Reforma Tributária me oferece muleta após amputar perna, diz governador de Goiás

"Então, veja bem, vir isso aí como compensação é até uma piada", afirma governador

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Reforma Tributária me oferece muleta após amputar perna, diz governador de Goiás
Governador Ronaldo Caiado. (Foto: André Saddi)

JULIA CHAIB E THIAGO RESENDE

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), critica a proposta de Reforma Tributária sobre consumo que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e diz que vai buscar mudanças no Senado.

“Acho que lá, a nossa chance de derrubar o Conselho Federativo é muito forte”, diz à Folha. Para Caiado, a reforma vai se prejudicial para os estados e para o setor agrícola.

O governador ainda reclama da forma como a proposta foi apresentada para votação, sem passar por análises de comissões. Ele diz que o relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não deu transparência às diferentes versões do texto e não apresentou o rascunhos de lei complementar que precisará detalhar a Reforma Tributária.

Folha – O sr. vai buscar mudanças no Senado?

Ronaldo Caiado – Vou, sem dúvida alguma. Acho que até lá a discussão vai aflorar bastante. E com isso nós teremos a oportunidade de demonstrar o que acredito que, como dizem os mais jovens, “a ficha vai cair”. Como o Senado Federal representa os entes federados, têm essa prerrogativa. Acredito que eles não admitiriam de maneira nenhuma um Conselho Federativo que revoga a cláusula pétrea e retira a autonomia dos estados e dos municípios. Acho que lá, a nossa chance de derrubar o Conselho Federativo é muito forte.

Folha – Além desse, qual outro ponto preocupa mais o senhor nesse texto que foi aprovado?

Ronaldo Caiado – A essência, o principal, é esse assunto. Segundo ponto é que realmente as pessoas, ao invés de começarem uma reforma, eu acho que deveria ser votado aquele projeto de lei 3887 de 2020, que cria o CBS, do [ex-ministro da Economia] Paulo Guedes, depois nós faríamos o nosso ICMS com ISS. Acho que a maneira como a Câmara dos Deputados quis fazer [é ruim], ela tratou de todos os assuntos, não fez simulação de nenhum e lançou todos para a lei complementar.

Então, quer dizer, você dá todos os palpites num paciente mas não propõe nenhum tratamento. Você bota tudo para o próximo plantão. Ele não fez nenhuma simulação, repito, e também não apresentou, o que acho mais importante de tudo, que é a nota técnica da Receita Federal e do Ministério da Fazenda para dizer qual vai ser de verdade a alíquota neutra [do IVA, o Imposto sobre Valor Agregado a ser criado pela reforma a partir da fusão de outros]. Ele fala 25%, eu falo 35%. Então, ele devia ter colocado no texto lá: “não será acima de 25% a alíquota no país”.

Folha – O sr. já reclamou que a reforma prejudicará o agronegócio. O sr. mantém a posição?

Ronaldo Caiado – Sim, por uma coisa muito simples. Quando você tem uma alíquota de 35% e você diz que a incidência sobre os insumos será pela metade [dessa alíquota], todos os cálculos que foram feitos, quando ultrapassa 30% já atinge o setor, já passa a ter prejuízo. Até 25%, tudo bem, não ganha, não perde. Agora, com 35% ou com 30%, o setor já é perdedor. A carga tributária sobre todos, essa parte de insumos, ela será muito alta e as pessoas estão perto da dificuldade de continuar com o mesmo nível de aplicação de defensivos, adubos, sementes, essas coisas.

Folha – O relator inseriu um artigo que permite manter a cobrança de contribuição sobre produtos primários até 31 de dezembro de 2043, segundo ele a pedido de Goiás e outros estados. Isso vai permitir ao estado arrecadar mais do que já recolhe hoje?

Ronaldo Caiado – Ele retira de nós o FCO [Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste], que é três vezes maior do que esse fundo. Ele retira de nós o fundo de combate à pobreza, retira de nós o incentivo à cultura, chamado lei Goyazes e retira o fundo de arte e cultura.

Então, veja bem, vir isso aí como compensação é até uma piada. “Eu deixei com que o Fundo de Investimento permanecesse”. Mas você deixa um fundo permanecer e você tira FCO, que é o maior alavancador de investimento que nós temos na região, você tira fundo da cultura e da arte e tira o fundo de incentivo pela lei Goyazes.

Então, os desatinos são esses. “Ah, mas no artigo 20 tem isso aqui que você pode continuar a arrecadar”. Meu amigo, você está me tirando mais de R$ 3 bilhões do FCO, você está nos tirando toda essa política baseada nesse incentivo que eu dou para a empresa. O fundo de combate à pobreza: quer saber quanto tem hoje? R$ 3 bilhões. Toda política social do governo é feito por intermédio de arrecadação das empresas que são incentivadas.

Então é algo como “olha, eu vou amputar uma perna sua, mas lhe dar uma muleta”.

Folha – Qual sua avaliação sobre o processo de votação, de colocarem o texto final direto no plenário, de ter sido apresentado há dez dias.Como que o senhor viu isso?

Com muita estranheza. Porque a vida toda como deputado e senador que fui, existe um ritual que você tem que cumprir. São as normas de procedimento, é uma emenda à Constituição Brasileira.
Não pode ter texto inovado dentro do texto final que não tenha sido debatido dentro de comissão. Nunca vi isso na minha vida. Um texto, que não existe, ser lido e apresentado aos deputados e entrar em processo de votação. Não sei se cumpriu o regimento, como fazer emenda [sugestão de mudança no texto que passa por votação]? Iria emendar sobre o [texto] hipotético.

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