A governança do Sobrenatural de Almeida e o FEBEAPÁ da reforma administrativa da UEG
Neste segundo artigo publicado pelo Portal 6, o professor doutor Severo critica a reforma administrativa ora feita sem diálogo com os colegiados da instituição
Na década de 60, quando adolescente, trabalhei em uma banca de jornais e revistas da família, aonde me habituei a leitura diária dos jornais impressos dos grandes centros: Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, alguns hoje não tem mais circulação.
Nessas leituras, dois colunistas foram marcantes para mim, pois retratavam o cotidiano da sociedade e do mundo político de forma hilária: Nelson Rodrigues, um torcedor apaixonado pelo fluminense, que na sua coluna de esportes de O Globo sempre encontrava um argumento para justificar as derrotas do seu escrete do coração, colocando a culpa numa figura de linguagem que ele denominava de Sobrenatural de Almeida; e o Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do Jornalista e escritor Sérgio Porto, que tinha uma coluna no Jornal Última Hora do Rio de Janeiro e, como um bom carioca, fazia sempre crônicas jocosas sobre o cotidiano da política e da sociedade à época.
É dele que vem a expressão FEBEAPÁ, traduzindo: festival de besteira que assola o País. Sérgio Porto usava esta expressão para criticar os argumentos falaciosos de agentes públicos que buscavam justificar ações ou decisões praticadas em nome da autoridade governamental vigente. Então, mediante um rompante espiritual, pedi vênia aos ilustres imortais jornalista para fazer uso das suas expressões para externar algumas impressões sobre a Governança da Reitoria Interina Interventora e a Reforma Administrativa da UEG. Faço tal referência como acadêmico, para não ser acusado de plágio. Também, faço uso do direito ao contraditório, expressão corrente das ciências jurídicas, para contestar os argumentos e, o faço nesse artigo, isso porque, não foi permitido pela Reitoria Interina Interventora a discussão da reforma administrativa proposta. A comunidade Universitária apenas teve conhecimento das decisões tomadas que, em alguns casos, se deram por intermédio do uso de instrumentos excepcionais via Resoluções ad referendum.
Neste contexto, como pesquisador sobre o impacto da reforma administrativa e fazendo uso do contraditório, denomino o curto espaço da gestão da Reitoria Interina Interventora como a Governança do Sobrenatural de Almeida. E assim o faço porque foi uma passagem efêmera e insignificante para contribuição da gestão da Universidade. A proposta de reforma administrativa foi conduzida por meio de decisões típicas de gestores de carreiras burocráticas, ou seja, sob a ótica da formalidade, impessoalidade e legalidade que sinalizam o perfil de liderança autocrática, cujo o poder decisório é centralizador e personalíssimo.
A Universidade é um espaço democrático de convivência das diversas matizes político-ideológica, com seu conjunto de acertos e desacertos, sendo construído mediante um processo contínuo de dialética. Neste sentido, a autocracia não encontra espaço para se estabelecer por um período longo, pois a comunidade acadêmica é vacinada contra o autoritarismo legal e discricionário, os quais impõem regras e condições para sua estrutura e funcionamento.
Não se trata aqui de se posicionar contra ou a favor da reforma administrativa, pois sabemos que há posicionamentos tanto favoráveis quanto desfavoráveis às reformas implementadas, face ao observador político e a seu matiz político ideológico. Porém, o que se apresenta como fato relevante é o dessaber do Reitor Interventor Interino sobre a estrutura e funcionamento da UEG, pois não sendo um conhecedor da realidade acadêmica e administrativa da Universidade e fazendo uso de argumentos falaciosos buscar justificar por exemplo, a mudança e reformulação do Conselho Universitário, como expressou em sua apresentação ao Governador, sobre o porquê dessa mudança, verbis: campus com 186 alunos e Campus 1982 alunos tem o mesmo peso decisório no CSU.
