Mansões vazias motivam disputa que pode liberar condomínios nos Jardins

São diversos os motivos para que casarões nos bairros ajardinados da zona oeste da capital estejam menos atrativos para a elite paulistana

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Mansões vazias motivam disputa que pode liberar condomínios nos Jardins
São Paulo, maior cidade do Brasil. (Foto: Captura/Youtube)

CLAYTON CASTELANI E MARIANA ZYLBERKAN – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Do gramado da mansão onde mora há mais de sete décadas, Chiquinho Scarpa, 73, aponta para uma das janelas no primeiro andar para mostrar um dos únicos cômodos ainda habitados.

“Eu fico só no escritório e no quarto. Não faz mais sentido eu morar aqui sozinho”, diz diante da bandeira hasteada com o brasão da família de frente para a rua Estados Unidos, no Jardim América, zona oeste de São Paulo.

Atrás dele, a sala principal está vazia, sem móveis, o que chama ainda mais atenção para as paredes ornadas com madeira de lei do século 12, tapeçarias francesas e ornamentos dourados. Ao lado, a sala de jantar também está desocupada, assim como a biblioteca.

“Antigamente, as famílias eram numerosas e muito ricas, compravam terrenos grandes. Hoje mudou, os filhos não moram mais com os pais”, diz o herdeiro que lembra ter convivido com até 16 empregados na mansão.

Mudanças na forma de morar, redução no tamanho das famílias, perda de fôlego financeiro, temor da violência urbana. São diversos os motivos para que casarões nos bairros ajardinados da zona oeste da capital estejam menos atrativos para a elite paulistana.

Com pouco mercado para suas mansões, dezenas de herdeiros anseiam por mudanças em leis que impedem a adequação de seus bens ao gosto de potenciais compradores de imóveis de alto padrão. Atualmente, esse grupo segue em busca de casas grandes, mas menores do que palacetes, e dentro de condomínios com segurança privada e outros serviços compartilhados.

Principal empecilho para essa transformação, as regras de preservação dos Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano poderão ser redefinidas após um debate que se arrasta há anos. Está marcada para esta segunda-feira (16) a votação de uma nova resolução de tombamento pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico) do estado de São Paulo.

Construída em 1948, a mansão Scarpa exemplifica a questão. A casa de arquitetura neoclássica bem marcada pelos traços sóbrios e um pórtico de 10 m de altura sustentado por cinco colunas está no centro de um terreno de 4.000 m².

O imóvel até chegou perto de ser vendido por R$ 60 milhões há alguns anos, mas o negócio não foi para frente porque o interessado considerou muito restritivas as regras para aproveitamento comercial da propriedade.

Atualmente, potenciais compradores condicionam a negociação à possibilidade de demolição para a construção de quatro casas no terreno. Mas a criação de um condomínio residencial é proibida pela resolução de tombamento vigente.

A proibição aos condomínios vem da interpretação dos contratos assinados pelos primeiros moradores com a empresa responsável pelo loteamento, a companhia City of São Paulo, que em 1915 previa a existência de um bairro com casarões de uso residencial e unifamiliar.

A ideia de que cada casa fosse ocupada por uma única família permeou discussões sobre as regras de tombamento estadual do bairro desde a primeira resolução, em 1986. Mas o texto só chegou ao seu teor mais restritivo em 2021, com um claro veto aos condomínios.

Na minuta que está em discussão no Condephaat, a proibição desaparece. O novo texto transfere para a prefeitura a decisão sobre o uso dos imóveis. Se aprovado, portanto, o novo tombamento condiciona à Lei de Zoneamento o que cada proprietário poderá fazer dentro das edificações. Traçados das ruas, praças e áreas verdes continuariam tombados pela nova proposta.

Em linhas gerais, as regras de zoneamento em vigor já garantem o uso exclusivamente residencial na maior parte do bairro. Já nas bordas dessas áreas residenciais há corredores em que apenas comércios com baixa capacidade de atração de público podem funcionar.

Mas o fim da restrição ao uso multifamiliar poderia permitir tanto a construção de prédios baixos -cerca de três andares- em alguns desses corredores, como também liberaria condomínios de casas e até a divisão interna de mansões em apartamentos para diferentes famílias, explica a arquiteta Eveny Tamaki.

Especialista em legislação urbanística, ela diz que são tantas as camadas de restrições criadas a partir de interpretações do loteamento realizado pela companhia City, que ela tem desaconselhado dezenas de clientes a realizarem reformas até que as regras sejam revistas.
Eveny afirma que o resultado dessa dinâmica são imóveis subaproveitados, alguns transformados provisoriamente em estacionamentos, em especial o Jardim América, área efetivamente loteada pela City e cujo conceito foi estendido aos arredores. “Isso não é bom para a cidade”, diz.

Vizinhos à mansão de Scarpa, há outros casarões desabitados e os terrenos transformados em estacionamentos. Na rua Antilhas, uma travessa da rua Estados Unidos, há ao menos dois lotes escondidos atrás de tapumes onde há um entra e sai frenético de manobristas quando há eventos nas redondezas.

Em oposição aos proprietários de grandes imóveis, moradores de áreas como o Jardim Paulistano, onde as casas são relativamente menores e há maior densidade populacional, são contrários às mudanças analisadas pelo Condephaat.

Com o afrouxamento do tombamento, moradores de diversos bairros residenciais temem que futuras mudanças na Lei de Zoneamento passem a permitir a ampliação de usos comerciais dos imóveis, o que descaracterizaria esses bairros.

“A imensa maioria é contra”, diz Fernando Sampaio, presidente da associação de moradores Ame Jardins. “São alguns proprietários que querem rentabilizar o terreno e ir embora, não são pessoas que querem morar no bairro”, continua sobre o perfil de quem é a favor da revisão.

Quando conversou com a reportagem sobre o interesse do mercado nos Jardins, o especialista em legislação urbana do Secovi-SP (sindicato do mercado imobiliário), Eduardo Della Manna, disse que a vocação do bairro continua a ser residencial e reforçou que a demanda para a região é para condomínios horizontais.

Em nota, o Condephaat afirmou que a possibilidade de uso multifamiliar dos terrenos é prevista desde a aprovação do tombamento, em 1986, mediante aprovação do órgão.

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