Estava desarmado e rendido, diz homem que ficou paraplégico em ação de PM que jogou rapaz da ponte
Vitima nega que estivesse armado no dia do caso, o que contraria a versão do PM de que agiu em legítima defesa
DEMÉTRIO VECCHIOLI, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O policial militar Luan Felipe Alves Pereira, que jogou um rapaz da ponte em São Paulo, se envolveu em 2019 em um ação na qual baleou, dentro de uma casa na zona sul paulistana, um homem de 29 anos que havia fugido com uma moto roubada ao se deparar com a polícia.
Thiago Alves Trindade de Souza -depois condenado por receptação, porte ilegal de arma e resistência à prisão- ficou paraplégico em decorrência dos tiros. Ele nega que estivesse armado no dia do caso, o que contraria a versão do PM de que agiu em legítima defesa.
A Justiça concordou com a versão policial: a de que o condutor da moto teria atirado contra os policiais em uma perseguição, que esse piloto seria Thiago e que o suspeito deixou cair um revólver ao ser baleado.
“Eu estava rendido e o cara vem e atira em mim no chão. Ele fez a maior injustiça comigo e ainda forjou uma arma e fez eu ficar quatro anos na cadeira em uma cadeira de rodas. É um cara que não tem dó nenhuma do ser humano. Ele é pago para servir à população, não para fazer injustiça. Isso não é coisa de homem, não é coisa de um ser humano fazer”, disse Thiago à reportagem.
A defesa de Luan Felipe refuta a acusação. “Eu fui policial, e nenhum ladrão que eu prendi falou que estava cometendo crime. Para mim é normal ele dizer isso, fica uma raiva. É uma tentativa de demonizar o Luan. Ele sempre foi um bom policial, faz ações sociais”, disse à reportagem o advogado Raul Marcolino, que defende o PM junto com o advogado Wanderley Alves.
Na sentença, a juíza Fernanda Galizia Noriega rejeitou os argumentos de Thiago, que estava em condicional.
“Verifica-se que os policiais não conheciam o réu antes dos fatos e não teriam motivos para incriminá-lo injustamente, não sendo crível a versão de que teriam ‘forjado’ a arma, versão essa fornecida pelo réu -pessoa que fugiu da abordagem policial e que estava na posse de uma motocicleta roubada.”
Não houve perícia no local dos fatos e Thiago foi condenado por porte ilegal de armas com base na versão dos policiais. Ele reconheceu que andava com moto roubada e até então tinha três condenações por crimes diversos, mas sempre alegou que foi baleado quando estava rendido e desarmado.
Em seu depoimento, o policial militar disse que “não é treinado para atirar na perna”. “Não tinha negociação. [Os policiais] não estão na rua para matar ninguém. É o indivíduo quem escolhe se quer ir para cadeia ou ser atingido”, afirmou, segundo a sentença obtida pela reportagem.
Thiago só soube que o policial que jogou um homem da ponte era o mesmo que mudou sua vida quando a reportagem procurou seus familiares. O ex-detento diz ter medo de retaliação por contar sua história e que sonha com o dia em que Luan Felipe pagará pelo que fez.
POLICIAIS DERAM VERSÕES CONFLITANTES
“Eu estava na rua, essa moto estava parada, e peguei para dar uma volta. Assim que eu saí, eu dei de frente com eles [os policiais]. Eu sabia que a moto era roubada e tinha medo de voltar para a cadeia, então minha reação foi fugir. No que eu virei, a moto começou a afogar. Eu larguei a moto, saí correndo e pulei a janela da casa da minha tia”, conta Thiago.
O policial, por essa versão, buscou entrar na casa derrubando a porta. Quando Thiago achou que o agente havia desistido, voltou para o quarto e o viu entrando pela janela.
“Eu levantei a camiseta e falei: ‘Olha, não tenho nada’ e comecei a deitar no chão. Ele já deu a primeira [bala] na perna, na bacia. Quando eu fui para frente, ele já deu mais uma, na barriga. Ele atirou em mim no chão e mandou minha tia ir embora.”
A arma, segundo Thiago, teria sido plantada depois. “Eu estava consciente, indo para o hospital. Ele tirou do colete, mostrou para mim e falou: ‘Ó, ladrão, é tua’. Era uma arma raspada, cromada, com o cabo preto. Eu falei para ele: ‘Vai acabar com minha vida? Não faz isso comigo não’.”
A versão dos fatos que levou Thiago à condenação diz que dois homens em uma moto Falcon teriam atirado em um carro dos bombeiros. A Rocam (patrulha de moto da PM) foi acionada e teria se deparado com Thiago e mais um homem em um modelo igual ao que tinha sido descrito.
Ao ver as viaturas, o homem que estava na garupa teria saído correndo, e o piloto teria disparado contra os agentes antes de abandonar a moto e entrar na casa.
Luan Felipe relatou que ao entrar no quarto, viu Thiago “com o revólver apontado na direção da janela”, onde estava. “Quando o viu com a arma disparada, efetuou dois disparos contra ele [Thiago]. Na queda ele derrubou o revólver, um calibre 38, com a numeração suprimida”, afirmou o policial.
O local nunca foi periciado e Thiago não foi submetido a exame balístico. Não foi apresentada nenhuma testemunha do alegado tiro disparado na perseguição e a única testemunha do que aconteceu dentro da casa, a tia do réu, teve medo de retaliações. “Se fizeram isso comigo, imagina o que não fariam com ela”, afirma ele.
Também não foram juntadas imagens que relacionassem Thiago ao suposto tiro disparado contra um carro dos bombeiros.
O outro policial envolvido na ação relatou em juízo que, ao entrar na casa, viu o suspeito no chão e a arma estava no local. Mesmo assim, a sentença considera que os policiais relataram “de forma harmônica” terem encontrado o revólver com Thiago. Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que não comenta questão jurisdicional.
Levado ao Hospital São Paulo, Thiago ficou 27 dias em coma. Um tiro acertou sua bexiga e, o outro, o estômago. Cadeirante, com bolsa de colostomia e sonda, foi levado do hospital à penitenciária de Dracena (SP), onde cumpriu pena de um ano e seis meses por receptação, como réu confesso, quatro anos e oito meses por porte ilegal de armas e um ano e nove meses por resistir à prisão.
Durante a pandemia, pediu para cumprir prisão domiciliar, mas teve o pedido rejeitado por ser considerado um perigo para a sociedade.