Estudante que vendeu algodão doce para passar em medicina na UFJ ouviu que ‘pobre não pode ser médico’

Colega de sala tentou matar sonho de Aluísio Gustavo Mendanha, que passou a esconder

Isabella Valverde Isabella Valverde -
Estudante que vendeu algodão doce para passar em medicina na UFJ ouviu que ‘pobre não pode ser médico’
Aluísio Gustavo Miranda da Silva, de 40 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Vindo de uma família simples e com uma inspiradora história de vida, Aluísio Gustavo Miranda da Silva, de 40 anos, foi aprovado para medicina na Universidade Federal de Jataí (UFJ) após nove anos firme nos estudos para a realização desse grande sonho.

Com cinco irmãos, o obstinado estudante contou ao Portal 6 que é filho de uma empregada doméstica e um eletricista, que nunca tiveram condições de ter estudos.

Mas, como a vida costuma sempre dar um jeito em tudo, a genitora trabalhava duro após a separação para que conseguisse sustentar da melhor forma possível Aluísio e os irmãos.

“Eu sempre estudei em escola pública. Quando eu era criança, eu lembro que a minha mãe saia para trabalhar 07h da manhã e só voltava 19h da noite do outro dia. Ela trabalhava 36h e folgava 12h para cuidar de nós filhos”, contou.

A vontade de realizar o curso de medicina já acompanhava Aluísio desde quando ainda cursava o ensino médio em Aparecida de Goiânia, quando um colega chegou a até mesmo “zombar” da escolha do estudante, afirmando que ele não teria dinheiro para bancar as despesas necessárias.

“Eu iniciei o meu ensino médio no Colégio Estadual Cruzeiro do Sul, em Aparecida de Goiânia. Quando eu estava fazendo o meu terceiro ano, eu lembro que a turma mandou fazer as camisetas e eu estampei na minha que eu queria fazer medicina”, revelou.

“Infelizmente, naquela época as pessoas achavam que fazer piadinha era uma coisa normal, e teve um aluno da escola que tinha um pouco mais de condições que fez piada comigo, ‘como que um pobre poderia imaginar que seria médico’. Isso me feriu profundamente e eu nunca mais falei de medicina com ninguém”, completou.

Neste momento, o estudante acabou desistindo do maior sonho e por influência de um professor e também pelo amor que sentia pelos animais, acabou decidindo que iria reforçar ainda mais os estudos para que conseguisse passar no vestibular para veterinária, curso que seria até mesmo mais acessível.

“Eu sempre criei animais, sempre criei cachorros e sempre gostei muito de animais. Durante o terceiro ano, eu tive também um professor que fazia veterinária na UFG. Aí, por influência dele, pelo meu contato com animais e pela minha realidade financeira que eu sabia que estava muito longe de sonhar com medicina, eu decidi estudar para fazer veterinária”, afirmou.

Assim, desde 2003 Aluísio passou por diversos cursinhos particulares para que pudesse ter uma base de ensino mais forte para conseguir aprovação. Inclusive, quando não estava fazendo prova, ele vendia materiais escolares na porta dos pontos de prova para levantar dinheiro.

Ao longo da jornada, ele contou com a ajuda, inclusive financeira, de diversos professores que incentivavam a realização do grande desejo do estudante de realizar uma faculdade.

Mesmo diante de inúmeras dificuldades, Aluísio não desistiu dos estudos e continuou batalhando vendendo brinquedos e algodão doce, chegando até mesmo a trabalhar no famoso Ita Center Park, local em que encontrou um antigo professor e conquistou um novo auxílio para seguir estudando, assim como um importante incentivo.

Aluísio trabalhou como vendedor para que pudesse se sustentar. (Foto: Arquivo Pessoal)

No segundo semestre de 2005, com a contribuição de incentivadores, o estudante conseguiu fazer um vestibular para veterinário no Tocantins e outro na UFG. Pouco tempo depois, ele foi surpreendido com a notícia de que havia passado em ambos.

“Nesse dia eu estava trabalhando no Ita e lembro que meus colegas falaram que parecia que eu tinha ficado louco correndo pelo estacionamento gritando ‘eu passei, eu passei’ e foi uma sensação muito boa”, relembrou de quando recebeu a notícia da aprovação na Federal do Tocantins.

Em 2019, ainda com o sonho aceso em cursar medicina, Aluísio buscou por um cursinho de redação e foi pedir por uma bolsa para que pudesse continuar lutando pelos estudos.

Após contar a história, o estudante ficou dois anos estudando, conquistou uma nova bolsa para uma específica de redação. Com a oportunidade, ele realizou as aulas durante 2022 inteiro e agora, enfim conseguiu realizar o grande sonho de passar para medicina.

Orgulhoso da vitória do aluno, o coordenador pedagógico da específica de redação, Beto Ferreira, revelou ao Portal 6 o quão honrado se sente em fazer parte da história de luta de Aluísio.

“A aprovação do Aluísio, para mim, é a materialização da persistência de um homem que teve coragem de sonhar. A história dele como aluno foge muito do padrão que encontramos nos vestibulares. Além das deficitárias condições de subsistência, ele teve que enfrentar muitos desafios para conseguir ter a oportunidade de estudar. E o mais incrível é que ele fez isso, incessantemente, por 9 anos e só parou quando conseguiu”, apontou o professor.

“Eu me sinto muito honrado por fazer parte dessa história, por ele ter me escolhido como professor e por ter tido a condição de ajudá-lo”, complementou.

Aluísio ainda revelou que toda essa vitória ele deve também a mulher e ao filho, que sempre o apoiaram e estiveram ao lado dele durante todo o período de luta.

Você tem WhatsApp ou Telegram? É só entrar em um dos grupos do Portal 6 para receber, em primeira mão, nossas principais notícias e reportagens. Basta clicar aqui e escolher.

PublicidadePublicidade