Escolha para diretorias do BC é novo teste de diversidade de gênero para Lula
Cúpula do Banco Central pode se tornar 100% masculina em 2025 caso não haja indicação de uma mulher
NATHALIA GARCIA E ADRIANA FERNANDES
Com o fim do mandato da diretora Carolina de Assis Barros (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta) em dezembro, a cúpula do Banco Central pode se tornar 100% masculina em 2025 se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não indicar ao menos uma mulher para as vagas que serão abertas na instituição.
A escolha para as três diretorias do BC será um novo teste para o governo na questão da diversidade de gênero. Em 2023, Lula desconsiderou essa pauta nas trocas na Esplanada quando definiu a saída de ministras mulheres e nas indicações para o STF (Supremo Tribunal Federal), apesar de petistas defenderem publicamente uma maior representatividade feminina em postos de comando.
Com a indicação de Gabriel Galípolo à presidência do BC, o governo busca alguém para comandar a diretoria de Política Monetária. Também precisará escolher os sucessores de Carolina e de Otávio Damaso, que hoje chefia a área de fiscalização.
De acordo com pessoas do governo a par das conversas ouvidas pela Folha, Lula ainda não bateu o martelo sobre os nomes dos demais diretores e mulheres serão consideradas, mas as discussões ainda não avançaram. O foco no momento está concentrado na sabatina e votação da indicação de Galípolo no Senado.
Nos bastidores, circulam os nomes de Juliana Mozachi (chefe do departamento de Supervisão de Conduta) e Isabela Damaso (chefe da gerência de Sustentabilidade). Também é citado o de Izabela Correa, servidora do BC cedida para a CGU (Controladoria-Geral da União).
Segundo relatos de membros do governo, não está descartada uma “dança das cadeiras” no momento da nomeação dos novos diretores do BC, com a movimentação de Rodrigo Teixeira -hoje na diretoria de Administração- para outro posto. Nesse caso, discute-se a possibilidade de uma mulher chefiar a área que cuida da gestão de pessoas.
Apenas cinco mulheres chegaram a ocupar postos na diretoria do BC nos quase 60 anos da instituição, sendo três delas na área de assuntos internacionais.
A primeira diretora mulher do BC foi Tereza Grossi, que morreu no ano passado aos 74 anos. A servidora de carreira foi diretora de Fiscalização entre 2000 e 2003 na gestão de Armínio Fraga e a primeira mulher a integrar o Copom (Comitê de Política Monetária).
Com personalidade forte, Grossi era considerada por auxiliares como uma técnica firme e exigente na busca pela excelência. Foi apontada como uma das responsáveis pela operação de socorro financeiro dos bancos Marka e FonteCindam, após a mudança da política cambial em 1999, e depois foi inocentada das acusações.
Depois dela, Maria Celina Arraes chefiou a área de assuntos internacionais de 2008 a janeiro de 2010. Ela foi a responsável pela implementação do SML (Sistema de Pagamentos em Moeda Local), mecanismo que busca facilitar transações entre países do Mercosul.
Arraes iniciou a carreira no BC na década de 1970. À Folha, ela conta que “cansou” de ser a única mulher na sala onde trabalhava com outros funcionários, mas diz não ter vivido nenhum episódio de discriminação no órgão.
A ex-diretora recorda de uma comunicação interna do BC, da década de 1980, que mostrou que 80% das mulheres chefes de divisão atuavam na área internacional. Ela ressalta que, na época, falar inglês era uma competência mais comum entre mulheres do que homens.
Depois de passagem pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Arraes foi convidada por Henrique Meirelles -então presidente do BC- para a cúpula da instituição. “Ele era uma pessoa moderna, que procurou ativamente uma mulher para colocar na diretoria”, afirma.
Quanto ao futuro do BC, torce pela indicação de outras mulheres para o alto comando. “Depois desse progresso todo, deveria ter ao menos uma [diretora]”, diz.
Após um vácuo sem mulheres nos mais altos postos, Carolina assumiu a diretoria de Administração em 2018, na gestão de Ilan Goldfajn. Com a chegada dos indicados pelo governo Lula ao BC, ela foi remanejada para a área de cidadania e supervisão de conduta.
O colegiado do BC passou a ter duas mulheres simultaneamente pela primeira vez em 2019, com a entrada de Fernanda Nechio, ex-diretora de Assuntos Internacionais. Ela ficou no cargo até 2021, quando saiu por “razões pessoais”. A vaga foi preenchida por Fernanda Guardado, cujo mandato terminou no ano passado.
Na história do BC, mulheres influentes e poderosas foram chefes de departamento, mas não chegaram a assumir cargos de diretoria. Entre elas estão Ledir de Paula Reis e Maria do Socorro Carvalho, que comandaram o Depin (Reservas Internacionais), e Lígia Benevides no Denor (Normas).
“Nunca vi discriminação. Em outros lugares eu acredito que possa ter essa discriminação. É diferente no BC”, afirma Benevides, que teve uma atuação importante na sua época. “Sempre lidei com muitos homens e ia para as reuniões de política monetária, onde só tinha homem”, diz a ex-chefe do Denor.
Atualmente, dos 3.214 servidores ativos que trabalham no BC, 23,12% são mulheres e 76,88%, homens. Na divisão por carreiras, são 578 analistas mulheres (21,82%), 106 técnicas (25,85%) e 59 procuradoras (38,06%). Do total de 39 unidades centrais, apenas cinco chefes de departamentos são mulheres.
Em 2023, o BC lançou um programa de diversidade e inclusão. Uma pesquisa interna mostrou que 42% das mulheres indicaram já ter vivenciado alguma situação de não inclusão pelo gênero, enquanto apenas 1% dos homens respondeu o mesmo.
A partir do diagnóstico da situação, o programa vai criar grupos de afinidade temática, elaborar propostas e lançar ações para melhorar esse quadro.
A presidente da ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil), Natacha Gadelha, diz que o BC tem evoluído na questão da igualdade de gênero, mas ainda possui um ambiente predominantemente masculino.
Ela chama atenção que, entre os analistas, a fatia de mulheres cai a 9% no quadro de chefes de unidade. “Conforme vai subindo na carreira, o percentual de representatividade de mulheres não representa o total do quadro. Isso por si só demonstra que, quanto mais você cresce na carreira, mais difícil é para a mulher ocupar esse espaço”, afirma.
Para a representante dos servidores, seria uma involução a ausência de mulheres na alta cúpula do BC. “Voltar a ter uma diretoria exclusivamente masculina seria um retrocesso no avanço da pauta de diversidade”, diz.
QUEM É QUEM NO BC
Roberto Campos Neto, presidente
Mandato até 31.dez.24
Indicado por Jair Bolsonaro
Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária
Indicado por Lula para presidente a partir de 2025, por quatro anos
Otavio Damaso, diretor de Regulação
Mandato até 31.dez.2024
Reconduzido por Jair Bolsonaro
Carolina de Assis Barros, diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta
Mandato até 31.dez.24
Reconduzida por Jair Bolsonaro
Diogo Guillen, diretor de Política Econômica
Mandato até 31.dez.25
Indicado por Jair Bolsonaro
Renato Dias de Brito Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução
Mandato até 31.dez.25
Indicado por Jair Bolsonaro
Ailton de Aquino, diretor de Fiscalização
Mandato até 28.fev.27
Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva
Paulo Picchetti, diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos
Mandato até 31.dez.27
Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva
Rodrigo Alves Teixeira, diretor de Administração
Mandato até 31.dez.27
Indicado por Luiz Inácio Lula da Silva