As disfunções da reforma administrativa da Universidade Estadual de Goiás
Neste terceiro artigo publicado pelo Portal 6, o professor doutor Severo volta a criticar a reforma administrativa em curso na instituição e desta vez apresenta argumentos para demonstrar que ela está sendo feita de forma disfuncional
A anedota popular sobre o indivíduo que ao chegar em casa encontra a esposa em um colóquio animado com o seu vizinho no sofá da sala. Em um rompante de ciúmes ele expulsa o vizinho de sua casa. E depois, noutro dia, como forma de atenuar sua decisão intempestiva, manda reformar o sofá como solução para resolver o seu problema de ciúme e agradar a esposa.
O correto seria dialogar para compreender o fato e não promover uma cena de ciúmes. O leitor deve estar se perguntando qual é a correlação entre a anedota e o contexto da reforma administrativa de UEG. Explico. Uso a metáfora da anedota para descrever o grau de disfunção organizacional que a reforma administrativa trouxe para estrutura e funcionamento da UEG.
As organizações são estruturas burocráticas com fundamentos no processo da legalidade, racionalidade e impessoalidade, pois, segundo sociólogo Max Weber, o modelo de gestão burocrático traz a previsibilidade dos acontecimentos e amplia o grau de eficiência.
É um modelo de gestão dito profissional, pois separa a propriedade (patrimônio) e a administração (gerenciamento do Patrimônio), ou seja, a organização burocrática será sempre administrada por profissionais preparados para o exercício de suas funções, alçado a seus cargos mediante um processo de merecimento. Mas, por outro lado, a defesa e manutenção da legitimidade da ação gerencial conduz a organização, a partir do seu corpo profissional, a estabelecer novas condicionantes em defesa de seus interesses corporativos.
Estes interesses corporativos se apresentam mediante uma simples criação de normas internas, com vistas a consolidar o legado normativo em defesa e a perenização do poder do agente(gestor) ou até a união de grupos gestores para estabelecer padrões de manutenção do poder decisório. Este fenômeno organizacional é denominado na literatura da ciência da administração com disfunções do sistema burocrático.
Na linguagem coloquial denominamos de burocracia.As reformas administrativas são instrumentos utilizados para promover ajustes na estrutura organizacional das Instituições governamentais ou empresarias com o objetivo de melhorar seu padrão de eficiência e eficácia gerencial.
Por outro lado, cabe ressaltar que reformas administrativas não podem ser conduzidas sob o contexto da “ciência do achologismo”. Prática muito comum baseada nas impressões pessoais e valorativas de grupos de interesses na organização, sem, entretanto, estabelecer uma fundamentação técnica sobre o fenômeno administrativo estudado.
Esta práxis é muito presente na administração pública, face o interesse difuso de forças políticas distintas em buscar exercer a influência, de forma direta ou indiretamente, na gestão da organização pública. Este fenômeno esteve presente em todas as reformas administrativas implementadas na UEG, nas últimas duas décadas.
As premissas para as reestruturações passadas foram a redução do custeio da máquina administrativa e a reorganização pedagógica e administrativa da Universidade. Todavia, para além dessas premissas, as reformas administrativas anteriores embutiram um forte viés político regional e local focados na manutenção do “status quo” em defesa da interiorização do ensino superior pela UEG.
A última reforma administrativa implementada pelo Reitor Interino Interventor, oriundo da carreira de procuradores do Estado, elaborada com aval da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, é a imagem refletida pelo espelho retrovisor das reformas anteriores. Com um agravante: trouxe mais disfunções organizacionais do que as anteriores.
Por outro lado, destaco o argumento falacioso nas práticas de reformas administrativas do Estado em renomear órgãos ou unidades administrativas como um fator de alavancar eficiência, mediante processo de centralização ou concentração de atribuições orgânicas e funcionais, sem, entretanto, estabelecer critérios lógicos do processo de redesenho organizacional.
A decisão se dá pela intenção do agente (gestor) baseados em pressupostos fracos administrativamente e não por uma análise baseada em estudos técnicos de estratégia de eficiência gerencial. Esta é a crítica principal a reforma administrativa implementada na UEG.
