.

Sinais a serem observados

Indo mais a fundo no contexto da situação, que envolve uma criança com autismo e uma profissional que, segundo especialistas, provavelmente não estava preparada para tal função, o psicólogo Bruno Rodrigues ressaltou que existem sinais que indicam as crises entre crianças atípicas e formas mais indicadas de lidar com tais situações.

“É preciso entender que, no caso do Autismo, apesar das crises parecerem virem do nada, elas sempre têm alguns sinais que precisariam ter sido percebidos pela equipe de educadores (se estivessem bem capacitados), para evitar que a crise chegasse ao extremo, como no vídeo. As crises no Autismo seguem um fluxo básico: gatilho, crise e recuperação. É sempre importante analisar o que foi o gatilho da crise, para evitá-los e mitigá-los”, contou.

Ainda segundo Bruno, se a cuidadora tivesse percebido os sinais, poderia ter desviado a atenção da criança e distraído ela com algum outro estímulo, para que ela se acalmasse e redirecionasse a atenção para outras coisas.

“Nessa hora a postura do cuidador faz toda a diferença, como um comportamento calmo, respirando fundo, com movimentos suaves, e voz baixa, sendo inclusive referência de comportamento. Isso ajudaria a criança a não se desregular. Outro ponto importante é que em casos como o do vídeo, é preciso entender que a contenção brusca vai apenar aumentar a crise e a desregulação da criança”, complementou.

Segundo o psicólogo, contenção deve ser a última alternativa, sendo realizada apenas por pessoas capacitadas para isso quando a criança estiver oferecendo risco para si mesma e para outras pessoas. Por fim, ele ainda aponta que a adulta tinha a prerrogativa de estar calma e possuir autocontrole para lidar com as crianças, mas também ressalta que a profissional precisa de condições e preparo adequado para garantir essas atitudes.

“Não acho correto tratar a cuidadora como uma vilã perversa e má, sem saber a fundo as condições de trabalho por trás da atuação dela. Claro que isso não a isenta da responsabilidade pelos seus atos, principalmente quando estamos falando de uma agressão a uma criança em crise. Porém, é preciso saber se ela havia sido capacitada para esse trabalho, se recebia apoio e orientação e estava apta a lidar com tais situações. Caso a resposta seja negativa para esses contextos, infelizmente, outras situações semelhantes irão acontecer”, finalizou.

Em tempo

O incidente, ocorrido na última terça-feira (30) foi registrado por câmeras de segurança e amplamente divulgado.

Nas imagens, a cuidadora tenta conter um aluno em visível estado de crise, que chuta a parede e tenta atingir a adulta.

Após um momento de aparente calma, o garoto arranca papéis da parede e, ao ser contido novamente, desfere um tapa no rosto da servidora, que reage com um tapa.

A Prefeitura de Leopoldo de Bulhões comunicou a demissão da funcionária, lamentando o ocorrido e classificando-o como um “episódio isolado”.

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Samuel Leão

Samuel Leão

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás, com passagens por veículos como Tribuna do Planalto e Diário do Estado. É mestrando em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás. Passou pela coluna Rápidas. Atualmente, é repórter especial do Portal 6.

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