Sou a única atriz trans e retinta com visibilidade, diz Aretha Sadick, de ‘Reencarne’

Com uma década de carreira, ela tem feito teatro, cinema e séries de streaming

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Sou a única atriz trans e retinta com visibilidade, diz Aretha Sadick, de 'Reencarne'
(Foto: Divulgação)

ANA CLARA COTTECCO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aretha Sadick passa por uma fase de boa visibilidade no audiovisual e não quer ser a única mulher trans e travestis pretas e retintas a ter destaque. Com uma década de carreira, ela tem feito teatro, cinema e séries de streaming, com aparições recentes em “Reencarne” e “Cidade de Deus: A Luta Não Para”.

Em “Reencarne”, do Globoplay, Sadick interpreta Camila, uma enfermeira que se torna peça-chave nos experimentos do médico Feliciano (Enrique Diaz), vilão da trama. A personagem enfrenta um dilema moral e ético sobre suas escolhas. Não é a protagonista, mas está longe de ser uma mera figurante com algumas falas. “Ninguém quer ser limitada”, diz. “Quero mostrar até onde posso ir na construção da humanidade do personagem.”

Em “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, na HBO, em que vive Koral, ela também encontrou espaço para esse tipo de construção. Na série, que retoma um marco do cinema brasileiro, ela interpreta uma personagem ligada ao funk e à comunidade.

“A Lacraia e as travestis de favela como ela, que fizeram história no funk, foram uma referência para mim. Esse papel foi mais uma chance de afirmar que mulheres trans e travestis pretas, retintas, também estão no cinema. O legado que uma deixou a outra pega lá na frente, passa o bastão e segue a corrida.”

Os créditos recentes consolidam a carreira, mas o centro da conversa com a atriz é a mudança do atual cenário para atrizes negras e trans no audiovisual. “Eu sinto falta do reconhecimento. Muitas pessoas dizem que herói bom é herói morto, mas a gente quer ser reconhecida em vida.” O recado mira roteiristas, direção, crítica e imprensa que ainda reduzem avaliações à identidade, cor e discursos de superação.

Ao tratar do recorte racial, Sadick aponta como isso aparece no dia a dia: a preferência por corpos e traços próximos da branquitude. “Raça e gênero andam de mãos dadas”, afirma a atriz.

“A gente construiu um imaginário social de que o que não é branco é menos interessante.” No audiovisual, diz, essa lógica se materializa na seleção de elencos e na visibilidade das campanhas. “Eu posso afirmar, a partir do meu lugar enquanto uma mulher preta retinta, que muita gente ainda tem preferência por atrizes trans e travestis que se aproximem de uma brancura.”

O diagnóstico fica ainda mais nítido quando ela enumera quem, hoje, alcança projeção com uma aparência parecida a dela. “Atriz, mulher trans, preta retinta, com visibilidade sou apenas eu.” Não por falta de talentos com esse perfil, frisa, mas por escassez de oportunidades e de leitura crítica que as coloque no centro das histórias.

A resposta que Sadick propõe tem dois movimentos. O primeiro é interno ao processo criativo: intervir na linguagem e nas escolhas dramatúrgicas para fugir do estereótipo e normalizar sua presença como atriz, sem o aposto permanente da identidade.

“Para que a gente fuja dos estereótipos, a gente deve também mudar as palavras, mudando os imaginários.” Isso vale para set, divulgação e para a conversa pública após as estreias. Ela diz orientar sua assessoria a evitar títulos e descrições do tipo “atriz trans” ou “atriz negra trans”.

O segundo movimento mira estrutura e prática. Na avaliação da atriz, houve avanços na última década, com “reeducação do olhar” e mais testes que colocam, no mesmo páreo, mulheres cis e trans.

Ainda assim, ela vê o audiovisual preso à “visualidade”, reproduzindo códigos e hierarquias que o teatro consegue contornar. “No teatro dá para fazer acordos mais criativos com o público, como ser um idoso ou um animal; as possibilidades são maiores.” Em 2025, a atriz também estreou no espetáculo “Avenida Paulista” e começou sua carreira nos palcos.

Sadick também aponta um vício na cobertura de entretenimento: entrevistas e perfis que recuam para a biografia e para o processo de transição quando poderiam destrinchar decisões de atuação, arcadas de personagem e efeitos no público.

A crítica, diz, pode —e deve— cumprir pautas de esclarecimento, mas com proporcionalidade. Na prática, reconhecer a complexidade de personagens trans e negras significa garantir que tenham trabalho, relações, conflitos e desejo.

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