Para Guedes, turbulência global é oportunidade para o Brasil
"O que era uma maldição virou uma bênção", disse o ministro da economia
O clima no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, com a Guerra na Ucrânia e a crescente inflação, é lúgubre. O ministro Paulo Guedes (Economia), porém, está otimista com a posição do Brasil na crise.
O país, a seu ver, é pouco conectado à cadeia de suprimentos que sofre solavancos planeta afora e ainda tem vantagem por ser grande exportador de commodities, em meio aos riscos de insegurança alimentar e energética.
“O que era uma maldição virou uma bênção”, disse Guedes à reportagem e a outros dois veículos brasileiros nos corredores do Fórum. “O Brasil perdeu 30 anos sem se conectar, mas, com a pandemia, o fato de nós não estarmos integrados faz com que não soframos as disrupturas.”
Com isso, ele contraria as previsões do mercado -e de seu próprio ministério- e diz que o Brasil deve crescer mais de 2% neste ano.
Guedes teve dez reuniões bilaterais com executivos em dois dias, além de dois jantares e um café também com investidores (a agenda prossegue na mesma intensidade por mais dois dias). Segundo ele, são sobretudo empresas interessadas em colocar dinheiro no país -apesar do cenário de turbulências globais e do redesenho geopolítico.
O foco do encontro anual é a Guerra da Ucrânia e seus impactos no fornecimento de alimentos e nos preços dos combustíveis, que pressionam a inflação em boa parte dos países. Esta, por sua vez, força uma alta de juros, que acaba por atravancar o crescimento.
Em documento publicado na segunda-feira (23), economistas ligados ao Fórum pintaram um quadro sombrio que pode empurrar o mundo à beira da recessão e fazer retroceder a globalização.
Para o Brasil, na avaliação de Guedes, isso poderia ser uma vantagem: “O Brasil não rompeu cadeia produtiva alguma e pode redesenhar suas cadeiras produtivas com novos eixos, como energia renovável, semicondutores, tudo que o mundo procura.”
Ele ecoaria as observações durante jantar do Fórum com políticos e executivos da região no qual foram debatidas questões sobre a América Latina. No evento, onde foi aplaudido, ele falou das oportunidades que o Brasil e seus vizinhos oferecem em recursos naturais e defendeu maior integração, ressuscitando a ideia de moeda única com a Argentina.
A opinião de Guedes sobre o país é compartilhada por economistas do setor privado. Mário Mesquita, do Itaú Unibanco, vê a posição do país também como vantajosa.
“Esta conferência está sendo marcada pela guerra e pela geopolítica”, afirmou. “Num ambiente mundial complicado, com possibilidade de desaceleração mais intensa da economia global, o Brasil é visto como uma economia bem relacionada porque é um exportador de commodities, de alimento.”
Mesquita e outros economistas ouvidos pela reportagem enfatizam uma tendência ao “safe shoring” e ao “friend shoring”: diante das turbulências geopolíticas, os países têm preferido fazer negócios com nações mais próximas e amigas.
Assim, Guedes tenta, no Fórum, vender o Brasil como opção à Europa e aos Estados Unidos (“estamos pertinho e somos amigos”, brinca). Mas sem dar as costas à China, frisou. “Os chineses e os americanos tiveram uma sinergia que durou 30 anos, aí a China cresceu e eles começaram a brigar. Nós vamos dançar com os dois.”
Os planos, contudo, podem tropeçar na divisão dos governos ocidentais em países contra e a favor da Rússia.
Segundo o ministro, há pressão sobretudo na Europa para que o país, tradicionalmente neutro, tome um lado.
Até agora, o país condenou as “hostilidades”, mas não Moscou. O governo russo, que costuma ser um peso-pesado em Davos, foi excluído do evento deste ano, francamente pró-Ucrânia.
A cobrança em outro tema no qual o Brasil vinha sendo criticado, o ambiente, teria arrefecido após a troca do ministro Ricardo Salles por Joaquim Leite, afirma o ministro, que agora vê chances mais concretas de o país passar a integrar a OCDE, organização que congrega os países ricos.
Guedes diz que o país tem sido visto como “muito mais construtivo no debate”, e as críticas se dissiparam. Essa realidade não se refletiu no Fórum, onde o Brasil não participa das principais discussões sobre preservação ambiental e crise climática, um dos temas do ano.
No jantar, chegou a dizer que os europeus não podiam questionar os países da região amazônica pelas queimadas na floresta, e comparou a devastação do bioma com o incêndio na Catedral de Notre Dame, em Paris, em 2019, dizendo que se era difícil cuidar de um quarteirão, “imagine de uma área do tamanho da Amazônia”.