O descompasso entre o discurso da reforma administrativa e sua prática na UEG
O objeto e centro das discussões sobre a reforma administrativa da UEG aprovada pela Lei nº 20.748, de 17 de janeiro de 2020, era redução do custeio da máquina administrativa. O projeto de lei de reforma encaminhada à Assembleia Legislativa previa uma economia de recursos advinda da reorganização administrativa e de um processo de desburocratização.
Todavia, em recente pesquisa que estou a coordenar sobre a reforma administrativa, realizada junto à comunidade acadêmica da Universidade, a percepção de 52,5% é que a propalada redução do custeio ficou restrito a reestruturação dos cargos comissionados da estrutura básica (DAS, DAÍ e DAID) e as FCAES (Função Comissionada de Administração Educacional Superior).
Por outro lado, houve um maior grau de centralização das funções gerenciais, na administração central (Reitoria) em detrimento aos Campus Regionais e as Unidades Universitárias, antigos campus com autonomia de gestão administrativa e pedagógica. Como reflexo negativo direto na gestão dos cursos de graduação em 31 Unidades Universitárias tem-se a perda da FCAES pelos coordenadores adjuntos de curso.
Numa linguagem coloquial pode-se usar o argumento que aqueles que carregam o piano (coordenadores adjuntos das Unidades Universitárias) para que os cursos funcionem a contento ficaram à deriva. Porém, com mais encargos e sem um reconhecimento meritocrático do trabalho que desempenham. No que se refere ao processo de desburocratização, este não aconteceu.
A reforma administrativa centralizou as ações da gestão de ensino da graduação e pós-graduação nos Campus Regionais, transformando os Coordenadores das Unidades Universitárias em mero gerenciador dos cursos sob sua responsabilidade. Neste sentido, para 75,2 %, dos respondentes da pesquisa, a reforma administrativa ao centralizar e vincular os antigos campus (Unidades Universitárias na nova denominação) aos Campus Regionais contribuiu com o aumento da burocracia interna da UEG ao criar novos níveis intermediários de subordinação e de tomada de decisões quanto a operacionalização dos cursos.
No modelo de gestão anterior à reforma, a relação hierárquica entre a Unidade Universitária (antigo campus) e a Administração Central era de subordinação direta, no atual há, no mínimo, duas subordinações: administrativa ao Campus Regional, a qual a Unidade Universitária se vincula e a pedagógica aos Institutos Acadêmicos por área de conhecimento. Parece simples, mais não o é, considerando que a maioria das Unidades Universitárias tem cursos em mais de uma área de conhecimento.
Outro ponto a destacar, refere-se a fala do Reitor Interino Interventor, na apresentação da reforma administrativa ao Governador, ao pontuar o êxito do período da gestão interina, descrito em dois momentos em slides do seu colóquio:
1)” Realização, com sucesso, do Processo Seletivo Simplificado para contratar novos docentes substitutos, para que os alunos cursantes não sejam prejudicados”.
Este foi o discurso. Mas a realidade enfrentada pelas coordenações adjuntas de curso nos Campus e Unidades Universitária foi outra bem diferente. Este certame foi centralizado nos Institutos Acadêmicos. Diferente dos anteriores que eram realizados de forma descentralizada nos Campus. Entretanto, na opinião de 70,9% dos respondentes da pesquisa sobre a reforma administrativa da UEG, a proposta de centralização da seleção de professores substitutos nos Institutos foi um fracasso. Houve muita desistência por parte dos classificados em assumir disciplinas em localidades distantes de seu domicilio de residência e trabalho.
Portanto, foi preciso realizar novos processos seletivos para solucionar parcialmente a falta de professores em vários cursos. Problema que se arresta até a presente data para um grande número de disciplinas;2) Realização do Vestibular 2020/1 – Estava em vias de não ocorrer, CsU se negava a convocá-lo, utilização do certame para atender a interesses próprios.
Em primeiro lugar, é importante fazer uma ressalva quanto a afirmação que o CSU negava-se a ser convocado para decidir sobre o Vestibiluar 2020/1. Por que faço esta ressalva? Fato é que o Conselho Universitário é convocado, de acordo com o Estatuto da UEG, § 3º , art 10, pelo Reitor ou por 1/3 dos Conselheiros, de forma ordinária e extraordinária. Portanto, o Reitor tem poderes para convocar o CSU a qualquer tempo. O argumento do discurso não se reproduz com os fatos legais.
Entretanto, por meio de Resolução ad referendum, a Reitoria impõe a realização do vestibular estabelecendo uma nova metodologia. Muda o critério para classificação do candidato pelo número de vagas ofertadas por curso e não mais pelo critério, já consagrado e testado, de classificação por curso, cidade e turno, de acordo com o número de vagas oferecidas em cada campus, bem como reduz a oferta de vagas por cursos em torno de 27% em relação ao vestibular 2019/1.Foram suprimidas 2661 vagas, ou melhor, oportunidades para estudantes egressos do ensino médio ascenderem seus estudos em uma Universidade Pública. Deste universo, 33% foram oportunidades de estudo suprimida na área de Ciências Humanas e das Licenciaturas. Esta foi uma decisão de unilateral do Reitor Interino Interventor à revelia da Comunidade Acadêmica.
A mudança de metodologia de classificação do vestibular 2021, para além deixar de preencher 28% das vagas ofertadas, isto é, 1012 novas matrículas, vários campus foram alijados do processo com cursos com bom índice de candidato por vaga nos vestibulares passados. Este fato foi captado pela pesquisa junto à comunidade acadêmica. Na percepção de 79,5% dos respondentes ouvidos este vestibular foi um fracasso. Esta é mais uma evidência marcante sobre o descompasso do discurso da reforma administrativa e a prática gestão dissociada do contexto multicampi da UEG.
E agora, como sair da fase do discurso para o tempo da prática de gestão ajustada a realidade da Universidade, em meio uma pandemia do covid 19 e a crise fiscal do Estado sem precedentes nas últimas décadas? Não há solução mágica!
É preciso estabelecer uma gestão contextualizada com a realidade acadêmica de uma Universidade multicampi e comprometida com a sua missão Institucional, de forma a atenuar o discurso enviesado da reestruturação administrativa implementada pela Reitoria Interina Interventora.
Neste sentido, como forma de gerenciar a reforma administrativa imposta pelo Estado, a Universidade precisa elaborar um Plano Decenal para estabelecer políticas e diretrizes ajustadas a realidade da Instituição, do orçamento do Estado e centrar na sua missão de desenvolvimento regional e de interiorização do ensino superior, sendo motor na formação de profissionais nas diversas áreas do conhecimento.
Portanto, é preciso atenuar o descompasso da retórica do discurso reformador, prática comum de duas décadas de existência da Instituição, para empreender novos rumos para Universidade Estadual Goiás. A Sociedade, o Estado e a comunidade acadêmica são cônscias que a Universidade precisa mudar. Neste sentido, o Conselho Universitário eleito pela comunidade Uegeana tem uma grande responsabilidade nessa mudança de rumo. O ponto de partida para esse novo horizonte é a realização da eleição do Reitor para quadriênio 2021-2024.
Francisco Alberto Severo de Almeida é professor da UEG, doutor em Administração pela FEA/USP e pós-doutor em Gestão da Informação pela Universidade do Porto- Portugal. Membro eleito do Conselho Universitário da UEG