Cada R$ 1 emprestado por BNDES só gerou até R$ 0,25 em investimentos, diz estudo
Para chegar aos resultados, eles partiram de uma base de dados com 1.872 empresas, das quais 653 realizaram operações com o BNDES entre 2011 e 2020
A política de campeões nacionais praticada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) durante governos anteriores do PT despejou recursos para grandes empresas brasileiras, mas não resultou em aumento dos investimentos na mesma proporção, afirma relatório produzido pelo CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas).
Segundo o estudo, a cada R$ 1 aplicado em empréstimos e subsídios, apenas R$ 0,12 a R$ 0,25 viraram investimentos adicionais. O valor muda conforme a metodologia empregada, mas a conclusão é uma só: o resultado, embora positivo, é considerado pouco eficaz.
O CMAP é um órgão criado em 2019 que reúne diferentes instâncias de governo na tarefa de avaliar os critérios e resultados de políticas públicas, com eventuais recomendações de aprimoramento.
A análise sobre os empréstimos do BNDES contém 104 páginas e foi coordenada pelo Tesouro Nacional, supervisionada pela Secap (Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria) do Ministério da Economia, com participação da CGU (Controladoria-Geral da União).
O estudo contou ainda com consultoria externa dos pesquisadores Lívio Ribeiro e Vinicius Botelho, sócios da BRCG. Para chegar aos resultados, eles partiram de uma base de dados com 1.872 empresas, das quais 653 realizaram operações com o BNDES entre 2011 e 2020 –representando entre 12% e 33% dos desembolsos anuais.
A avaliação dos técnicos é de que a contribuição positiva da atuação do banco sobre os investimentos, ainda que pequena, veio da ampliação da oferta de crédito, que se deu num momento em que a crise financeira impunha maior dificuldade às empresas para acessar fontes de financiamento. Já os subsídios tiveram papel pouco relevante.
A partir desse diagnóstico, o conselho indica a possibilidade de incrementar a eficiência das operações do banco de fomento, com redução de subsídios, fixação de objetivos e metas e adequação do tamanho dos empréstimos para alcançar empresas que realmente sofrem significativa restrição de crédito –principalmente pequenas e médias companhias.
As conclusões vão na mesma direção de apontamentos já feitos no passado por economistas críticos do uso do BNDES para turbinar os financiamentos subsidiados a grandes empresas sem critérios claros.
Entre 2008 e 2014, foram concedidos R$ 440,8 bilhões em empréstimos (ou R$ 738,9 bilhões em valores atualizados até o início de 2022).
As operações deixaram uma conta de R$ 89,6 bilhões em subsídios explícitos –quanto o governo anunciou que pagaria para reduzir a taxa de juros– entre 2009 e 2021, também em cifras atualizadas.
No mesmo período, o governo também precisou arcar com uma fatura de R$ 213,29 bilhões em subsídios implícitos, que refletem a diferença entre a taxa cobrada nos empréstimos e o quanto o próprio Tesouro paga a seus investidores para se financiar no mercado. Esse subsídio existe porque a União se endividou mais para conseguir ampliar o poder de fogo do BNDES.
Procurado, o banco de fomento enviou um relatório de 60 páginas produzido pela instituição em resposta ao CMAP. No documento, o BNDES contesta os resultados da análise e afirma que a amostra de empresas selecionadas pelos pesquisadores se concentra nas grandes companhias, influenciando os achados de forma indevida (o chamado “viés” no resultado). Segundo o banco, os efeitos da política de crédito da instituição acabaram “subestimados”.
“O estudo extrai conclusões que não podem ser generalizadas para a totalidade do apoio do BNDES no período”, disse.
O tema ganha relevância no momento em que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), demonstra querer fortalecer novamente o banco de fomento, que será presidido pelo ex-ministro Aloizio Mercadante –também favorável a um maior papel do Estado na indução do crescimento econômico.
