Amplamente adotado, fumacê tem eficácia questionada e pode fazer mal à saúde

Estudos apontam riscos associados ao contato com inseticidas; Ministério da Saúde e Anvisa afirmam que são seguros

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Ação de nebulização (fumacê) contra o mosquito da dengue na Santa Ifigênia, região central de São Paulo. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)Amplamente adotado, fumacê tem eficácia questionada e pode fazer mal à saúde
Ação de nebulização (fumacê) contra o mosquito da dengue na Santa Ifigênia, região central de São Paulo. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)

LUANA LISBOA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estratégia amplamente adotada por prefeituras e governos dos estados para o combate à dengue, o fumacê contém substâncias que fazem mal à saúde e tem eficácia questionada por especialistas.

Repassados às gestões pelo Ministério da Saúde para uso em surtos e epidemias de arboviroses, o fumacê geralmente utiliza um inseticida formulado a partir da associação dos químicos imidacloprida e praletrina, substâncias classificadas como neonicotinoide e piretroide, respectivamente.

Os neonicotinoides, usados também na agricultura, são proibidos na União Europeia desde 2018. O composto leva à interrupção dos estímulos nervosos nos insetos e é associado ao declínio global das abelhas.

Com composição semelhante à da nicotina, o contato constante com a imidacloprida é associado a casos de intoxicação e a sintomas como vômitos, falta de ar e tontura, de acordo com o Centro de Informações Nacional de Pesticidas dos Estados Unidos.

Um estudo de caso publicado no Indian Journal of Critical Care Medicine, da Sociedade Indiana de Medicina de Cuidados Intensivos, aponta que a substância já foi utilizada para tentativa de suicídio. Ao ingerir uma quantidade da imidacloprida, o paciente teve hipocalemia (baixo nível de potássio), depressão do sistema nervoso central e parada respiratória.

Para a médica do trabalho Lia Giraldo, coordenadora do grupo temático de saúde e ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a aplicação de produtos usados na agricultura para o controle do vetor de arboviroses –o mosquito Aedes aegypti– é feita sem análise do impacto na saúde humana.

“Temos um grave problema de regulação, controle e fiscalização. É muito interessante quando a saúde pública toma emprestado produtos que foram feitos com outro objetivo”, diz.

“Os mosquitos têm uma adaptação do ponto de vista ecológico, têm uma vida curta e por isso têm uma robustez biológica. Eles criam resistência. Vamos criando novos venenos e nós, que vivemos mais tempo que o mosquito, adoecemos e ficamos mais vulneráveis a infecções”, observa.

De acordo com estudo feito em 2021 por pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), os efeitos à saúde devido à exposição a pesticidas não dependem apenas da toxicidade dos ingredientes ativos, mas também da quantidade do produto absorvido e do tempo de exposição. Eles podem ser agudos (de manifestação rápida) ou crônicos (que aparecem após exposições repetidas a pequenas quantidades dos pesticidas por um longo período).

O Ministério da Saúde recomenda ainda adulticida composto por clotianidina e deltametrina — neonicotinoide e piretroide, respectivamente — para aplicação em pontos estratégicos como cemitérios e borracharias, e em locais de grande circulação de pessoas, como escolas, centros de saúde, igrejas e rodoviárias.

A deltametrina tem a eficácia questionada pela resistência que os mosquitos Aedes aegypti registram à substância no Brasil, segundo estudo de 2019 do Instituto Oswaldo Cruz. A pesquisa fez uma análise entre os anos de 1985 e 2017 em todo o país, e encontrou uma resistência geral do Aedes, com variação em algumas regiões brasileiras.

Para uma das autoras o estudo, a bióloga Denise Valle, o controle do vetor não pode ser apenas químico.

“Se você dá grande importância a inseticidas em vez de eliminar os focos do mosquito, ou seja, se você prioriza o controle químico, então vai matar os indivíduos suscetíveis, deixar os resistentes e, ao longo do tempo, vai haver uma frequência gigante de indivíduos com resistência. A médio e a longo prazo, isso não vai funcionar mais”, diz.

Foi o que aconteceu com o malathion, organofosforado que, até há alguns anos, era utilizado pelo Ministério da Saúde, segundo Lia Giraldo. O agrotóxico foi amplamente utilizado pelo mundo em programas de controle de arboviroses e, em 2015, foi classificado pela Iarc (Agência Internacional para Pesquisas em Câncer) como provável agente carcinogênico para seres humanos.

Liberados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os produtos usados em campanhas de saúde pública para o controle de vetores e pragas são enquadrados como saneantes da categoria desinfestante.

Segundo o Ministério da Saúde, o fumacê só é utilizado em situações emergenciais, como epidemias. Quanto às quantidades para evitar a intoxicação humana, a pasta informou que publica notas técnicas com as recomendações apropriadas, de acordo com a Ficha de Informações de Segurança do Produto Químico (FISPQ) de cada inseticida, e realiza treinamento de profissionais responsáveis pela aplicação dos compostos.

“As quantidades e concentrações são calculadas com base em diretrizes e recomendações de saúde pública para garantir a eficácia do controle do vetor, ao mesmo tempo em que minimizam o risco para a população”, diz em nota.

A Anvisa informou que os produtos com indicação de aplicação por fumacê passaram por avaliação técnica para comprovação da eficácia contra os insetos alvos e da segurança para a saúde das pessoas potencialmente expostas, desde que observadas as instruções e advertências constantes da rotulagem.

Segundo o órgão, o fumacê é efetivo contra os insetos adultos, em especial quando aplicado nos períodos do nascer e do pôr do sol, momentos em que o inseto está mais ativo.

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