Putin promete grãos de graça à África em ofensiva para melhorar imagem da Rússia

Líder russo usa medida como forma de demonstrar que tem aliados, apesar do isolamento no Ocidente

Folhapress Folhapress -
Vladimir Putin, presidente da Rússia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
Vladimir Putin, presidente da Rússia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio ao temor de uma nova disparada no preço dos alimentos como consequência da Guerra da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu nesta quinta-feira (27) abastecer países da África com milhares de toneladas de grãos.

A Rússia, disse o líder, ainda arcará com o custo do transporte.

Putin anunciou as doações na abertura de uma cúpula em São Petersburgo com a participação de líderes africanos.

Trata-se de um esforço do chefe do Kremlin para demonstrar que tem aliados, apesar do isolamento no Ocidente em razão da ofensiva que promove no país vizinho e da tensão devido ao fim do acordo de exportação de grãos pelo mar Negro, que impacta principalmente a África.

O pacto, em parceria com a ONU e a Turquia, assegurava o trânsito das exportações ucranianas.

Mas a Rússia deixou o trato no último dia 17 sob a justificativa de que a contrapartida ao arranjo não estava sendo respeitada – o Kremlin exige a facilitação para a exportação de grãos e fertilizantes russos apesar dos embargos internacionais que afastaram grandes seguradoras de navios com produtos de Moscou.

Em um ano, o acordo possibilitou o transporte de quase 33 milhões de toneladas de cereais dos portos ucranianos, principalmente milho e trigo, o que ajudou a evitar o risco de desabastecimento.

Com o fim do pacto, o preço global dos alimentos deve subir de 10% a 15%, segundo projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional). Países da África são os que mais dependem da importação de grãos da Ucrânia.

“Nos próximos meses, podemos garantir embarques gratuitos de 25 mil a 50 mil toneladas de grãos para Burkina Faso, Zimbábue, Mali, Somália, República Centro-Africana e Eritreia”, disse Putin em discurso transmitido na televisão russa, sem entrar em detalhes ou estabelecer uma data para o início da ação.

Em 2022, a Rússia exportou 60 milhões de toneladas de grãos, das quais 48 milhões eram trigo, afirmou Putin.

O russo disse ainda que o país deve registrar uma safra recorde neste ano, colocando-se como substituto das exportações ucranianas. “Também forneceremos entrega gratuita desses produtos.”

O Ocidente acusa Putin de usar os alimentos como arma no conflito do Leste Europeu. A

s críticas foram reiteradas pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, nesta quinta, para quem os líderes africanos devem exigir respostas à crise dos grãos, algo que impacta sobretudo os países mais pobres.

“Eles sabem exatamente quem é o responsável pela situação atual. Espero que a Rússia ouça a mensagem de seus parceiros africanos”, disse ele durante visita à Nova Zelândia.

Putin, por sua vez, chama as acusações de hipócritas. Segundo o russo, 70% dos grãos ucranianos foram exportados para países de renda alta ou acima da média global, inclusive Estados-membros da União Europeia, e países mais pobres, como o Sudão, foram prejudicados ao receberem poucas remessas.

“Está surgindo um quadro paradoxal. Por um lado, os países ocidentais estão obstruindo o fornecimento de nossos grãos e fertilizantes, enquanto, por outro, eles nos culpam hipocritamente pela atual situação de crise no mercado mundial de alimentos”, afirmou o chefe do Kremlin no encontro.

A cúpula Rússia-África é vista como uma oportunidade para Putin, mas o contexto é adverso.

De acordo com seu assessor Iuri Uchakov, à agência RIA Novosti na terça (25), apenas 17 dos 54 líderes africanos membros da ONU participariam do evento, que ocorre nesta quinta e na sexta (28). Na primeira edição da cúpula, em 2019, antes da guerra, 43 líderes foram a Sochi.

Putin já se reuniu na quarta (26) com o premiê etíope, Abiy Ahmed, e seu homólogo egípcio, Abdel Fatah al Sisi.

O russo destacou os projetos comuns de energia e disse que os líderes da cúpula trabalham numa declaração final que “estabeleça abordagens coordenadas para o desenvolvimento da cooperação russo-africana”.

“Hoje, a aliança construtiva, confiante e voltada para o futuro entre a Rússia e a África é significativa e importante”, escreveu Putin em um artigo.

Ao longo dos últimos anos, o presidente russo tentou estreitar os laços diplomáticos com a África com a presença do grupo paramilitar Wagner em diversas nações do continente, em especial aqueles do Sahel.

Mas a rebelião fracassada contra Moscou empreendida pela organização liderada por Ievguêni Prigojin no mês passado colocou em dúvida o futuro das operações no continente.

Em perfis de pessoas ligadas ao Wagner nas redes sociais, circula a informação – não confirmada de forma oficial –  de que Prigojin teria participado da cúpula com os africanos.

A possibilidade foi ventilada após um perfil atribuído a Dmitri Siti, sua espécie de mão direita e figura central das operações do grupo na República Centro-Africana, publicar uma foto de Prigojin com essa afirmação.

Na imagem, o “chef de Putin”, como o líder mercenário é conhecido, aparece ao lado de Freddy Mapouka, figura do alto escalão do regime da RCA.

Na legenda: “O embaixador compartilhou comigo as primeiras fotos da cúpula Rússia-África, e vemos alguns rostos familiares”.

A crise dos grãos também foi abordada pelo presidente da Ucrânia em entrevista exibida na noite desta quarta na GloboNews.

Volodimir Zelenski voltou a criticar a decisão de Moscou de romper com o acordo e disse que um “caos social” pode surgir em função da falta de alimentos.

Ele também afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode atuar para ajudar a Ucrânia e outros países afetados pela situação – em especial os da África.

Zelenski voltou a pedir o apoio do petista e propôs uma reunião no Brasil com líderes da América Latina para discutir a guerra no Leste Europeu.

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