Vamos falar sobre suicídio?

Carlos Henrique Carlos Henrique -
Vamos falar sobre suicídio?

A palavra suicídio vem do latim sui (próprio) e caedere (matar), ou seja, matar a si próprio. Consiste, portanto no ato deliberado de tentar, e conseguir, tirar a própria vida. Porém, mais que uma definição de dicionário, precisamos entender o peso deste ato, e seu impacto ao longo da curta história da humanidade. O suicídio tem valores e significados diferentes em cada cultura. Valores, estes que foram mudando ao longo dos séculos.

Para o cristianismo o suicídio sempre teve uma conotação ruim, sendo condenado por muitos séculos. Hoje, a Igreja Católica mantém uma postura mais branda, afirmando que a misericórdia de Deus transcende o pecado cometido, e pode atingir até o suicida. A maioria das religiões de base judaico-cristã, porém, afirmam que Deus é quem dá a vida, e somente Ele poderia tirá-la.

O suicídio esteve presente na história da humanidade, provavelmente desde seu início, apesar de não haver muitos registros do ato na antiguidade. Na bíblia cristã, apesar de não ser o primeiro registro, o suicídio de Judas é o mais famoso, O traidor de Jesus, se enforcou, por remorso, após entrega-lo aos fariseus da época. Talvez, este seja o fator determinante que levou a Igreja a considerar o suicídio como um ato de fuga e covardia, cometido pelos piores seres humanos.

Mas vamos voltar um pouco no tempo. A enciclopédia Delta de História narra o primeiro caso de suicídio como acontecido na cidade de Ur, na Mesopotâmia, onde um grupo de pessoas tomou uma bebida envenenada, num ritual e se deitaram esperando a morte, por volta de 2500 a.C. De lá pra cá, o suicídio foi adquirindo diversas conotações, de acordo com a cultura de cada civilização.

Na Grécia o suicídio era visto como um direito dos homens livres garantido pelo Estado, que também era responsável por autorizar ou vetar tal ato, chegando até mesmo a induzi-lo, como o famoso caso de Sócrates, filósofo grego, que foi obrigado a tomar cicuta, um potente veneno, em 399 a.C.. Também na Grécia, os suicidas que assim procediam sem autorização prévia do Estado, tinham vetadas as honras do sepultamento, e sua mão direita era amputada e enterrada separada do corpo.

No Egito quando um senhor morria, seus servos eram enterrados junto com os bens do mesmo, e se deixavam morrer junto do amo. E podemos destacar o famoso suicídio da Rainha Cleópatra VII e seu amante Marco Antônio, culminando no controle do Egito por Roma. Diz a história que Cleópatra deixou-se picar por uma serpente venenosa, no ano 30 a.C..

Em Roma a posição em relação ao suicídio era bem definida assim como na Grécia. O senhor tinha livre direito sobre sua vida e por sua condição social tinha amparo legal para cometer suicídio. Os escravos, porém, eram proibidos de cometerem tal ato, pois não tinham direito sobre sua vida, afinal pertenciam a alguém e ao cometerem suicídio estavam prejudicando o seu senhor, cometendo grave ofensa, pois agindo sem autorização estavam desrespeitando sua autoridade.

Com o início do Cristianismo o suicídio vai sendo condenado aos poucos até que, no século IV, Santo Agostinho, doutor da Igreja Católica e filósofo, condena o suicídio baseando-se mais em Platão do que na doutrina da própria Igreja. Ele afirma que o suicídio é uma perversão detestável e demoníaca, que atenta contra o Mandamento de Não matar, que se aplica a si próprio. À partir de sua obra, a Igreja foi gradativamente condenando o suicida, até declarar em 693 que o mesmo seria passível de excomunhão, não merecendo a salvação eterna.

Essa posição se manteve por muitos séculos até que, com o avanço da medicina e psicologia, a Igreja Católica reviu sua posição sobre o ato suicida, afirmando em seu catecismo, nos parágrafos 2282 e 2283, que o suicida ainda tem chances de salvação, visto que perturbações psíquicas, angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento e/ou da tortura podem amenizar a gravidade do ato suicida, e que a misericórdia de Deus pode atingir também o aquele que tira a própria vida (CIC, 1992).

