Ossos sugerem que humanos tinham certo controle sobre lobos em ilha há mais de 3.000 anos

Ossos dos canídeos, datadas de entre 3.000 e 5.000 anos atrás, estavam em uma caverna da ilha de Stora Karlsö

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Ossos sugerem que humanos tinham certo controle sobre lobos em ilha há mais de 3.000 anos
(Foto: Ilustração/Pexels/Steve)

RAMANA RECH

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores encontraram evidências de que humanos tinham algum controle sobre lobos em uma ilha remota no mar Báltico 3.000 anos atrás. Amostras de ossos examinadas por eles para um estudo, publicado no último dia 24 na revista PNAS, sugerem a possibilidade de que os animais foram levados até lá pelas pessoas.

Os ossos dos canídeos, datadas de entre 3.000 e 5.000 anos atrás, estavam em uma caverna da ilha de Stora Karlsö. Ela fica a cinco quilômetros de uma ilha maior, Gotlândia, e a 80 quilômetros da parte continental da Suécia.

A caverna, chamada de Stora Förvar, passou por escavações entre 1888 e 1893, revelando um rico material arqueológico, inclusive o de ossos cranianos e pós-cranianos de canídeos.

Com os avanços na metodologia e na técnica para trabalhar com DNA antigo e a disponibilidade de bases de dados, os pesquisadores sequenciaram os genes dos ossos para verificar se eram de cachorros, de lobos ou de animais híbridos. Eles concluíram que os genes de dois indivíduos eram mais próximos ao de um DNA de um lobo de 5.100 mil anos atrás encontrado na Escandinávia.

Algumas evidências apontam que lobos teriam sido levados até a ilha de Stora Karlsö por humanos, como a falta de espécies terrestres locais. Gotlândia e Stora Karlsö nunca estiveram conectadas à porção continental da Escandinávia. A fauna de mamíferos da ilha maior parece ter sido introduzida por seres humanos, o que inclui lebres, raposas, porcos selvagens e ouriços.

Segundo um dos autores do estudo Linus Girdland Flink, professor da Escola de Geociências da Universidade de Aberdeen, do Reino Unido, a relação com lobos da ilha de Stora Karlsö é inesperada e diferente das que os seres humanos mantêm com cachorros domesticados.

“Embora seja muito difícil discernir a natureza e a finalidade exatas desse relacionamento, isso [o artigo] sugere que esses lobos não eram totalmente selvagens nem totalmente domesticados, mas talvez algo intermediário”, explica.

Ainda não é possível saber quais as funções dos lobos para os humanos da ilha. Flink afirma que o próximo passo da pesquisa consistem em descobrir quão comum era esse tipo de relação e se consistia em algo raro ou em uma prática comum da pré-história. Isso envolve buscar de forma sistemática evidências genéticas e arqueológicas dessa relação na Escandinávia e em outras regiões.

DESCOBERTAS TRAZEM QUESTIONAMENTOS SOBRE DOMESTICAÇÃO

Flink afirma que ficou surpreso ao descobrir que os genes dos canídeos pertenciam, na verdade, a indivíduos considerados 100% lobos geneticamente. Ele diz que, quando um pesquisador encontra restos de canídeos, a primeira suposição é de que o material pertence a cachorros e, se forem lobos, que eram caçados na natureza. O que encontraram, porém, não corresponde a essas alternativas.

“Nossas descobertas nos forçam a repensar a história da domesticação ao mostrar que algumas das primeiras comunidades humanas tinham uma relação muito mais complexa e íntima com lobos selvagens do que imaginávamos anteriormente”, relata.

Para o professor Tiago Pedro Ferreira Tomé, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o artigo traz uma discussão interessante e bem fundamentada. O docente, que não participou da pesquisa, avalia que o estudo indica a existência de uma “prolongada e deliberada” interação entre seres humanos e lobos.

Os canídeos em questão são menores do que os atuais lobos da Escandinávia. A redução no tamanho de animais domesticados está associada à integração deles a uma estrutura criada por seres humanos para protegê-los, o que reduz a necessidade de um porte grande, segundo o professor da UFMG.

Ao observarem os genes dos ossos, os cientistas puderam notar que eles vinham de uma população sem muita diversidade genética, o que pode sinalizar um cenário de controle reprodutivo de uma pequena população de lobos.

Os pesquisadores também analisaram os isótopos presentes nos ossos e notaram que os canídeos mantinham uma dieta rica em proteína marinha, como peixes. O acesso a esse tipo de alimento sugere dependência em seres humanos já que a captura da proteína marinha pode ser um desafio para lobos e cachorros.

A alimentação dos lobos somada às evidências de que a atividade econômica local se baseava no mar pode indicar que os animais de alguma forma estivessem ligados a recursos marinhos, acrescenta Flink.

Tomé afirma que o estudo revela uma possível interação entre lobos e humanos em um contexto mais amplo da domesticação de animais.

Algumas das evidências arqueológicas mais antigas de cachorros domesticados datam de 17 mil anos atrás.

Isso significa que “ao mesmo tempo que, em várias regiões do mundo, nós já tínhamos muitos grupos humanos convivendo com cachorros domesticados há milênios, aquele grupo em específico, aparentemente, estava convivendo com lobos”.

Ele destaca que os lobos contam com algumas características que podem ter facilitado essa relação, como a sociabilidade, a capacidade de estabelecer estruturas sociais relativamente complexas, bem como as inclinações para cooperarem entre si dentro de um grupo. “Será que isso, de algum modo, facilitou essa cooperação com os seres humanos? Não temos como saber, mas é algo que temos que ponderar”, diz.

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