Estudo associa obesidade de garotos a risco de infertilidade
Pesquisa avalia relação do sobrepeso com menor volume testicular e reforça a conclusão de outros trabalhos
ANA BOTTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo encontrou uma associação entre obesidade e sobrepeso na infância e um menor desenvolvimento dos testículos após a puberdade, com risco para infertilidade.
De acordo com a pesquisa, houve também uma associação entre a hiperinsulinemia (quantidade elevada de insulina no sangue) e o baixo volume testicular. O sobrepeso e a chamada resistência insulínica são dois indicadores da síndrome metabólica, que é um fator de risco para desenvolvimento de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Assim, os cientistas relatam uma preocupação com o crescimento das taxas de obesidade e sobrepeso em crianças e adolescentes, podendo levar não só ao aparecimento dessas condições mas também a um possível risco de infertilidade na vida adulta.
Segundo o Atlas Mundial da Obesidade, até 2035 o índice de crianças vivendo com obesidade deve saltar de 10% a 20% no caso dos meninos e de 8% a 18% no caso das meninas. No Brasil, estima-se que 1 em 3 meninos tenha o diagnóstico de obesidade no mesmo período.
A pesquisa foi publicada nesta quarta-feira (10) na revista especializada European Journal of Endocrinology e foi conduzida por cientistas da Universidade de Catânia, na Itália.
Para avaliar a relação da obesidade e sobrepeso com o risco de esterilidade, os cientistas analisaram 268 crianças e adolescentes de 2 a 18 anos. As crianças tiveram o IMC (índice de massa corpórea) medido, assim como o volume testicular (indicando o desenvolvimento da glândula), diagnóstico prévio de diabetes, taxas de glicemia e insulina circulantes no sangue após jejum e hemoglobina glicada.
Como o maior desenvolvimento das glândulas que produzem as células reprodutivas masculinas ocorre na puberdade, os pesquisadores dividiram os participantes em três grupos: com menos de 9 anos (pré-puberdade), de 9 a 14 anos (peripuberdade) e de 14 a 16 anos (pós-puberdade).
No total, 206 crianças tinham algum estágio de sobrepeso e obesidade, sendo 73 classificadas como obesidade grave, e 62 apresentavam o peso normal e serviram de controle no estudo. As crianças de 9 a 14 anos obesas ou com sobrepeso tiveram um volume testicular cerca de 1,5 vezes menor do que aquelas com peso normal. Não houve diferença nas crianças com menos de 9 anos.
Já na fase pós-puberdade, isto é, de 14 a 16, o sobrepeso e obesidade tiveram uma associação pequena com o menor volume testicular, mas ao considerar a hiperinsulinemia, os adolescentes nessa faixa com resistência à insulina apresentavam um volume testicular equivalente a uma redução de 1,5 a 2 vezes em comparação aos indivíduos saudáveis. O mesmo foi observado na faixa de 9 a 14 anos.
Como o número de crianças e adolescentes com diagnóstico prévio de diabetes tipo 2 era muito reduzido no estudo (n=3), tal condição não esteve associada ao menor volume das glândulas testiculares.
Em uma segunda parte da pesquisa, os cientistas avaliaram o desenvolvimento testicular com base na classificação Tanner de estadiamento reprodutivo. Os estágios vão de 1 a 5 e indicam também o desenvolvimento de pelos pubianos e de outras características sexuais secundárias (como, no caso das meninas, as glândulas mamárias), que normalmente surgem na puberdade.
Os estágios 3, 4 e 5 são considerados como fases peri e pós-puberdade. Um menor volume testicular em indivíduos com 12 a 16 anos indicaria um efeito direto da obesidade e sobrepeso no amadurecimento sexual dos meninos. A análise não foi estatisticamente significativa para as crianças com menos de 9 anos, mas na faixa de 9 a 16 o volume testicular nos estágios 2 a 5 foi muito menor nos indivíduos com sobrepeso e obesidade comparados aos dentro do peso adequado.
Em relação à resistência insulínica, os adolescentes com esse quadro tiveram um volume testicular muito menor em comparação aos que não tinham hiperinsulinemia.
O estudo possui algumas limitações, como o fato de não ter observado os volumes testiculares em jovens com mais de 17 anos e não ter feito um comparativo com adultos (a pesquisa era do tipo retrospectiva, com a análise dos dados que foram coletados no passado, sem acompanhamento dos participantes).
Portanto, não é possível confirmar com segurança se o menor volume testicular pode levar à infertilidade na vida adulta, mas dados de algumas outras pesquisas sugerem que sim.
O QUE DIZEM OUTROS ESTUDOS
De acordo com um estudo australiano com jovens de 17 a 20 anos com a doença de gordura no fígado não alcoólica (chamada Nafld, na sigla em inglês), a condição esteve associada a uma redução de 50% na contagem de esperma.
Outra pesquisa com 80 crianças na Finlândia avaliou a obesidade e o desenvolvimento celular dos testículos. Como resultado, nas crianças com obesidade havia uma redução na liberação de um hormônio associado com a replicação de células germinativas nos testículos, indicando uma possível redução da capacidade fértil em adolescentes obesos.
Uma pesquisa global divulgada no ano passado mostra que a contagem de espermatozoides em todo o mundo está em queda nas últimas três décadas em todo o mundo, passando de 83 milhões por ml, em 1973, para 57 milhões por ml em 2018.
Por fim, os autores destacam um levantamento feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) de como 1 em cada 6 pessoas (17,5%) pode ser afetada pela infertilidade mundialmente. Alguns fatores associados são o modo de vida (por exemplo, tabagismo, sedentarismo, consumo abusivo de álcool e alimentos ultraprocessados), exposição a substâncias externas (como metais pesados e outras substâncias químicas) e presença de comorbidades.