Alcance e capacitação profissional são desafios do SUS para tratamento de autismo

Na rede pública de saúde da capital paulista, a procura pelo tratamento de TEA é cada vez maior

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Maria Lara Oliveira de Almeida, 4, em atendimento com psicóloga e fonoaudióloga; a menina foi diagnosticada com autismo aos 2 anos e faz tratamento pelo SUS. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)
Maria Lara Oliveira de Almeida, 4, em atendimento com psicóloga e fonoaudióloga; a menina foi diagnosticada com autismo aos 2 anos e faz tratamento pelo SUS. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)

LEONARDO ZVARICK

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na sala de estimulação sensorial, equipada com piscina de bolinha, rede e pula pula, a pequena Lara de Almeida, 4, é acompanhada por uma psicóloga e uma fonoaudióloga. A sessão terapêutica mais parece uma brincadeira, mas a mãe da menina atesta os resultados do tratamento, iniciado há dois anos, quando ela foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista).

“Depois que eu trouxe ela para cá, ela começou a se desenvolver. Antes era muito agitada, não conseguia fazer uma atividade ou parar para almoçar”, conta Leonice de Almeida, 43, que tem mais uma filha autista, Liana, de 9 anos.

As duas meninas são atendidas semanalmente no CER (Centro Especializado de Reabilitação) Milton Aldred, equipamento do SUS (Sistema Único de Saúde) localizado na zona sul de São Paulo. “Minha filha mais velha também melhorou muito, já está lendo e quase alfabetizada”, comemora a mãe.

Cerca de 300 pessoas com autismo -entre adultos e crianças- fazem tratamento contínuo na unidade de saúde, que atende pacientes na região do Grajaú, distrito mais populoso da cidade.

O equipamento oferece diferentes tipos de reabilitação: física, visual, auditiva e intelectual. Dentro dessa última modalidade, hoje, a maioria dos pacientes é autista. “A gente tem pacientes novos entrando todos os meses no serviço. Trabalhamos sempre com 100% da ocupação das vagas”, afirma a gerente do CER, Karine Cristina Castão.

A alta demanda está diretamente relacionada à maior conscientização sobre o tema e também a mudanças na compreensão sobre o que é autismo pela comunidade médica. Hoje, o transtorno é entendido como um espectro, com diferentes níveis de gravidade e suportes necessários, e que pode ou não estar atrelado a deficiência intelectual.

Na rede pública de saúde da capital paulista, a procura pelo tratamento de TEA é cada vez maior. No ano passado, o sistema registrou quase 130 mil atendimentos, alta de 384% na comparação com 2019 (26.521).

A terapia multidisciplinar é oferecida nos CERs e nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial) infantis e adultos. Enquanto o primeiro oferece diversas modalidades de reabilitação, o atendimento no Caps é direcionado a pacientes com deficiência intelectual mais grave e sofrimento psíquico -justamente por isso, o serviço funciona de portas abertas.

“Nenhum serviço consegue cuidar sozinho dessas pessoas. A gente precisa trabalhar em rede e se articular, principalmente, com a atenção básica”, acrescenta Castão. Além de porta de entrada, as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) são responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes depois que eles recebem alta.

Lançada em 2022, a linha de cuidado do município para TEA preconiza o diagnóstico a partir de uma equipe multiprofissional e o tratamento individualizado, com olhar para as particularidades de cada paciente. “A gente tem pacientes que se desenvolvem muito rapidamente, mas tem outros que precisam de um longo tempo de terapia e de muito estímulo para conseguir se desenvolver”, disse Castão.

O programa terapêutico elaborado por médicos e outros profissionais especializados é chamado PTS (Projeto Terapêutico Singular) e estabelece objetivos para o desenvolvimento em diversas áreas, como fala, interação social e habilidades motoras. O tratamento pode incluir sessões com psicólogo, terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia, incluindo atividades em grupo. Na maioria dos casos, os pacientes fazem de uma a duas sessões semanais.

A diretriz municipal também destaca a importância da estimulação precoce das crianças, mas não estabelece abordagens ou técnicas terapêuticas específicas.

Segundo fonoaudióloga Lígia Maria Brunetto Borgianni, assessora técnica da SMS (Secretaria Municipal de Saúde), cabe ao médico definir, a partir de sua formação e dos recursos disponíveis, a melhor abordagem. A linha de cuidado do Ministério da Saúde também não orienta métodos terapêuticos específicos.

Esta lacuna é alvo de críticas por especialistas consultadas pela reportagem. “Esses pacientes são atendidos não necessariamente na linha que a gente preconiza para o autismo, que são as intervenções comportamentais”, avalia a neuropsicóloga Joana Portolese, coordenadora do Ambulatório de Autismo do Hospital das Clínicas, serviço que oferece diagnóstico e encaminhamento médico gratuito para TEA. Ela afirma que a maioria dos pacientes que atende não tem plano de saúde e depende unicamente do SUS.

“A assistência no país acaba sendo muito irregular, já que o tratamento varia dependendo da formação do médico”, afirma Cristiane de Paula, coordenadora de pós-graduação em psicologia na Universidade Mackenzie.

Para as duas especialistas, que já desenvolveram estudos sobre o tratamento de autismo no SUS, a capacitação dos profissionais em metodologias baseadas em evidências e a ampliação da rede de atendimento estão entre os principais desafios do sistema público de saúde, que é marcado por desigualdades regionais.

Em 2022, De Paula analisou o acesso a serviços de saúde por cerca de 900 famílias brasileiras com crianças autistas, e identificou maior concentração de equipamentos no Sudeste e em capitais. “O estudo mostrou que 25% das famílias têm que andar mais de 100 km para obter o diagnóstico. Na região Norte, sobe para 40%”, diz ela, que defende modelo com centros de referência regionais.

Procurada, a Federação Nacional das Apaes (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) reafirmou a existência de desigualdades regionais nos serviços de atendimento. “Em grande parte da rede Apae, identificamos demanda reprimida e considerável fila de espera para os atendimentos a pessoas com TEA”, afirma Eduardo Mesquita, coordenador de saúde da entidade.

Questionada, a Prefeitura de São Paulo disse que dois novos CERs e cinco novos Caps foram implantados desde 2020, e que novos profissionais serão contratados com repasses do Ministério da Saúde.

Em outubro passado, o Ministério da Saúde anunciou repasse de R$ 540 milhões a estados e municípios para ampliação e qualificação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. Unidades CER que atendem pacientes autistas receberão incremento de 20% no orçamento.

Atualmente, o país tem 301 CERs e 300 Caps infantojuvenis. O novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) prevê recursos para construção de novas unidades.

Procurado, o Governo de São Paulo disse que tem projeto para a criação de Centros de Referência e Atendimento Especializado às Pessoas com TEA. “O objetivo é que todas as regiões do estado sejam contempladas”, diz nota da Secretaria de Estado da Saúde.

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