Essa é a estratégia da esquerda para diminuir favoritismo de Bolsonaro entre evangélicos
Grupo religioso tornou-se um dos pilares de sustentação da atual gestão e tem ajudado o presidente a manter um patamar de aprovação de 30%
Gustavo Uribe e Julia Chaib, de DF – Na tentativa de diminuir as chances de reeleição de Jair Bolsonaro (sem partido), candidatos de oposição ao governo iniciaram ofensiva para tentar ampliar o diálogo e diminuir o favoritismo do presidente no segmento evangélico.
O grupo religioso, que hoje representa quase um terço da população brasileira, tornou-se um dos pilares de sustentação da atual gestão e tem ajudado o presidente a manter um patamar de aprovação de 30% mesmo diante do recorde de mortes pelo coronavírus.
O movimento para tentar reverter apoios a Bolsonaro tem sido capitaneado sobretudo pelos partidos de esquerda que, nos últimos anos, perderam prestígio junto a denominações evangélicas por causa do avanço da chamada pauta de costumes, uma bandeira eleitoral do presidente.
O principal argumento das legendas de oposição é que, ao adotar uma defesa da flexibilização do porte de armas e uma postura negacionista diante da pandemia do coronavírus, o presidente tem contrariado princípios fundamentais do cristianismo, como o amor ao próximo e a defesa à vida.
“O segmento evangélico apoiou a pauta de costumes, não o presidente. Hoje, vejo que parcela do segmento está se distanciando dele, porque ele contraria os valores cristãos”, afirma o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.
Atualmente o nome da esquerda com melhor desempenho nas pesquisas eleitorais, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem discutido a elaboração de uma carta pública a segmentos religiosos, entre eles o evangélico, colocando-se à disposição para diálogo.
A ideia é que o documento seja distribuído em templos, igrejas e terreiros e ressalte a importância das medidas de isolamento social e a solidariedade com a população vulnerável, que tem passado fome com a paralisação da atividade econômica.
Nas próximas semanas, Lula também pretende se reunir com integrantes da bancada evangélica que já apoiaram governos petistas. Quer incluir visitas a templos religiosos na agenda de viagens que pretende fazer no segundo semestre.
A ideia é que o périplo de Lula tenha início em cidades e estados que sejam governados por petistas e nos quais líderes evangélicos tenham maior abertura ao diálogo com o provável candidato do PT em 2022.
Dias atrás, o ex-candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos, do PSOL, também fez um gesto em direção ao segmento evangélico.
Em um encontro intermediado pelo empresário Walfrido dos Mares Guia, o pré-candidato à disputa presidencial se reuniu com o presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal.
Na ocasião, Boulos disse ter a intenção de disputar o Governo de São Paulo. Pereira diz que ele “causou uma boa impressão”, mas que dificilmente o partido se aliará ao líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). “Há um abismo entre as pautas muito grande”, afirmou o dirigente à reportagem.
A aliados o presidente do Republicanos disse que está aberto a conversas com quadros considerados de outros campos ideológicos, mas avalia que a probabilidade maior é de a sigla formar uma aliança de centro-direita, e não de esquerda.
Para quadros relevantes do partido, a tendência hoje é apoiar a reeleição de Bolsonaro, mas, caso o presidente continue com a popularidade em queda, o Republicanos deverá buscar a terceira via com outros partidos de centro.
Como Lula e Boulos, o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, também faz programação para promover encontros com o segmento evangélico. No final do ano passado, um grupo de eleitores que apoiou em 2010 e em 2014 a então candidata presidencial Marina Silva, da Rede, criou o movimento Cristãos Trabalhistas dentro do PDT.
O coordenador do núcleo partidário é o pastor Alexandre Gonçalves, da Igreja de Deus no Brasil, que recentemente teve uma conversa com Ciro. “Ele defende a necessidade de se quebrar preconceitos entre o segmento evangélico e o campo da esquerda.
“Há uma dificuldade no meio evangélico de se comunicar com os políticos, sobretudo com os políticos que estão dentro da centro-esquerda e da esquerda. E entendemos que esse preconceito é mútuo e vem também da esquerda em relação aos evangélicos”, disse. ”
O pastor ressalta que seu esforço tem sido o de estabelecer uma ponte, romper o preconceito e, nas palavras dele, “tentar diminuir esse apoio sebastianista a Bolsonaro”.
“Os direitos trabalhistas, o transporte digno e as férias remuneradas são a maior defesa da família, porque eles permitem que os pais tenham mais tempo com seus filhos. A defesa da família envolve muito mais que os trabalhadores tenham direitos justos.”
A ofensiva dos candidatos de esquerda fez com que Bolsonaro iniciasse na última semana uma reaproximação com pastores evangélicos que apoiam a sua gestão.
No Palácio do Planalto, o presidente da República recebeu em audiências privadas o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e o pastor Fábio Sousa, da Igreja Fonte da Vida.
Na sexta-feira passada (23), o presidente viajou a Manaus, onde se reuniu com líderes evangélicos. O movimento da esquerda em direção a setores que apoiaram Bolsonaro em 2018 preocupou deputados e senadores governistas que, desde o início deste mês, têm alertado o presidente sobre a necessidade de ele fazer uma contraofensiva.
“A ideologia de vocês [esquerda] é totalmente contrária à ideologia de um verdadeiro cristão”, reagiu Malafaia em um vídeo divulgado na quinta-feira passada (22), gravado dias após o encontro com Bolsonaro. “Isso é a ideologia de vocês, que é 100% contrária à ideologia de um verdadeiro cristão.”
O presidente avalia fazer, também no segundo semestre deste ano, uma espécie de périplo por templos evangélicos. Bolsonaro quer ainda reforçar que, desta vez, cumprirá a promessa de indicar um jurista “terrivelmente evangélico” para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Adventista, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, tem ganhado força junto à equipe do presidente e a denominações evangélicas para substituir o ministro decano Marco Aurélio Mello, que completará 75 anos em julho e deixará o Supremo.
Em conversa na semana passada com integrantes do centrão, Bolsonaro afirmou que Humberto Martins tem chances, mas que hoje o favorito para o posto é o pastor presbiteriano e ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), André Mendonça.
A última pesquisa Datafolha, realizada no início deste mês, mostrou que os eleitores evangélicos tendem a avaliar de forma mais positiva o presidente e a relativizar mais a pandemia do coronavírus.
De acordo com o instituto de pesquisa, o índice de ótimo ou bom atribuído à condução da crise sanitária pela atual gestão passa de 33%, na população em geral, para 41% considerando apenas os evangélicos.
O esforço da esquerda tem sido o de tentar diminuir a rejeição criada contra ela nos segmentos evangélicos e o de convencê-los que a atual gestão, apesar de adotar uma retórica favorável à pauta de costumes, não implementou políticas públicas que melhoraram a vida dos cristãos, como a redução do desemprego e a diminuição da pobreza.
O receio de Bolsonaro, manifestado a alguns assessores palacianos, é justamente de que o agravamento da pandemia do coronavírus e a escalada da crise política, sobretudo com a instalação da CPI da Covid, possam levar parcela do eleitorado evangélico a migrar para candidaturas oposicionistas.”