França aposta no sucesso do breaking em Paris-2024 e trabalha por legado
Brasil e outros países ainda engatinham para montar um calendário oficial de eventos
A entrada do breaking no programa de Paris-2024 gerou uma corrida mundial para que a dança, em sua versão esportiva, esteja incluída em alguns parâmetros do esporte tradicional a tempo da estreia nos Jogos Olímpicos.
Enquanto o Brasil e outros países ainda engatinham para montar um calendário oficial de eventos e estabelecer critérios de ranking e formação de uma seleção nacional, a França aparenta estar mais adiantada no processo de estruturação do breaking como uma política pública esportiva e cultural.
A ideia de inclusão do breaking em 2024 –não há garantia de continuidade para as edições seguintes– partiu do próprio comitê organizador francês e foi endossada pelo COI, que tem o desejo de rejuvenescer a audiência dos Jogos. A aposta também se baseou numa experiência considerada bem-sucedida com a modalidade nos Jogos da Juventude de Buenos Aires, em 2018.
Em Paris, o breaking terá um espaço icônico de disputa, a Praça da Concórdia, onde será montado um parque urbano que também receberá as competições de skate, ciclismo BMX e basquete 3 x 3.
O primeiro Campeonato Mundial com a chancela olímpica também foi realizado em Paris, no início deste mês, no Teatro do Châtelet. Os b-boys e b-girls (como são chamados os participantes) franceses não foram ao pódio, que teve representantes de Japão, Alemanha, EUA, Canadá e Cazaquistão.
Um olhar para além dos resultados iniciais, porém, mostra um trabalho amplo em desenvolvimento no país. A Federação Francesa de Dança, que já financiava projetos culturais de breaking, nos últimos anos também passou a estender sua atuação para o aspecto esportivo.
Uma comissão criada dentro da federação com nomes ligados historicamente à prática no país se divide em seis áreas de atuação regionais.
Entre os objetivos está a detecção de talentos para formar a seleção francesa, com recebimento de bolsas para que os atletas se dediquem apenas à dança, incentivo à criação de eliminatórias regionais, promoção de atividades em escolas e centros de lazer, além de seminários para formação de professores.
Abdel Mustapha, coordenador nacional do breaking da federação, afirma que a incorporação da dança ao esporte é tratada sob alguns princípios básicos. “Não estamos começando com uma página em branco. Não podemos nos esquecer que muitas coisas já existiam no breaking antes das Olimpíadas. Tudo o que fazemos tem que ser para a nossa comunidade e temos que manter a nossa cultura como sempre, por exemplo, sem impor movimentos ou tipos de roupa nas batalhas.”
Assim como em outros lugares, o breaking começou a se popularizar na França na década de 1980, com a chegada ao país da cultura hip-hop que havia surgido nos EUA nos anos 1970.
“Podemos dizer que tudo começou em 1984, graças à turnê do New York City Breakers”, aponta Pascal Blaise, que atua como coordenador da federação na região de Paris.
Além da presença do grupo pioneiro de b-boys americanos, Blaise cita outros produtos culturais como responsáveis por difundir essa cultura. Entre eles está o filme “La Haine” (1995), que aborda o cotidiano da juventude da periferia de Paris e seus problemas, entre eles os conflitos com a polícia, e possui uma cena clássica da dança.
O “breaking se tornou uma moda entre a juventude, sendo praticado em pontos históricos de Paris, como o Trocadéro e na estação de trem em Châtelet. Todos esses fatores contribuíram para que ele se tornasse popular aqui, mas foi a política de valorização da cultura e da diversidade de imigrantes que fez o breaking virar uma potência”, diz Blaise.
O brasileiro Matheus Barbosa Lopes, conhecido como b-boy Kid Guma, atua com Blaise em um projeto na associação VNR, onde ministra aulas, trabalha num curso de formação de professores e também em espetáculos. No recente Mundial de Paris, ele auxiliou equipes estrangeiras, entre elas a do Brasil.
Lopes enxerga um cenário favorável para viver do breaking na França, seja por meio da cultura, do esporte ou da educação. O momento promissor de recursos financeiros também favorece o desenvolvimento dos dançarinos da modalidade.
“Eles são muito técnicos, mas não têm muita originalidade e ritmo, coisa que os brasileiros têm bastante. Muitos reproduzem movimentos, e o que me interessa no breaking é possibilidade de criar o seu próprio”, diz Kid Guma.
O resultado desse investimento nacional poderá ser visto pelo mundo daqui a dois anos e meio, nas Olimpíadas de Paris. Apesar de a obtenção de medalhas estar entre os objetivos da federação francesa, Blaise não coloca os Jogos Olímpicos como principal ponto final do trabalho.
“Depois de um mês todos vão ter esquecido [do evento]. Eu me importo realmente com construir um legado para as futuras gerações. Por isso procuro aproveitar este momento de luz para proporcionar oficinas nos bairros, cursos mensais, shows e batalhas, além de levar o breaking para o Ministério da Educação e desenvolver as atividades educacionais e sociais através da dança”, afirma.