O Conselho Universitário-CSU representa para a Universidade o que a Assembleia Legislativa é para o Estado ou a Câmara de Vereadores para os Municípios. Legisla sobre a vida da comunidade acadêmica. Desta forma, seguindo a analogia do Reitor Interino Interventor, os Deputados Estaduais eleitos pelos municípios com maior número de eleitores teria um poder de voto duplicado.
Ora, é como o Deputado ou Vereador representante do maior colégio eleitoral alegar que o seu voto é mais importante do que um outro eleito com menos eleitores. É de fácil percepção a falácia do argumento. Portanto, aqui encontramos a linha de argumento usado pelo Nelson Rodrigues quando não tinha dados factíveis para justificar a derrota do seu time de coração. O responsável foi o Sobrenatural de Almeida.
Noutra dimensão de análise, ainda considerando o slide sobre a justificativa de mudança do CSU, o Reitor Interventor Interino usa a seguinte expressão: terrorismo político. Com receio em fazer uma análise equivocada sobre o emprego da frase, já que em se tratando de um processo de reforma administrativa, pressupõe análise técnica e não valorativa da realidade administrativa observada, me socorri ao Dicionário Houaiss para compreender a frase, verbis: terrorismo político: [figurado] comportamento intolerante e ameaçador usado por quem defende uma ideologia, em relação aos que não concordam com suas ideais, geralmente efetivado através da coerção ou da intimidação.
Pois bem! Fui membro do CSU quando exerci a função de Diretor da Educação a Distância até 2013 e presenciei muitos embates temáticos acalorados que são inerentes a órgãos colegiados. Mas nunca presenciei a imposição de decisões sob a condição de se fazer uma coerção ou intimidação de qualquer representante do colegiado.
Havia, sempre, uma dialética na resolução das questões que envolviam o interesse da comunidade acadêmica com um todo. Mas, como em um espaço democrático, as decisões eram tomadas pelo voto da maioria, cabendo, então, a cada ator do cenário buscar a aquiescência sobre suas propostas. Por outro lado, sempre coube ao Reitor conduzir o debate sobre os temas divergentes para encontrar um consenso. Portanto, esclareço que nunca presenciei ato de coerção e intimidação direta pelos dirigentes pregressos.
Neste sentido, voltando a expressão terrorismo político, trazida pelo Reitor Interventor Interino, classifico-a como falaciosa e meramente burocrática para justificar a sua decisão unilateral de produzir uma reforma administrativa sem consultar o CSU e à revelia da Comunidade Acadêmica da Universidade. Agora, parodiando Sergio Porto, um tremendo Febeapá.
Com base neste contexto, portanto, a Universidade tem que transpor este período obscuro de intervenção e interinidade de Reitor. Já se passaram 21 meses, desde a renúncia do Reitor eleito para o período 2016-2020.É preciso promover uma concertação social envolvendo os atores da UEG e do Governo do Estado para estabelecer estratégias de longo e médio prazo para a Universidade.
Somente com diálogo e discussão sobre o que a sociedade e o Governo esperam da Instituição é que podemos encaminhar o amplo debate sobre o papel da Universidade para o desenvolvimento do Estado, bem como para o avanço e a inserção da comunidade cientifica em pesquisas direcionadas a inovação e tecnologia nas diversas áreas de conhecimento.
Precisamos construir um plano decenal com políticas e diretrizes ajustadas as novas revoluções tecnológicas disruptivas baseada na inteligência artificial e internet das coisas e, também, incentivar o empreendedorismo criativo e, sobretudo, dá condições de infraestrutura física e de recursos humanos e materiais para o desenvolvimento das atividades acadêmicas e administrativas nas Unidades Universitárias. Universidade precisa voltar a ser um ente proativo e se modernizar para fazer frente aos novos tempos que se avizinha.
Francisco Alberto Severo de Almeida é professor da UEG, doutor em Administração pela FEA/USP e pós-doutor em Gestão da Informação pela Universidade do Porto- Portugal. Membro eleito do Conselho Universitário da UEG