Por que a campanha de vacinação no Brasil não está alavancada, segundo especialistas

Papel do poder público nas campanhas de conscientização sobre as vacinas está muito aquém do que deveria

Folhapress Folhapress -
Por que a campanha de vacinação no Brasil não está alavancada, segundo especialistas
(Foto: Reprodução)

Mayara Paixão, de SP – “Vacinem-se.” Se pudesse transmitir uma mensagem para os brasileiros, esse seria o conselho do cantor Dinho Ouro Preto, 57. Ele sentiu na pele as consequências de três ondas epidêmicas que assolaram o país desde o início do século.

Em 2009, contraiu o H1N1 (um dos subtipos do vírus influenza) durante a pandemia de gripe suína que vitimou 17 mil pessoas no mundo –2 mil delas no Brasil. Sete anos depois, em 2016, teve dengue. Mais recentemente, em março do último ano, contraiu o Sars-CoV-2, causador da Covid-19.

As três doenças são imunopreveníveis, o que significa que podem ser evitadas de forma eficaz por meio da imunização. Ainda que não extingam as chances de tê-las, as vacinas reduzem a probabilidade de o vírus se manifestar e de o paciente desenvolver as formas graves das doenças. No caso da dengue, porém, o imunizante disponível ainda está restrito ao sistema privado e é limitado: só pode ser aplicado em quem já teve a doença.

Justamente no momento em que a crença na ciência e na medicina se faz mais necessária, o cantor diz observar um movimento contrário. “Vejo uma campanha contra algumas coisas que comprovadamente dão certo no Brasil, como as grandes campanhas de vacinação.”

“No quesito vacina, somos quase uma potência. A capilaridade do SUS [Sistema Único de Saúde], que faz com que a vacina chegue a toda a população de um país continental, é surpreendente”, avalia.

Dinho diz observar dois causadores do problema: a desinformação, potencializada nas redes sociais, e a ausência do Estado. “Campanhas em massa são fundamentais. O Estado tem que estar presente para ser ouvido. A informação precisa estar mais visível.”

Os comentários foram feitos durante webinar realizado pelo jornal Folha de S.Paulo na tarde de terça-feira (12), com apoio da Sanofi Pasteur, para debater a importância da adesão à vacina contra a gripe durante a pandemia de coronavírus.

Os especialistas que dividiram a conversa com o cantor chancelaram suas avaliações. O papel do poder público nas campanhas de conscientização sobre as vacinas está muito aquém do que deveria, disseram em uníssono.

“O Estado como um todo não tem conseguido fazer uma boa comunicação, que é a chave da vacinação. Enquanto profissionais de saúde, estamos insatisfeitos. Parece que estamos sempre correndo atrás do prejuízo”, relata a enfermeira Núbia Araújo, diretora de imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

O pediatra e infectologista Robério Leite, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), caracteriza o momento como um “apagão das campanhas de vacinação”. “Sentimos falta de uma coordenação central em relação às ações de imunização. É perceptível a ausência de quem deveria dar o norte de uma grande campanha nacional.”

O desafio dobrou de tamanho neste ano, quando a campanha nacional de vacinação contra o vírus influenza, da gripe, –em sua 23ª edição– é realizada ao mesmo tempo que a imunização contra a Covid-19.

A estimativa é aplicar 80 milhões de doses da vacina contra a gripe, com a meta de cobrir 90% do público-alvo. O Instituto Butantan, que faz a Coronavac (contra o coronavírus), é o responsável pela produção do imunizante.

A facilidade com que a população reduz a vigilância de doenças cujos casos diminuem potencializa o desafio, dizem os participantes. Há preocupação de que esse movimento aconteça com a gripe.

Com as medidas de distanciamento social em 2020, o número de casos graves da doença diminuiu. Foram registradas 2.600 internações por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) acarretada pelo vírus influenza e 324 mortes. No ano anterior, 2019, foram 6.700 internações pela síndrome e 1.145 mortes.

A queda no número de internações e óbitos não significa, no entanto, uma diminuição permanente –é comum que o isolamento leve à queda dos casos de doenças de transmissão respiratória, uma vez que os vírus circulam menos, e a volta às aglomerações acarrete em aumento.

“Talvez esse seja um dos principais desafios do campo da imunização: garantir cobertura vacinal de uma sociedade que esquece que só conseguiu superar o desafio de doenças transmissíveis e imunopreveníveis porque investiu na vacinação”, observa Robério Leite, da UFC.

É como se a imunização fosse vítima de si mesma, acrescenta Maisa Kairalla, que preside a comissão de imunização da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. “As pessoas, por não terem mais a doença, não acreditam nela. E convencer o paciente de que ele deve tomar a vacina para não ter uma doença cujos sintomas ele nunca viu de perto é tarefa complicada.”

Com a pandemia de coronavírus ainda em sua pior fase, a imunização contra o vírus influenza, já importante, vira também um mecanismo para não sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde. Em 2019, 36% dos pacientes internados com SRAG por influenza precisaram de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Parte da solução, diz Maisa Kairalla, está concentrada nos médicos, que devem reforçar a importância da imunização a seus pacientes. A saída central, porém, está na melhora da logística de vacinação, ela avalia.

ESCOLAS E ASILOS

Ainda que o SUS esteja distribuído pelo território nacional, a estratégia de visita ao posto de saúde para se vacinar, sozinha, pode não apresentar a devida efetividade, em especial para campanhas periódicas de imunização –diferentes daquelas estruturadas quando há surto de alguma doença.

No caso dos idosos, a geriatra propõe que a imunização também seja feita nas instituições de longa permanência.

Outro mecanismo importante seria estreitar os laços entre saúde e educação, que vêm afrouxando ano a ano.

A vacinação nas escolas, logística que já se mostrou eficaz, agora teria que ser feita por meio da autorização dos responsáveis pelas crianças, que deveriam preencher um formulário de consentimento, explica Núbia Araújo, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
“Os tempos mudaram. Hoje em dia não é tão fluente fazer a vacinação nas escolas sem autorização dos pais.”

Outras estratégias, no entanto, podem ser adotadas. A enfermeira menciona o que vem sendo feito em São Paulo. O estado passou a exigir a apresentação de uma cópia da caderneta de vacinação no início do ano letivo, em escolas públicas e privadas. A ideia é que a equipe escolar possa, com o documento em mãos, orientar melhor os cuidadores sobre a imunização das crianças.

O webinar foi mediado pela jornalista Paula Soprana, repórter da Folha de S.Paulo. O vídeo está disponível em folha.com/vacinagripe.

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