Parecer da Saúde contraindica cloroquina, azitromicina e outra drogas a pacientes internados com Covid

Uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, é defendido publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro

Folhapress Folhapress -
Parecer da Saúde contraindica cloroquina, azitromicina e outra drogas a pacientes internados com Covid
Bolsonaro segurando cloroquina, medicamento sem comprovação de eficácia contra a Covid-19 (Foto: Reprodução)

Julia Chaib e Natália Cancian, do DF – Um documento elaborado pelo Ministério da Saúde após revisão de estudos e diretrizes com especialistas não recomenda o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros, como o remdesivir, para tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19.

O parecer abre espaço para uso de um grupo restrito de medicamentos, como corticoesteróides (caso da dexametasona) e anticoagulantes, mas em casos específicos e conforme orientações.

Chamado de “Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19”, o documento, obtido pela Folha de S.Paulo, começou a ser avaliado na quinta-feira (13) na Conitec, comissão que analisa a inclusão de medicamentos e protocolos de tratamentos no SUS. A comissão atua como órgão consultivo da Saúde para essas decisões.

Agora, a previsão é que ele seja colocado em consulta pública na próxima semana por 10 dias. O uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, é defendido publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro e tem sido alvo da CPI da Covida, no Senado.

O parecer foi feito por um grupo técnico formado na gestão do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e coordenado pelo professor Carlos Carvalho, da USP. No início deste mês, a coluna Painel revelou que o grupo já pretendia não recomendar os remédios em diretriz hospitalar.

Essa é a primeira vez que a Conitec analisa o uso de tratamentos para a Covid e indicações sobre a cloroquina, medicamento que virou alvo de disputa política nos últimos meses.

Até então, o Ministério da Saúde tinha um documento com “orientações” sobre uso de cloroquina e outros medicamentos, elaborado em meio a pressão do presidente Jair Bolsonaro. Esse primeiro documento, porém, não tinha passado pela comissão e era alvo de críticas após estudos apontarem ineficácia.

O parecer, porém, concentra-se apenas no uso hospitalar. Com isso, o Ministério da Saúde ainda não se manifesta sobre outros pontos, como o uso precoce -medida contestada por especialistas e em estudos. Ainda assim, já indica uma posição inicial sobre o remédio.

A partir das contribuições, a comissão do ministério vai emitir uma posição sobre a adoção ou não das diretrizes. Inicialmente, a Conitec deu parecer favorável, mas nova reunião será realizada após a consulta pública.

O documento diz que “não há evidência de benefício” da cloroquina “seja no seu uso de forma isolada ou em associação com outros medicamentos.” A recomendação vale independentemente da via de administração (oral, inalatória ou outras). Pacientes que já usavam cloroquina ou hidroxicloroquina devido a outras condições de saúde (como doenças reumatológicas e malária) devem manter o tratamento.

Além da não recomendação à cloroquina ou hidroxicloroquina a pacientes hospitalizados com Covid, o texto também contraindica o uso de azitromicina em conjunto ou separadamente desses remédios.

A exceção é para casos de presença ou suspeita de infecção bacteriana, quando deve ser usada de acordo com as diretrizes do hospital.

Para elaborar o parecer, o documento da Saúde diz que foram revisadas oito diretrizes nacionais e internacionais para tratamento da Covid-19, além de outros dados sobre a aplicação no contexto brasileiro. Além da cloroquina, a avaliação incluiu corticoesteroides, anticoagulantes, antimicrobianos, tocilizumabe, azitromicina, casirivimabe associada ao imdevimabe, remdesivir, plasma convalescente, ivermectina, colchicina e lopinavir/ritonavir.

Segundo o documento, poucas terapias farmacológicas mostraram-se eficazes na análise para tratamento da Covid-19.

“À exceção de corticoesteroides e do tocilizumabe, ambos em pacientes com uso de oxigênio suplementar, não há outras terapias que mostraram benefício na prevenção de desfechos clinicamente relevantes como mortalidade e evolução para ventilação mecânica”, diz o documento.

O parecer aponta que “algum benefício marginal” pode ser obtido com o uso de remdesivir, “contudo seu alto custo, baixa experiência de uso e incertezas em relação à efetividade não justificam seu uso de rotina”.

O remdesivir foi o primeiro tratamento aprovado pela Anvisa para uso contra Covid no país, mas o parecer inicial negativo na análise da Conitec -que neste caso entra como “sugestão” de que não haja uso- indica que há baixa chance de que ele seja oferecido no SUS.

“Da mesma forma, há incertezas sobre o benefício do uso de anticoagulação terapêutica, que, acrescidos do aumento definido no risco de sangramento, impedem que a mesma seja indicada de rotina, devendo ser utilizado em dose de profilaxia para tromboembolismo venoso”, aponta a diretriz.

Já antibióticos “devem ser utilizados somente na presença ou suspeita de infecção bacteriana associada, não devendo ser utilizado de rotina no paciente com Covid-19”, informa.
Na prática, o documento indica o uso de alguns remédios, como dexametasona e tocilizumabe, em casos específicos, como o de pacientes em uso de oxigênio e diante de orientações. Anticoagulantes também entram na recomendação em alguns casos.

O posicionamento da Saúde em relação à hidroxicloroquina e cloroquina era alvo de expectativa nos últimos dias em meio a CPI da Covid, que tem a insistência do governo no uso do medicamento como um dos focos de análise.

No último ano, dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram o cargo em meio a pressões de Bolsonaro para aumentar a oferta do medicamento.

Um documento que ampliava a indicação do remédio foi divulgado quando o general Eduardo Pazuello estava à frente da pasta. Ao longo dos últimos meses, diversos estudos mostraram que o medicamento era ineficaz para a Covid, mas a pasta manteve as orientações, que não tinham caráter de protocolo técnico.

Em uma das investidas pró-cloroquina, o Ministério da Saúde chegou a lançar um aplicativo chamado “TrateCOV” que indicava o remédio até mesmo para bebês. A plataforma foi retirada do ar após críticas de entidades.

Questionado na CPI, o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, evitou se posicionar sobre o medicamento, alegando que enviaria o protocolo à Conitec e que havia uma “divisão na classe médica”.

Queiroga, porém, não questionou a Conitec especificamente sobre o uso da cloroquina contra a enfermidade de forma geral e menos ainda a respeito do chamado “tratamento precoce”. A pergunta de senadores abrangia também o uso da cloroquina em casos de início da doença.

Embora o documento tenha como foco apenas o uso em pacientes hospitalizados, parte das evidências consultadas para elaboração das diretrizes e citadas no texto aponta ineficácia da cloroquina e hidroxicloroquina também para casos leves. Nenhuma indica o remédio para Covid.

Técnicos do órgão temem sofrer retaliação de integrantes do governo caso sejam instados a responder sobre o uso da cloroquina como tratamento precoce.

Além do trecho sobre medicamentos, as diretrizes para tratamento hospitalar de pacientes com Covid devem ter mais capítulos, entre eles um com orientações para médicos sobre como fazer intubação, por exemplo.

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