Índia nega envio imediato de vacinas; governo admite fracasso na operação e requisita Coronavac
O governo da Índia negou a entrega imediata de um lote de imunizantes contra a Covid-19 da Oxford/AstraZeneca ao Brasil, o que frustrou uma operação montada para buscar o material no país asiático ainda neste fim de semana e deve resultar numa derrota política para o Palácio do Planalto.
Com o veto da Índia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) corre o risco de assistir o início da vacinação no Brasil com a Coronavac, que tem sido utilizada como trunfo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Na noite de quinta (14), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ligou para o chanceler da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, e fez um último apelo pela liberação de 2 milhões de vacinas produzidas pelo Serum Institute.
O lote seria um adiantamento do imunizante que posteriormente será produzido pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e que é a grande aposta do governo Bolsonaro na “guerra da vacina” travada com Doria.
No entanto, Araújo ouviu de seu homólogo que a situação só seria resolvida “nos próximos dias”, o que foi entendido no Itamaraty como uma sinalização de que não haverá liberação no prazo desejado pelo Brasil. Não houve compromisso com uma data específica.
O argumento do país asiático é que não é possível autorizar a transação enquanto não começar a campanha de vacinação na sua própria população.
A comunicação com o indiano frustrou os planos de Bolsonaro de enviar um avião à Índia buscar a carga.
A aeronave da Azul Linhas Aéreas está no Recife (PE) pronta para decolar, mas permanecerá em solo enquanto não houver luz verde de Nova Déli.
O telefonema de Araújo foi o segundo contato de alto nível que o Brasil fez com a Índia para tentar liberar a venda do lote. Na sexta (8), Bolsonaro enviou uma carta ao premiê indiano, Narendra Modi, pedindo urgência e ajuda para que a entrega fosse liberada.
O governo prometia a partida da aeronave para a noite desta sexta (15), com retorno previsto para o domingo (17).
Em entrevista à rede Bandeirantes, Bolsonaro admitiu que a operação Índia seria atrasada.
“Foi tudo acertado para disponibilizar 2 milhões de doses [da vacina Oxford/AstraZeneca]. Só que hoje, neste exato momento, está começando a vacinação na Índia, um país de 1,3 bilhão de habitantes. Então resolveu-se aí, não foi decisão nossa, atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá, porque lá também tem pressões políticas de um lado e de outro. Isso daí, no meu entender, daqui dois, três dias no máximo nosso avião vai partir e vai trazer essas 2 milhões de vacinas para cá”, afirmou o presidente.
Apesar da fala do mandatário, interlocutores ouvidos pela reportagem destacaram que não há como saber quando a Índia permitirá o envio das vacinas.
No mesmo dia da comunicação com a Índia, o Ministério da Saúde enviou ofício ao Instituto Butantan pedindo a entrega imediata de seis milhões de doses da Coronavac.
“Solicitamos os bons préstimos para disponibilizar a entrega imediata das seis milhões de doses importadas e que foram objeto do pedido de autorização de uso emergencial perante a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ressaltamos a urgência na imediata entrega do quantitativo contratado e acima mencionado, tendo em vista que este Ministério precisa fazer o devido loteamento para iniciar a logística de distribuição para todos os estados da federação de maneira simultânea e equitativa, conforme cronograma previsto no Plano Nacional de Operacionalização da vacinação contra a COVID-19, tão logo seja concedido a autorização pela agência reguladora, cuja decisão está prevista para domingo”, diz a nota enviada ao instituto.
Alvo de críticas por falta de organização e atraso, a vacinação no Brasil deve ter dois pilares: a Coronavac e a Oxford/AstraZeneca, que será fabricada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Ambas estão com seus pedidos de uso emergencial em análise pela Anvisa.
A Coronavac está no centro de uma disputa entre Bolsonaro e Doria que ficou conhecida como “guerra da vacina”. No ano passado, o presidente garantiu a apoiadores que não compraria a “vacina chinesa de João Doria” e disse que ela não passava segurança por sua “origem”.
No entanto, após reação de governadores, o Ministério da Saúde incluiu a Coronavac no plano nacional de vacinação e anunciou a compra de 100 milhões de doses.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, diz que o país tem garantidas 212 milhões de doses da Oxford/AstraZeneca.
A diferença é que ainda não há estoque da vacina da Fiocruz no Brasil, enquanto o Butantan conta com doses em quantidade significativa para ao menos iniciar a campanha de imunização.
O posicionamento das autoridades da Índia gerou decepção entre aliados de Bolsonaro, que preparavam uma estratégia para tentar mostrar liderança do governo federal no tema.
Estava sendo organizado um evento no Palácio do Planalto na próxima terça (19) em alusão ao começo da vacinação. Seria uma oportunidade para Bolsonaro rebater as críticas de que o governo federal cometeu erros no planejamento da vacinação contra a Covid-19.
Sem o lote de 2 milhões da Índia, a cerimônia foi desmarcada. No domingo, o Ministério da Saúde avaliava promover uma coletiva de imprensa na Fiocruz para celebrar a chegada das vacinas da Índia. O planejamento também foi abandonado.
Caso a Anvisa dê o aval para as duas vacinas, a expectativa do governo é desencadear a vacinação dos grupos prioritários em 20 de janeiro, mas a data foi colocada por assessores presidenciais antes do impasse com a Índia.
Publicamente, autoridades do governo federal têm dito que a vacina usada no início será a que primeiro tiver a certificação da Anvisa.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que aguarda aprovação, “por parte da Anvisa, de uma ou mais vacinas para poder anunciar a data oficial de início da vacinação no Brasil. Estima-se que a imunização começará até 5 dias após este aval”.