Ana Paula Valadão, Ideologia de Gênero e Intolerância

Carlos Henrique Carlos Henrique -

Na semana em que o mundo celebrava o Dia Mundial de combate à homofobia, no dia 17 de maio, relembrando a data em que a Homossexualidade foi retirada da Classificação Internacional de Doenças, o CID10, em 1990, a cantora Gospel Ana Paula Valadão se envolveu em mais uma polêmica recheada de intolerância, mostrando que o Brasil vai na contramão do restante do mundo.

A rede C&A lançou uma campanha de dia dos namorados, em que os casais trocam de roupa, em alusão às peças unissex que agora fazem parte do catálogo da marca. O mais irônico é que a cantora citou a ideologia de gênero para justificar sua “santa indignação” e propôs um boicote à loja, por uma campanha em que só aparecem casais heterossexuais. O tiro saiu pela culatra, e graças aos protestos de Valadão a campanha ganhou uma visibilidade que até então não tinha e virou sucesso. A religião foi a arma para atacar um grupo, que neste caso, sequer tinha a ver com a propaganda.

Na verdade, usar a religião como justificativa para violência e intolerância não é algo muito novo. Desde que a humanidade passou a adorar divindades, “guerras santas” têm sido travadas. Do Egito Antigo, passando por Grécia e Roma, e chegando até nós, o homem sempre usou deuses como desculpa para matar e marginalizar pessoas.

Exemplos de intolerância não faltam. O próprio Jesus foi vítima de religiosos fanáticos que viam Ele como ameaça, e por isso pediram sua crucificação. Tivemos as inquisições católica e protestante, que mataram milhões. Atentados terroristas para castigar os infiéis do ocidente acontecem com frequência, além de execução sumária de cristãos no Oriente Médio. E nem adianta não ter religião. Ateus também são alvos.

Talvez por isso, pessoas encarem com naturalidade a “guerra santa” travada por líderes religiosos no Brasil, contra homossexuais. Para isso criaram um termo próprio que muitos fanáticos, usados como massa de manobra, replicam sem entender: A ideologia de gênero! Esse “câncer das famílias brasileiras” que só existe na cabeça de religiosos, que acreditam que segregar e tratar pessoas feito animais foi um dos ensinamentos de Cristo.

Aquele mesmo Cristo, acusado na Bíblia de andar com ladrões e prostitutas, que impediu uma adúltera de ser crucificada, “Quem não tiver pecados, que atire a primeira pedra!” disse ele aos religiosos furiosos querendo cumprir a vontade de Deus, com pedradas. Jesus, preferia estar com os pecadores e doentes ao invés dos líderes religiosos, chamados por Ele, de vendilhões do Tempo, que a propósito, nunca estiveram tão em alta! Até toalhinha com suor de pastor é possível comprar, digo ganhar, em troca de uma pequena oferta, hoje em dia.

Mas voltemos à polêmica da Ideologia de Gênero, citada pela Ana Paula Valadão, que sequer existe. Tudo começou com o PNE, aquele plano de educação que já deveria estar valendo desde 2011, mas que por conta da agenda cheia do congresso, com planejamento de shoppings, cristofobia, notas de repúdio a novelas por conta de beijos gays, etc, teve sua votação adiada várias e várias vezes, e só foi finalmente aprovado em 2014.

O PNE, Plano Nacional de Educação, para os íntimos, é um norteador, para que as prefeituras planejem a educação de seus municípios para os próximos dez anos, estipulando metas, garantindo direitos e deveres, dentre outras coisas. O PNE NÃO FALA DE IDEOLOGIA DE GÊNERO. Na verdade, a palavra “gênero” aparece no artigo 2º, voltado para a superação das desigualdades educacionais, onde há um destaque que acrescenta: “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Sim, é somente isso! O artigo que visa promover igualdade, inclusive de gênero e orientação sexual, gerou esse burburinho todo. Importante lembrar que o termo “gênero” foi suprimido do texto final.

Bastou isso para que fundamentalistas se unissem contra a Ditadura Gay que quer colocar Madonna como presidente do mundo, obrigar heterossexuais a se vestirem de unicórnios cor de rosa dançando músicas da Lady Gaga, e matar todo mundo que insista em manter relações com pessoas do sexo oposto. Pensar que em pleno século XXI, tolerância deve sim, ser ensinada nas escolas e que ninguém aprende a ser gay, ninguém quer.