Ao passo que na grande parte da sociedade cristã/ocidental temos o suicídio como algo execrável, temos na sociedade oriental o suicídio sendo visto muitas vezes como ato de bravura e heroísmo. Vide os pilotos kamikazes japoneses que jogavam seus aviões sobre os seus alvos, durante a segunda guerra mundial, e, mais recentemente, os suicidas islâmicos que doam sua vida pela causa, punindo os que consideram infiéis.

A prática do suicídio faz parte da cultura oriental há séculos. No Japão antigo, por exemplo, acontecia o ritual Haraquiri ou seppuku, que consistia no suicídio do guerreiro samurai (cortando seu próprio ventre), para restaurar sua honra ou a de sua família, quando este perdia uma batalha.

Hoje, porém, o suicídio tomou proporções que o faz ser considerado problema de saúde pública, apontado pela Organização Mundial de Saúde como a terceira causa de morte no mundo: Mais de meio milhão de pessoas cometem suicido por ano. Sendo que os homens comentem tal ato duas vezes mais que as mulheres, que apesar de chegarem de fato ao suicídio menos vezes, tentam mais. Além disso, é mais frequente entre adolescentes.

De acordo com números do governo, são registradas, em média, 32 mortes por suicídio no Brasil. Nem AIDS e a maioria dos cânceres matam tanto. O tabu criado, principalmente pela cultura cristã, que liga o suicídio a um pecado grave, não permite que muitos falem sobre isso, levando muitas mortes a serem evitadas. Na verdade, 90% das mortes por suicídio poderiam ser evitadas.

Mas afinal, o que leva o indivíduo a cometer suicídio e tirar sua própria vida? Maria Luiza Dias (1991) nos lembra que para a psicanálise o suicídio é uma situação psicótica. Não quer dizer que a pessoa seja psicótica, mas que durante o ato suicida tenha se atualizado no indivíduo componentes psicóticos da personalidade que estavam inativos ou neutralizados pelas partes não psicóticas da mesma. Ele não percebe, mas vislumbra a morte como saída, sem realmente se dar conta do que ela representa.

No Texto contribuições para uma discussão acerca do suicídio, Freud reflete sobre como o instinto de vida perde força no suicida: “Como seria possível subjugar-se extraordinariamente poderoso instinto de vida: Isto pode apenas acontecer com o auxílio de uma libido desiludida, ou se o ego pode renunciar à sua auto-preservação por seus próprios motivos egoístas” (Freud, 1897, p. 218).

O ego só renunciaria a sua própria-preservação caso entrasse em um estado de luto patológico, ou melancolia, como Freud o chamava, e que atualmente se assemelharia ao que se conhece por depressão. Isso geraria no indivíduo um estado de “desmotivação” tamanha onde os instintos destrutivos da pulsão de morte se sobrepõem aos instintos de vida se voltando contra o próprio indivíduo.

Em praticamente todos os atos suicidas é possível notar uma perda, seja real ou imaginária. E, toda perda envolve o processo de elaboração do Luto, onde aos poucos o sujeito percebe que o objeto foi perdido, começa a aceitar esse fato, e vai aos poucos retornando sua vida. Depois de reconhecer a perda, e que o objeto não voltará mais, o indivíduo consegue liberar essa energia do objeto perdido, e direcioná-la para outro objeto.

Quando a perda não é superada, e essa energia não consegue mais ser direcionada para outro objeto, ou liberada, o indivíduo entra no estado de luto patológico, ou melancolia, (Freud, 1917), que hoje muitos chamam de depressão. Esse objeto pode ser tanto uma pessoa amada ou um elemento na vida do sujeito, seja material, como a casa ou um carro, ou mesmo imaterial, como o emprego ou mesmo a autoestima.

Na melancolia o indivíduo coloca o objeto amado, e perdido, como parte do Ego. Nesse caso “A sombra do objeto cai sobre o ego” (Freud, 1918), e acontece o que chamamos de introjeção. O sujeito não consegue então direcionar a energia antes dispensada a este objeto para outros, ficando presa a ele. Para atingir o objeto ou destruí-lo, seria necessário então atacar o próprio “Eu”, que está agora vinculado ao objeto.

