Congresso tira 50% da verba de Guedes, e pasta vê risco de paralisação das atividades
Valores ainda não consideram as chamadas emendas de relator, instrumento usado para distribuir recursos a parlamentares aliados do governo, que podem contemplar suas bases eleitorais
(FOLHAPRESS) – O ministro Paulo Guedes (Economia) foi o titular de pasta do governo Jair Bolsonaro (PL) que mais viu verbas encolherem durante a tramitação do Orçamento de 2022.
Para a equipe do Ministério da Economia, a tesourada de R$ 2,5 bilhões feita pelo Congresso pode comprometer atividades já neste primeiro semestre. Agora o time de Guedes tenta encontrar saídas para o problema.
A tesourada é vista por integrantes do próprio governo como uma retaliação do Congresso a Guedes, com quem o Legislativo tem uma relação turbulenta.
Em contraste, ministérios de aliados dos congressistas ou com ações que beneficiam redutos eleitorais –como Cidadania, Desenvolvimento Regional e Infraestrutura– tiveram aumento ou cortes marginais.
O corte na Economia foi de 52% em relação à proposta inicial do governo, caso desconsiderada a verba do Censo Demográfico –gasto extraordinário da Economia blindado por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ainda que o levantamento entrasse na conta, no entanto, a pasta continuaria sendo a mais prejudicada, com uma redução de 34%.
O clima na equipe econômica é de insatisfação com o relator-geral do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Relatos ouvidos pela reportagem afirmam que ele “pisou na bola” e que o governo terá de consertar o que são considerados erros enormes. O deputado foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos.
O ministério ainda está fazendo um levantamento detalhado sobre o impacto do corte e a partir de que mês os programas da pasta ficarão prejudicados.
O diagnóstico até agora é que as atividades podem ficar comprometidas por falta de recursos já a partir de maio caso nada seja feito.
Com exceção da verba do Censo –destinada ao IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística–, o corte de pouco mais de 50% atingiu todas as unidades orçamentárias do Ministério da Economia.
A Receita Federal, por exemplo, viu os recursos diminuírem de R$ 2,1 bilhões para R$ 1 bilhão, o que afeta diretamente a capacidade do órgão de manter sistemas em funcionamento.
O Fisco cuida da arrecadação federal e de uma série de fiscalizações sensíveis para o governo.
Os cortes na Receita e a ausência de verba para a regulamentação de um bônus de eficiência deflagraram entre auditores um movimento nacional de entrega de cargos e o plano de paralisação de atividades.
Internamente, um dos alertas mais contundentes vem da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) –órgão jurídico responsável por, entre outras atribuições, cobrar devedores da União.
A PGFN alerta que a falta de recursos pode paralisar atividades e fazer prescreverem créditos tributários a que a União tem direito. Além disso, pode impulsionar o volume de precatórios a serem pagos pelos cofres públicos.
O órgão havia pedido ao governo verba de R$ 504 milhões para as atividades de 2022, mas só teve R$ 430 milhões atendidos no texto enviado ao Congresso.
Posteriormente, os congressistas reduziram ainda mais o montante, para R$ 208 milhões –um corte de 51% em relação ao original.
Para a PGFN, caso o Orçamento para 2022 não seja revisto, há risco de interrupção dos serviços de tecnologia da informação a partir de maio.
A partir de junho, pode haver paralisação em contratos de manutenção, de procedimentos de cobrança, de emissões de certidões e de rotinas administrativas.
Outras áreas, porém, também estão com dificuldades. A verba para o controle do Orçamento público ficou igualmente comprometida.
O corte drástico nas dotações da Economia azedou ainda mais o clima entre a pasta de Guedes e o Congresso, cuja relação é marcada por rusgas.
O Orçamento de 2021, por exemplo, já havia sido palco de uma guerra por causa de cortes excessivos em despesas obrigatórias como benefícios previdenciários.
Guedes responsabilizou o Congresso pela maquiagem, e os parlamentares reagiram escancarando o suposto aval da Economia às mudanças.
A briga deixou uma cicatriz na relação, aprofundada por desentendimentos em torno dos rumos das reformas tributária, administrativa e da mudança no teto de gastos –regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação e que acabou flexibilizada.
Diante do cenário, a equipe econômica tem estudado alternativas para recompor ao menos parte dos valores.
Integrantes do governo ouvidos pela reportagem falam na possibilidade de Bolsonaro vetar mudanças feitas pelo Congresso, com o objetivo de restabelecer os valores mínimos necessários para a pasta.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não se manifestará sobre temas relacionados ao Orçamento de 2022 antes da sanção pelo presidente Bolsonaro.
Se de um lado a pasta de Guedes ficou na penúria, ministros aliados tiveram orçamentos preservados.
A Cidadania (comandada por João Roma, filiado ao partido do centrão Republicanos) já teve os gastos turbinados pelo Auxílio Brasil –substituto do Bolsa Família (rubrica considerada obrigatória no Orçamento)–, e recebeu mais R$ 2 bilhões em despesas discricionárias. Esse foi o ministério mais beneficiado pelos parlamentares.
O Ministério do Trabalho e Previdência, de Onyx Lorenzoni, por sua vez, recebeu incremento de R$ 1,1 bilhão.
Pastas que costumam receber atenção dos parlamentares, por abrigarem obras e outros investimentos, foram beneficiadas ou praticamente poupadas.
O Ministério da Infraestrutura, de Tarcísio de Freitas, recebeu um incremento de R$ 817,5 milhões, enquanto o Desenvolvimento Regional, de Rogério Marinho, teve um corte relativamente baixo, de R$ 171 milhões.
Os valores ainda não consideram as chamadas emendas de relator, instrumento usado para distribuir recursos a parlamentares aliados do governo, que podem contemplar suas bases eleitorais. Em geral, o MDR costuma ser um dos principais beneficiados por esse mecanismo.