Como Psicólogo, eu já vi vários casos de crianças vítimas de bullying por serem diferentes. Muitas vezes a escola não está preparada para isso. Meninos afeminados ou meninas masculinizadas são hostilizadas sem dó nem piedade, por crianças que replicam o preconceito dos pais nas escolas, dizendo que os pais ensinaram que bichas merecem morrer, que sapatão é tudo pervertida e que “essas pessoas” transmitem doenças. “Deus odeia gays!”, gritam alguns líderes religiosos que vão servir de exemplo para essas crianças.

Por fim, vale ressaltar que mais e mais pesquisas CIENTÍFICAS, mostram que a homossexualidade é inerente ao sujeito. Quer dizer que nasce com ele, e que vai ser desencadeada levando-se em conta fatores genéticos, sociais e psicológicos, assim como a heterossexualidade. Não é possível ensinar ninguém a ser gay, assim como não é possível “curar” um gay, tornando-o heterossexual, já que ele não está doente. Falar sobre homossexualidade não vai transformar você ou seu filho em gays, assim como você não virou gay por ver um beijo gay na novela ou um abraço em propagandas de perfume. É preciso ser muito inseguro da própria sexualidade para ter a cara de pau de falar que ensinar crianças a não serem preconceituosas, ou que demonstrações de afeto entre gays vão te tornar gay.

Os livros da Bíblia que servem de base para alimentar o preconceito, também apresentam a permissão para vender uma filha (Ex 21, 7), ou condenar à morte os que trabalham no sábado (Ex 35, 2). Lembrem-se também que a mesma Bíblia proíbe comer carne de porco, ou mesmo tocar em um (Lev 11, 7-8), ou seja, Bacon te leva para o inferno! Moluscos também, está lá no versículo 10, do mesmo capítulo. Você pode ter escravos, e quem planta vegetais diferentes alinhados ou usa roupas com tecidos diferentes deve morrer.

Talvez por isso a cantora não propôs boicote à C&A quando ela foi acusada de trabalho escravo, já que de Acordo com Levíticos, tá tranquilo. Na verdade, se a cantora seguisse a Bíblia, de maneira correta e literal, como ela usa para atacar minorias, deveria se abster de falar, já que exatamente no livro que a mesma usou para se fazer de vítima, dizendo estar sendo perseguida, Paulo diz: “A mulher ouça a instrução em silêncio, com espírito de submissão. Não permito à mulher que ensine nem que se arrogue autoridade sobre o homem, mas permaneça em silêncio.” (I Timóteo 2, 11-12).

E se é para boicotar empresas que apoiam a inexistente “ideologia de gênero”, senta que a lista é grande: Primeiro, comecem excluindo o perfil no Facebook, Instagram e Whatsapp. Coca-cola e mesmo Pepsi nem pensar! Trate de jogar fora seu smartphone. Não importa a marca. Pois Google (criadora do Android), Microsoft e Apple também apoiam o casamento gay. American Express, Visa e Mastercard também estão na lista, portanto, quebre seus cartões de crédito e do banco agora. E nem adianta xingar muito no Twitter, pois a empresa também apoia a causa gay.

Por isso, talvez a postagem da Cantora foi vista como uma declaração gratuita de intolerância, gerando protestos e “vomitaço” contra a mesma, no Facebook, inclusive no meio protestante. Valadão deveria repensar sua missão, pois Jesus é claro em João 13, 34-35:

“Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.”

Amor ao próximo é justamente o que está em falta. Ao imitar leão, dar testemunho de botas de Phyton, e falar que gordos não combinam com o ministério, Valadão só se afasta do Deus do qual ela se proclama embaixadora.

Talvez precisemos menos de Valadãos e mais de Franciscos, que ensinou a todos uma oração maravilhosa que nos lembra como ser pessoas melhores, nos mostrando que devemos levar o Amor onde há o ódio, o perdão onde há ofensa e união onde há discórdia. Que procuremos mais consolar que ser consolados, compreender que ser compreendidos e amar que ser amados. Quem sabe possamos ainda viver em um mundo melhor.

 

Bruno Rodrigues Ferreira é jornalista, psicólogo, especialista em Tecnologia e Educação e Gestão em Saúde. Siga- o no Twitter: @ferreirabrod

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