A promessa de campanha do time de Lula é focar o banco na concessão de crédito para micro e pequenas empresas. Mas há o temor no mercado de que sejam retomadas as práticas antigas.
Em uma tentativa de diminuir resistências a seu nome, Mercadante anunciou para as diretorias do banco um elenco recheado de nomes ligados ao mercado e ao mundo empresarial. Na ocasião, ele afirmou que sua gestão não será uma volta ao passado.
“Não vamos trazer o BNDES do passado, nós estamos construindo o BNDES do futuro. Não tem espaço fiscal no Orçamento para financiar o BNDES, nós temos que buscar novas fontes de financiamento”, disse Mercadante nesta quarta-feira (21).
Procurado por meio de sua assessoria, o futuro presidente da instituição informou que só poderá comentar ações do banco após ser empossado no cargo.
O relatório do CMAP indica que a antiga política do banco de fomento foi praticada sem critérios ou definição de público-alvo para otimizar o uso dos recursos, que acabaram sendo liberados conforme a demanda e absorvidos pelas companhias majoritariamente como fonte substituta de outros financiamentos a que elas já teriam acesso.
“Exceto em casos pontuais, os normativos não dispuseram sobre a concessão do crédito cuja fonte de recursos fosse o Tesouro Nacional, de sorte que a decisão sobre a destinação dos recursos ficou a cargo do BNDES, que se utilizou majoritariamente de programas, produtos e linhas de financiamento já disponíveis”, diz o documento.
“A ausência de um diagnóstico sólido prejudica a execução consistente e adequada da política pública, uma vez que não foram definidos os resultados a serem alcançados nem a forma de atuação dos agentes públicos.”
O efeito esperado pelo governo, de alavancar os investimentos no PIB (Produto Interno Bruto), ficou concentrado nos primeiros dois anos. Nos períodos seguintes, não houve impulso adicional aos investimentos, e as operações acabaram contribuindo principalmente para melhorar o caixa das empresas por meio da substituição de dívidas de curto prazo por compromissos de vencimento mais longo.
“As evidências produzidas indicam que os subsídios não tiveram repercussão significativa sobre os investimentos realizados pelas empresas, mas sim sobre sua estrutura de financiamento, com alongamento de prazo dos passivos”, afirma o relatório.
“Esse padrão sugere que os efeitos da política sobre investimentos e, possivelmente, sobre a atividade tendem a ter duração limitada, sobretudo quando a política se concentra em empresas de maior porte, como refletido na amostra avaliada. Dessa forma, é pouco recomendável que políticas dessa natureza se estendam por longos períodos, especialmente se a atuação anticíclica [para atenuar efeitos negativos de uma desaceleração econômica, por exemplo] compõe seus objetivos.”
Em sua resposta, o BNDES afirmou que atua como “executor das políticas públicas definidas pelo governo federal” e que a prorrogação ou não das medidas foge das atribuições do banco. “As recomendações oriundas deste achado foram encaminhadas ao Ministério da Economia, em linha com a visão apresentada, a fim de que fortaleça os mecanismos de avaliação das políticas públicas para condicionarem sua realização ou continuidade”, disse.
Uma das recomendações do CMAP é justamente não repassar recursos públicos para operacionalização pelo BNDES sem descrição de metas e objetivos a serem perseguidos, ou sem definição do público-alvo que se pretende alcançar.
O relatório também apontou a ausência de um controle mais assíduo dos contratos, principalmente aqueles operados por outros agentes financeiros. O monitoramento era realizado por amostragem, definida por sorteio e sem levar em conta o risco dos contratos, ou por demanda específica.
Além disso, o BNDES não exigiu a apresentação dos relatórios de desempenho dos beneficiários. Para se ter uma ideia, em uma das operações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), foram liberados R$ 6,56 bilhões sem que houvesse exigência de comprovação de execução das obras. O acompanhamento era feito “por mera comprovação de transferência dos recursos para as contas correntes específicas dos beneficiários finais (Estados), em periodicidade trimestral”.