Ex-cortador de cana se forma em medicina em Pernambuco

Filho de pais analfabetos, Gomes é o primeiro da família, tanto paterna quanto materna, a conquistar uma graduação

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Ex-cortador de cana se forma em medicina em Pernambuco
Wellington Gomes tem no pai, Arnaldo José Alves, seu principal incentivador (Foto: Reprodução/Instagram)

Franco Adailton, da BA – De cortador de cana a médico. Assim se apresenta o clínico geral Wellington Gomes nas redes sociais –nas quais já tem mais de 11 mil seguidores–, sem romantizar o recente passado de extrema pobreza, tampouco ocultar as raízes na zona da mata ao sul de Pernambuco.

Aos 29 anos, é o mais velho dos cinco filhos do casal de lavradores Arnaldo José Alves, 46, com Mauricéia Maria Gomes, falecida quando o primogênito tinha apenas 17 anos. Os dois se juntaram ainda na infância, ele com 13 anos, ela com 12.

Ele próprio, aos 10 anos, começou a trabalhar no corte da cana, em um episódio que ficou marcado na memória. Após horas de labuta sob sol escaldante, a exemplo do que faziam os genitores, recebeu apenas R$ 5 pela colheita de uma tonelada do vegetal.

Filho de pais analfabetos, Gomes é o primeiro da família, tanto paterna quanto materna, a conquistar uma graduação, após se formar em medicina em 25 de novembro, colar grau 24 horas depois e pegar a carteira no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco em 13 de dezembro.

Foram seis anos de curso na Faculdade Pernambucana de Saúde, onde estudar, diz, só foi possível por preencher os critérios para uma bolsa integral pelo Prouni (Programa Universidade para Todos), criado em 2004, durante o primeiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

“Obviamente, tive o mérito de passar no vestibular, após três tentativas, mas, se não fosse pela bolsa, não teria condições de arcar com uma mensalidade em torno de R$ 6.000”, reconhece o médico, ao falar com a reportagem ao final de mais um dia de plantão.

Para se manter no curso, recebia do Prouni uma bolsa mensal de R$ 400, mas precisava completar a renda com bicos no estacionamento da Casa do Estudante de Pernambuco –onde morou após uma prova com 600 candidatos para 20 vagas–, além de dar aulas de reforço para vestibulandos.

Um dia após pegar a carteira de médico, começou a trabalhar na rede pública de sua terra natal, Ribeirão, localizada a quase 90 km de Recife. Ainda atende numa clínica privada na cidade e em dois hospitais públicos nos municípios de Gameleira e Primavera, na mesma região.

Hoje, já sob melhores condições, repete a rotina de viagens que o levou a pedalar 48 km por dia durante três anos, desde o engenho Santa Cruz, onde morava, até o centro de Ribeirão, para também ser o primeiro da família a concluir o ensino médio em uma escola de tempo integral.

“Saía de casa por volta de 5h40, 6h, para chegar um pouco antes da aula, que começava às 7h. Uma vez, no trajeto, um caminhão me deu um banho de lama, mas segui para a aula”, recorda. “Decidi que não podia parar de estudar, porque eu não aguentava mais aquela vida dura”, completa.

A vida à qual Gomes se refere era seguir a história dos pais: acordar de madrugada para ganhar uns trocados para cortar cana no auge da safra. Na entressafra faltava trabalho, e a fome que batia à porta era saciada com banana verde, “macaxeira” (aipim ou mandioca), peixe e farinha.

Certa vez, lembra, quando ainda estava no primeiro ano do ensino médio, trabalhou mais de dez horas para cortar toneladas de cana, ao lado do pai, para juntar R$ 110. Era véspera do fim da inscrição para a prova da UPE (Universidade de Pernambuco), que serve para juntar pontos para o vestibular.

“À época, ainda não sabia qual profissão seguir, mas tinha a certeza de que precisava escolher algo que me possibilitasse melhorar as condições de vida de minha família”, recorda. “Com o primeiro salário que eu receber, vou tirar meu pai desse trabalho”, planeja.

O clínico não deixa de comemorar o início da ascensão social, mas reitera ser uma das exceções à regra da falta de acesso à educação para milhões de brasileiros. “Espero que políticas públicas como o Prouni continuem a existir, pois é preciso tratar os desiguais com equidade. Consegui superar, mas não precisa ser tão sofrido assim”, afirma.

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