Leis antiaborto nos EUA afetam mais as mulheres negras, diz estudo

Há dois anos, Suprema Corte reverteu direito ao procedimento em âmbito federal

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Leis antiaborto nos EUA afetam mais as mulheres negras, diz estudo
Mapa mostra estado onde aborto é proibido no país. (Foto: Ilustração)

ISABELA ROCHA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mulheres negras e indígenas podem ser mais afetadas pelas leis que proíbem ou restringem o aborto nos Estados Unidos, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores das Universidades de Boston e Wisconsin-Madison.

Há dois anos, a Suprema Corte americana reverteu o direito ao procedimento em âmbito federal, o que deu mais liberdade para estados restringirem ou banirem a prática. Desde então, segundo os autores do levantamento, a proporção de mulheres negras, indígenas e brancas vivendo em estados onde o aborto é banido é maior do que onde o procedimento é liberado ou restrito.

No caso das mulheres negras, essa proporção é 59% maior, ou seja, a cada cem mulheres afro-americanas em estados considerados mais permissivos em relação ao aborto, há outras 159 em estados mais restritivos. Para mulheres indígenas, a proporção é 17% maior; entre as brancas, 2%.

A falta de acesso ao aborto é associada a piora de indicadores de saúde materna, como mortalidade entre gestantes, diz à Folha de S.Paulo Demetri Goutos, um dos coautores do estudo. Os dados, no entanto, não apontam que as leis antiaborto são causadoras diretas da piora desses indicadores, explica.

“Quando a gente começa a ver uma diferença de políticas públicas entre os estados e uma diferença de acesso ao aborto entre grupos populacionais, a mudança na oportunidade de alguns grupos de receber esse cuidado torna-se uma preocupação”, afirma Goutos. “Mulheres negras e indígenas têm piores índices de mortalidade materna; então se essas populações também têm um acesso mais limitado ao aborto, há um risco de aumento da desigualdade na saúde materna no futuro.”

Os estados americanos onde o aborto foi restrito e/ou banido após a decisão da Suprema Corte já tinham índices piores de saúde feminina comparado aos que deixaram o procedimento acessível, explica o professor e pesquisador de saúde pública Eugene Declercq, da Universidade de Boston.

Declercq estuda a relação entre aborto e mortalidade materna. Dados que ele compartilhou com a reportagem, ainda não publicados, mostram que, em 2023, os estados onde o aborto é restrito registraram quase 60% mais mortes do que os estados onde o procedimento é liberado.

As leis antiaborto impactam ainda a distribuição geográfica de profissionais de saúde materna, que tendem a se mudar de estados onde correm risco de serem presos devido à natureza de seu trabalho, explica o pesquisador.

“Estados que têm restrições de aborto já tinham uma proporção menor de obstetras e parteiras do que os que não têm, e esse problema vai se agravar com as leis [antiaborto]”, diz Declercq.

Outro estudo realizado pelo pesquisador em 2022 indicou que mulheres negras e indígenas são as que mais morrem durante a maternidade –tanto em estados onde o aborto é restrito quanto em estados onde ele é acessível.

A cada 100 mil nascimentos entre 2018 e 2020, 49,2 mães negras e 46,4 mães indígenas morreram nos estados onde o aborto foi restrito nos EUA em 2022. Onde o procedimento era acessível, 39,3 mães negras e 43,2 mães indígenas morreram no mesmo período.

“Quando tentamos determinar o impacto das leis antiaborto na saúde das mulheres, precisamos desemaranhar os dados para determinar o quão ruim era antes”, explicou Declercq. “Os estados com leis antiaborto têm índices piores, mas isso não se deve apenas às restrições, é por causa de um problema geral no sistema de saúde das mulheres.”

Além dos diferentes grupos raciais, as faixas etárias das mulheres também afetam sua diferentes experiências com a interrupção da gestação.

As que têm menos de 20 anos, por exemplo, tendem a descobrir que estão grávidas mais tarde do que as mulheres mais velhas, o que leva a abortos mais caros e tardios, de acordo com um estudo do Guttmacher Institute.

Em média, as adolescentes pagaram US$ 499,10 pelo procedimento, segundo o levantamento. Já as mulheres de 20 a 24 anos pagaram cerca de US$ 489 e as com mais de 25 anos cerca de US$ 468,40.

A pesquisa foi feita em centros de aborto pelo país entre junho de 2021 e julho de 2022 -pouco antes de a Suprema Corte reverter o direito ao procedimento em âmbito federal. Quase 10% das entrevistadas tinham menos de 20 anos. Entre essas, 37,4% eram latinas, 30,8% eram brancas, 23,4% eram negras e 8,4% se identificaram como pertencentes a outros grupos raciais.

“As restrições após a decisão da Suprema Corte estão empurrando o sistema de saúde reprodutiva ainda mais para fora do alcance das jovens”, disseram em nota à Folha de S.Paulo as autoras do estudo Rachel K. Jones e Doris W. Chiu. Segundo elas, adolescentes estão mais sujeitas a procedimentos tardios por falta de recursos, de informação e até de transporte.

Leis que exigem a autorização ou notificação dos pais para fazer o procedimento também são uma barreira adicional, apontam as pesquisadoras, especialmente para jovens que não têm contato com os pais ou vivem em lares instáveis.

A maioria das adolescentes e mulheres abortou entre 6 e 12 semanas de gestação –70,4% das menores de 20 anos, 73,3% das mulheres entre 20 e 24 anos e 72,9% das mulheres com mais de 25 anos. Após as 13 semanas, a proporção de abortos entre as mais novas foi de 11,7%, comparada com 9,1% e 8,4% das adultas, respectivamente.

Cerca de 66% das mais jovens disseram que precisaram de alguém que elas conheciam para dirigir o carro até o local onde o procedimento seria realizado, comparado com 56,4% das mulheres de 20 a 24 anos e 48,1% das mulheres com mais de 25 anos.

A maioria das adolescentes disse que não fez o aborto mais cedo porque não sabia que estava grávida -57,2%-, comparado a 49,4% das mulheres de 20 a 24 anos e 42,7% das mulheres com mais de 25 anos.

“Adolescentes precisam e merecem todos os recursos do sistema de saúde sexual e reprodutiva”, escrevem as autoras. “Dar ferramentas aos jovens para que eles tenham autonomia sobre seu corpo vai beneficiá-los pelo resto de suas vidas.”

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