A comunidade acadêmica da Universidade não foi participe deste processo. Todo ele foi gestado pelo Reitor Interventor Interino, sob um segredo a sete chaves. Embora houvesse estudos técnicos desenvolvidos no âmbito da Universidade, também não se sabe se serviram como instrumento de análise desta reforma administrativa.
Mas a marca deste projeto foi o reagrupamento e transformação dos 41 Campus existente, em 8 Campus Regionais –Sede, e a subordinação hierárquica dos demais 33 Campus, em Unidades Universitárias, a um determinado Campus Regional-sede, de acordo com a sua situação geográfica.
Desvincula-se, então, subordinação hierárquica destes antigos Campus a Reitoria. Associado a esta mudança organizacional está a criação de 5 Institutos Acadêmicos por área de conhecimento. Neste contexto, as ações da gestão de ensino da graduação e pós-graduação foram centralizadas nos Campus Regionais, transformando os Coordenadores de Unidades Universitárias em mero gerenciador administrativo dos cursos sob sua responsabilidade.
Pois, o coordenador adjunto de curso a ele não mais se reporta, mas sim ao Instituto acadêmico da área de conhecimento ao qual se vincula. Há, portanto, uma dualidade de comando, fator de conflito gerencial. Desta forma, criou-se uma disfunção gerencial ao esvaziar a gestão pedagógica da Unidade Universitária e centralizá-la nos Institutos por área de conhecimento.
Questões referentes a operacionalidade dos cursos que eram resolvidos pelo coordenador de curso, no âmbito do colegiado de curso nos Campus descentralizados, ficaram dependentes da Coordenação Central do Instituto. Neste sentido, a pesquisa a qual coordeno sobre a reforma administrativa na UEG, pontua que na percepção de 75,2% da comunidade acadêmica, a reforma administrativa ao centralizar e vincular os antigos Campus (Unidades Universitárias na nova denominação) aos Campus Regionais contribuiu com o aumento da burocracia interna da UEG, ao criar novos níveis de subordinação intermediários de tomada de decisões quanto a operacionalização dos cursos.
E, para 72,3%, essa dualidade de comando (hierárquico ao coordenador da Unidade Universitária e funcional ao coordenador de Central do Instituto Acadêmico) apresenta-se com um fator gerador de conflito de gestão.
Concluindo. As evidências apontam que esta reforma administrativa não se difere das anteriores.
Todavia, cabe ressaltar que a análise de sucesso ou insucesso de uma reforma administrativa está sempre sob a perspectiva da visão e do viés político-ideológico de cada observador da sociedade. Portanto, aqui faço uso da anedota como metáfora para caracterizar a reforma administrativa gestada pela Reitoria Interina Interventora, classificando-a como uma reforma de sofá.
Embora se apresente com uma nova roupagem, mas ainda continua com a velha estrutura, gestada em decisão unilateral por meio de Resoluções Ad referendum. Ameniza o desconforto da impressão visual, mas a desconfiança sobre sua eficiência continua.
Ou seja, continuamos ainda com as mesmas práticas gerenciais jurássicas e miméticas. Portanto, é preciso aprimorar o nosso conceito de gestão. Temos que fazer uso de modernas técnicas gerenciais, por meio da inovação tecnológica, da inteligência artificial e a internet das coisas, de tal forma a promover uma revolução de gestão na Universidade.
Para avançar é necessário diálogo e participação da comunidade acadêmica para compreender essa nova realidade e propor e realizar mudanças de longo prazo. Neste sentido, uma Concertação Social envolvendo Governo, Sociedade Civil e a Comunidade Acadêmica representa o caminho da mudança, bem como a eleição do Reitor para o período de 2021-2024.
Francisco Alberto Severo de Almeida é professor da UEG, doutor em Administração pela FEA/USP e pós-doutor em Gestão da Informação pela Universidade do Porto- Portugal. Membro eleito do Conselho Universitário da UEG