Diga não à erotização precoce das meninas

Carlos Henrique Carlos Henrique -
Diga não à erotização precoce das meninas

Hoje em dia se percebe um crescente encurtamento da infância, num processo chamado adultização precoce (assunto que já abordei anteriormente nesta coluna) em parte estimulada pela mídia ao apresentar modelos adultos como referência de como a menina deve se vestir, maquiar, pentear e do modo como ela deve agir e ser, a fim de promover e incentivar o consumo de produtos normalmente desnecessários para uma criança. Pasme: existem no mercado sutiãs “infantis” com enchimento a partir da idade de 4 anos.

Isto é algo perverso e cruel com uma criança: encurtar seus anos de infância. Mas há algo bem mais abjeto do que a adultização que é a erotização precoce de meninas, uma prática nefasta e que traz consequências para o resto da vida nas crianças que são destituídas da sua inocência sendo expostas de maneira inadequada.

O forte apelo sensual nas novelas, na música, na moda e nas mídias digitais tornam, ainda que de forma camuflada, o abuso de crianças uma prática social aceitável. Quer uma prova? É comum meninas de 14 anos abrirem desfiles de marcas como Dior, Versace, Channel de forma extremamente sensual em suas performances e não há nenhum incômodo no mundo da moda por conta disso, ao contrário, é normal e aceitável.

Kaia Gerber é a filha de Cindy Crawford e já faz anúncios desde os 10 anos para Versace com fotos que deveriam ser no mínimo perturbadoras. Agora ela é a nova garota propaganda dos óculos PRADA e estreia um comercial em câmera lenta de cinco enormes minutos aonde aparece desde rolando sensualmente entre lençóis até de maiô vermelho com uma sexy camiseta branca molhada colada ao corpo em uma piscina.

Você pode argumentar: Ah, mas se elas concordam, se elas gostam e as famílias permitem não há problemas, ok? ERRADO. A naturalização da erotização precoce faz com que a percepção do abuso fique anestesiada, tanto para pais quanto para as meninas expostas. É preciso cada vez mais repudiar estas práticas, aponta-las como abusivas para que o que nos parece “normal” passe a ser visto como algo inaceitável.

A mesma sociedade que repudia veementemente a pedofilia e que condena os países aonde o casamento com meninas de oito ou dez anos é legal (sim, existem lugares aonde isto é permitido) é a que aceita e promove de forma mecânica e maciça uma cultura que valoriza a erotização das meninas e faz disso um motivo de orgulho, seja com os concursos de beleza infantis, com as mini funkeiras, com as mini youtubers de 10 anos ensinando maquiagem ou as mini fashionistas ensinando sobre “look do dia” cheios de roupas adultas, em uma idade em que as preocupações deveriam ser outras, bem mais infantis.

A infância é a primeira parte da vida do ser humano, caracterizada pela inocência e pela dependência dos cuidados dos pais ou responsáveis. Parece óbvio dizer isso, nós sabemos, mas crianças não são adultos. Não ainda. Por isso, devemos proteger a infância das nossas meninas, não aceitando jamais nada de cunho adulto, sensual ou erótico ser utilizado como  produto infantil.

É preciso parar de achar  normal meninas de seis anos vestidas como adolescentes de dezessete e é preciso parar de achar normal editoriais de moda e anúncios aonde meninas de 12 anos são maquiadas e vestidas para parecer ter mais de 20. É preciso criar uma cultura do repúdio a toda forma de erotização das meninas ou aceitação da mesma.

Na cultura brasileira, existe um imenso culto à erotização. O que acontece é uma busca pela combinação entre a ingenuidade quase infantil e o desejo extremo, o que leva à uma naturalização da exposição de meninas e a uma minimização dos fatos quando acontecem casos de abuso sexual e pedofilia. Lembro de ouvir de uma senhora a respeito do caso de abuso sexual de uma menina de 10 anos por um homem de 41 que “essas meninas de hoje em dia” não são inocentes, que “ela deveria ter se insinuado”. E o pior é saber que esta fala traduz o pensamento de muita gente.

A desnaturalização acontece em três vias: 1) Transformar a escola em um local para o debate deste tema deixando claro para os alunos que criança deve ser criança; 2) Ensinar na família que cada criança deve ter posse do próprio corpo sem permitir que ninguém o toque e que tudo o que acontecer deve ser relatado a um adulto de confiança. 3) A sociedade civil organizada passar a criticar, repudiar e denunciar toda forma de vídeo, postagem, editorial de moda, reportagem, etc aonde exista material de erotização infantil. Só assim vamos conseguir deixar claro que uma uma menina de seis anos de salto alto e sutiã com enchimento não é o que queremos como modelo para nossas meninas.

Cada adulto, tendo filhos ou não, deve ser responsável por uma mudança de postura na vida em geral afim que que a erotização precoce se torne repudiada sistematicamente em todas as esferas da sociedade. Temos que dizer NÃO a toda forma de erotização das nossas meninas!

Eva Cordeiro é economista e professora universitária. Escreve todas as terças-feiras.

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