Justiça garante auxílio-doença para dona de casa por trabalho doméstico
Trabalhadora contribui como segurada facultativa do INSS desde 2014; em 2021 apresentou problemas na coluna lombar
CATARINA SCORTECCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal de Santa Catarina decidiu que uma dona de casa de 47 anos tem o direito de receber o auxílio-doença do INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social) por comprovar que não tem condições de exercer seu trabalho doméstico.
Com 2 votos a 1, a 2ª Turma Recursal de Santa Catarina decidiu que há direito ao benefício por incapacidade temporária pois prevaleceu o entendimento de que a atividade de cuidar da própria casa não é diferente das exercidas pelos demais trabalhadores domésticos protegidos pela Previdência Social.
A reportagem entrou em contato com o INSS nesta terça-feira (1º), mas não teve resposta até a publicação deste texto.
A trabalhadora contribui como segurada facultativa do INSS desde outubro de 2014 e, em agosto de 2021, apresentou problemas na coluna lombar (lombociatalgia por hérnia discal, com sinais de radiculopatia), conforme atestado por perito judicial.
O INSS negou seus pedidos administrativos para receber um benefício por incapacidade e, por isso, ela procurou a Justiça Federal.
Em outubro de 2022, o juiz federal Daniel Raupp rejeitou o pedido da segurada, com base em um laudo complementar do perito judicial. No documento, o perito aponta que ela estava apta para “exercer trabalhos no âmbito doméstico, em que as atividades podem ser desenvolvidas sem cobrança de horário e produtividade, respeitando suas limitações, conforme sua disposição e podendo receber auxílio de familiares”.
A mulher recorreu e, em 13 de julho de 2023, o juiz federal Selmar Saraiva da Silva Filho manteve a sentença desfavorável a ela. Mas, quando o caso foi analisado pelo colegiado, a maioria votou a favor da trabalhadora.
A divergência foi aberta pelo juiz federal Jairo Gilberto Schäfer, que defendeu a aplicação do Protocolo de Perspectiva de Gênero do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ele foi seguido pela juíza federal Gabriela Pietsch Serafin.
Segundo o CNJ, o protocolo orienta magistrados para julgamentos de casos envolvendo mulheres. O objetivo é evitar avaliações baseadas em estereótipos e preconceitos existentes na sociedade.
“Apesar da conclusão pericial no laudo complementar, compreendo que o exercício de funções de dona de casa não se limita a atribuições leves e de menor comprometimento físico. Ainda que a trabalhadora nessas circunstâncias tenha maior flexibilidade e liberdade para gerenciar o tempo e organizar suas tarefas, é certo que seu exercício exige plena capacidade de trabalho, à igualdade daquela presente no exercício das demais funções similares protegidas pela seguridade social (empregado doméstico etc.), não sendo legítima desqualificação baseada em estereótipos de gênero, os quais vulneram os direitos fundamentais como um todo”, escreveu Schäfer, em seu voto.
Trecho da obra “Julgamento com perspectiva de gênero: um guia para o direito previdenciário”, de Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves, também foi citado por Schäfer em seu voto: “não reconhecer a incapacidade de uma mulher, ou reconhecê-la apenas de maneira parcial, em razão de ela poder ainda desempenhar atividades relacionadas à reprodução social, como afazeres domésticos, caracteriza uma mensagem atentatória aos preceitos de igualdade tanto em sua dimensão de inclusão quanto de equidade”.