O extremo seria, então, o suicídio, quando o sujeito se mata para assim “matar” o objeto que agora faz parte de si mesmo e que cuja ausência o faz sofrer. Como o sujeito não consegue mais expressar sua agressividade contra o objeto, que já não existe mais, ela se volta contra ele mesmo. O indivíduo investe, então, seu potencial agressivo contra sua própria pessoa (DIAS, 1991, p.22).

Menninger (1970), diz que para que o suicídio aconteça são necessários três componentes básicos: o desejo de matar, alimentando por sentimentos negativos contra o objeto; o desejo de ser morto, que representa a submissão, e ao mesmo tempo culpa, já que quem quer matar alguém também merece morrer; e por fim, o desejo de morrer, que está ligado, principalmente à nossa cultura judaica-cristã que vê a morte não como um fim, mas como um recomeço, sobrando ao sujeito apenas a morte como forma de pôr fim ao fim do sofrimento.

A maioria dos suicidas não quer morrer, quer apenas parar de sofrer. Alguns deles chegam a um estado psicótico em que acreditam que podem matar-se e não morrer. Menninger (1970) cita como exemplo o fato de muitos poetas pessimistas, que falavam da morte como se por ela estivessem apaixonados, e fugiram de suas cidades quando havia ameaça de peste, cólera ou guerras.

Por isso, devemos jamais ter receio ou medo de falar sobre suicídio, ou desejos de morrer. Nosso silêncio pode representar o sucesso de uma tentativa de pôr fim ao próprio sofrimento, de alguém próximo a nós. E por isso, devemos tanto fazer o que nossa sociedade mais tem nos ensinado a não fazer: escutar.

Lembre-se que escutar é um desafio para muitos. Nosso egoísmo não nos deixa prestar atenção no outro. E nossa necessidade de julgar sempre nos faz querer diminuir ou mensurar a dor do outro, como se ninguém tivesse o direito de sofrer ou reclamar de alguma situação pela qual está passando.

Depressão, que é a maior causa de suicídio, é uma doença. Não é frescura, nem falta de Deus, muito menos falta do que fazer. Jamais menospreze a dor do outro. Você não tem autoridade para dizer ao outro pelo o que ou não ele pode sofrer. Cada um sabe o tamanho da sua dor, e reage a ela de maneira diferente. Nem todos têm estrutura ou apoio necessário para passar por perdas e sofrimentos. Cabe a nós, acolher sem julgar. A dor do outro jamais pode ser comparada com a minha ou de outra pessoa.

Partindo justamente dessa necessidade de ouvir sem julgar, e tocar no assunto, fazendo com que todos falem sobre ele, é que surgiu a iniciativa do Setembro Amarelo! A ideia partiu do CVV (Centro de Valorização da Vida – uma organização sem fins lucrativos fundada em 1962, que atua na prevenção de suicídio, com mais de 2.000 voluntários). Em 2014, em parceria com o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria, o CVV realizou as primeiras ações ligadas a esse movimento em vários estados do país.

Desde 2015, as ações passaram a ser nacionais e apesar de o dia mundial de prevenção ao suicídio ser 10 de setembro, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio estimula ações ao longo de todo mês. A escuta e atenção a familiares e amigos, deve ser o ano todo. Prestar atenção no sofrimento do outro é fator determinante para se evitar suicídios.

Alguém na sua família, ou no seu círculo de amizades pode estar precisando de ajuda. Se você não sabe o que fazer, comece por escutar sem julgar quem está próximo de você. Este é o primeiro passo para ajudar quem acha que não tem mais nada para se segurar.

Se você tem tido pensamentos suicidas, vontade de morrer ou de dormir e não acordar mais, saiba que você não está sozinho! Muitas pessoas passaram e passam pelo o que você está passando, e existe esperança! Você pode sair dessa! Se você sente vontade de falar com alguém e não tem ninguém próximo, agora, ligue para o 141 e um voluntário do CVV vai te ouvir. Você também pode falar com alguém por chat, Skype ou mesmo email, através do site: www.cvv.org.br. Falar é a melhor solução!

Bruno Rodrigues Ferreira é psicólogo e jornalista. Especialista em Educação e Tecnologia e Gestão em Saúde. Twitter: @ferreirarbruno

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