Dona de café em Petrópolis destruído duas vezes em um mês relata experiência

"A gente ficou muito em choque. Foi pior dessa segunda vez. Não tenho mais condições psicológicas nem financeiras para continuar”

Folhapress Folhapress -

(UOL/FOLHAPRESS) – Bruna Dias Freitas, 28, desistiu de manter a sua cafeteria no Centro Histórico de Petrópolis (RJ) após ver o estabelecimento ser destruído pelas enchentes duas vezes em um pouco mais de um mês. A loja Inverno D’Itália, inaugurada em janeiro do ano passado, sofreu com as chuvas no dia 15 de fevereiro, que deixaram 234 mortos. Ela e o marido, José Augusto Dias, 38, juntaram forças e dinheiro para reinaugurarem o local no sábado (19), mas, no dia seguinte, a loja foi novamente devastada durante um novo temporal.

O casal decidiu fechar o ponto da franquia paulista na cidade, mas ainda têm esperanças de ver o próprio negócio crescer. “A gente ficou muito em choque. Foi pior dessa segunda vez. Não tenho mais condições psicológicas nem financeiras para continuar. Eu estou desmontando a loja, ainda um pouco desorientada e sem dinheiro, mas procurando por um ponto que não seja lugar de enchente”, contou ela à reportagem.

Além de empreendedora, Bruna também é funcionária pública e deixou o Rio de Janeiro, onde morava com o marido, em 2020, para tentar a sorte em Petrópolis. “Ele estava estudando para concurso há muitos anos. Com a pandemia, as provas começaram a parar e a gente pensou que não poderia ficar assim, precisávamos resolver a vida. Então começamos a procurar por franquias e encontramos a Inverno D’Itália, que ainda não tinha na cidade.”

Ela conta que decidiu abrir a loja na região serrana do Rio de Janeiro porque acreditava que a proposta da cafeteria cairia bem para os moradores. “Aqui é mais frio e pede um chocolate quente. Além disso, a gente queria fugir da violência do Rio”, diz. Bruna conta que nem ela nem o marido tinham experiência com negócios anteriormente e que foram aprendendo, estudando e trabalhando no próprio negócio.

Para fazer a mudança, Bruna e o marido venderam um apartamento na capital carioca, além do carro da mãe de José e ainda juntou as economias guardadas há anos para investir no novo negócio. “Chegamos em dezembro de 2020 e abrimos a loja em janeiro de 2021. Teve uma aceitação muito boa. Só que, logo no começo, começaram as lutas. A gente enfrentou restrições por conta da pandemia já em abril e tivemos que ficar fechados. Depois, a gente foi administrando, começando a ficar mais organizado”, relata.

Cerca de um ano após a inauguração oficial, veio a tempestade. “Naquele dia, tive um prejuízo de mais ou menos R$ 50 mil. O rio subiu muito rápido. Eu estava em casa, mas meu marido e outros funcionários estavam na loja, tentando subir as coisas para o estoque. O nível da água aumentou e ficaram 11 pessoas enfurnadas lá em cima, se questionando até se deveriam sair pelo telhado. A água não parava de subir e a correnteza era muito forte.”

Bruna acompanhou a situação pelas câmeras de segurança. Ela chegou a telefonar para a gerente da loja, com quem conversou rapidamente. “Ela estava chorando muito. Eu perguntei: vocês estão seguros aí? E ela disse: ‘Não, nós não estamos'”. Então perdi o contato total e começou a bater o desespero.”

No dia, o local ficou sem energia elétrica e Bruna não conseguiu mais acompanhar a situação pelas câmeras de segurança. “Eu só implorava pela vida deles. No início a perda da parte material impacta, mas quando você vê que pode perder o marido, as meninas que trabalhavam comigo, eu comecei a passar mal”, relata.

A rua onde mora Bruna também encheu, mas a água não invadiu a casa dela. No entanto, ela teve que esperar a chuva passar e o fluxo das enchentes diminuir para ver como estavam as pessoas na loja. “A correnteza estava muito alta. Eu fiquei num ponto que dava para ver a rua e enxergava carro boiando, sofá passando e o rio muito forte”.
Ela relatou ainda que todos conseguiram sair do estabelecimento com a água batendo na cintura. “Eu fui colocando todo mundo no carro e fomos embora. Meu marido, as funcionárias, os clientes. Fomos para casa, que estava sem luz.”

Após ver o prejuízo, Bruna não tinha certeza se conseguiria reabrir o negócio. “Mas então fizemos uma vaquinha, tivemos ajuda das pessoas e somamos o resto das economias. Foi tudo o que tínhamos. Conseguimos abrir com muita luta, refazer toda a obra elétrica, hidráulica em um mês para reinaugurar neste sábado (19)”. Bruna conta que, neste dia, sentiu esperança de ver o negócio decolar, já que houve muito movimento de clientes.

“Estávamos felizes. No domingo (20), eu fui reabrir à tarde e cheguei por volta das 14h15. Então, começou a chuva forte. Os funcionários foram para casa e eu fiz uma comporta reforçada e tranquei a porta. Peguei o meu carro e fui para o alto. No entanto, a parede que dividia a loja com a do meu vizinho é de drywall e ela estourou com a enchente. Aí já arrastou tudo. Foi uma perda pior, que eu estimo ter sido de R$ 70 mil.”

A história de Bruna, no entanto, é compartilhada por outros comerciantes da região. “Meus colegas estão todos saindo dali. A tendência é que fique um deserto”, afirma. Ela disse que solicitou um empréstimo emergencial, mas mesmo após um mês, não obteve retorno. “A população está revoltada. Tem protesto acontecendo por causa do descaso”, relata.

A vaquinha online criada para ajudar a reerguer os negócios ainda está ativa, já que o casal não possui mais economias para abrir um novo negócio. Ela arrecadou pouco mais de R$ 11 mil até agora, que foram utilizados na reinauguração. “Estamos conseguindo fazer a limpeza, mas não tem como devolver o ponto para o proprietário com reforma. Vai ter que ficar assim mesmo, sem parede.”

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Petrópolis e com a AgeRio para pedir informações sobre os empréstimos emergenciais, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O texto será atualizado assim que houver pronunciamento.

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