Mãe que viveu inferno na Santa Casa de Anápolis busca reparação na Justiça
Diagnóstico equivocado angústias que não foram mitigadas com protocolos adequados no hospital


Na madrugada de 16 de novembro de 2024, uma gestante de 22 anos deu entrada na Santa Casa de Anápolis para dar à luz ao bebê que não queria mais esperar.
Após nove meses de gestação, com o pré-natal realizado na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Setor Tropical, faltava apenas o parto para confirmar o que os exames já indicavam: tanto a mãe quanto o bebê estavam saudáveis. Mas isso não se confirmou.
Durante as últimas verificações, um teste rápido de HIV alterou completamente o cenário. O resultado positivo, até então inédito, frustrou o sonho do parto natural, da amamentação e de uma vida tranquila em família.
A partir desse momento, ela passou a enfrentar um pesadelo que nunca imaginou. As relações com o parceiro, a filha e os familiares foram profundamente abaladas.
Exposição no hospital e impacto familiar
Além dos protocolos médicos aplicados — alguns, segundo ela, de forma indevida —, a mãe relatou ter sido exposta diante de outras pacientes como “aquela que espera o resultado do exame de HIV”. Isso teria ocorrido durante os cinco dias de internação, após o parto.
“Foi terrível. Sempre que entravam na sala, onde havia outras três ou quatro mulheres, falavam em voz alta que eu aguardava o exame de confirmação do HIV. Eu me sentia muito envergonhada”, relatou.
Ela também enfrentou desconfiança por parte do namorado, perdeu o vínculo da amamentação, foi submetida a coquetéis medicamentosos — assim como a recém-nascida — e viu sua intimidade exposta. A situação causou crises de ansiedade generalizada e problemas financeiros.
Em entrevista ao Portal 6, a jovem — que preferiu não se identificar — contou ter mantido segredo da situação perante a mãe e a avó, que vivem em Natal (RN). Ela se mudou para Goiás em busca de oportunidades e melhor acesso à saúde.
“Não tive coragem de contar o que havia acontecido. Senti vergonha. Quando perguntavam por que eu ainda estava internada, respondia que aguardava exames. Minha avó perguntava quais, e eu dizia que não sabia”, desabafou.
Impedimento do parto normal e omissão de resultado
Como chegou à unidade com três centímetros de dilatação, evoluindo depois para sete, o parto normal já estava encaminhado. No entanto, ele foi suspenso em razão do resultado do teste, levando à realização de uma cesariana de urgência.
O quadro piorou com a retenção de um exame de sangue anterior, realizado pela própria Santa Casa, que teria negado a presença do vírus HIV — tornando todo o sofrimento e os procedimentos adotados até então desnecessários.
O Portal 6 teve acesso ao prontuário médico completo, com mais de 150 páginas detalhando cada exame e ação do hospital. Conforme o documento, o resultado do teste de sangue — considerado mais confiável que o rápido — já estava disponível antes mesmo da alta hospitalar, concedida em 20 de novembro.
Ainda assim, ela deixou a unidade apenas no dia 21, em uso de medicação antirretroviral e tendo de adquirir fórmulas para alimentar a filha. A confirmação de que o exame era negativo só foi feita em 5 de dezembro.
Agonia pelo resultado e despesas acumuladas
Durante esse período, a mãe fez várias ligações e enviou e-mails ao hospital em busca do laudo oficial. A entrega, porém, ocorreu apenas de forma presencial. E houve outra falha: o caderno de registro da retirada do exame foi preenchido sem data, diferentemente dos demais registros constantes no documento.

Exame foi entregue, mas, diferente do protocolo habitual, não teve a data da retirada registrada no caderno, mesmo com os casos anterior e seguinte devidamente datados. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cada ligação, e-mail e ida à unidade representavam mais um dia de sofrimento e apreensão para ela e toda a família. O pai da criança, naturalmente desconfiado com a situação, também realizou um exame de HIV. O resultado negativo gerou novo abalo na relação familiar.
A retenção do laudo, por cerca de 16 dias após a data em que já deveria ter sido liberado, resultou na interrupção da produção de leite materno. A mãe teve de recorrer às fórmulas infantis para alimentar a filha — um gasto extra que comprometeu ainda mais o orçamento da família.
“Pesou muito no bolso. Só neste mês de janeiro, que ainda nem acabou, comprei quatro latas. Cada uma custa R$ 65”, relatou, explicando que o casal vive com uma única renda e, mensalmente, precisa desembolsar R$ 260 com algo que deveria ser gratuito e mais nutritivo: o leite materno.
Sempre que se lembra da amamentação e do vínculo com a filha que lhe foi negado, ela se emociona.
“Eu não me sinto mãe”, desabafa.
Quase sempre que olha para a filha, chora por não vivenciar esse elo tão precioso e poderoso entre mãe e bebê.
Linha do tempo após o inferno vivido na Santa Casa
- Maio de 2024 – Descoberta da gravidez, um dia após o dia das Mães, ainda em Natal (RN), já com 16 semanas.
- Junho de 2024 – Chegada em Anápolis, buscando melhores oportunidades de trabalho e uma rede de saúde com mais qualidade.
- Junho até Novembro de 2024 – Acompanhamento pela UBS do Setor Tropical, com exames do primeiro e segundo trimestre da gravidez feitos de uma só vez.
- 16 de Novembro de 2024 – Começo das contrações e ida para a Santa Casa, durante a madrugada.
- 20 de Novembro de 2024 – Suposta data da emissão do resultado do exame de sangue, que desmentiria o falso positivo.
- 21 de Novembro de 2024 – Recebe alta hospitalar, após cinco dias internada sem o devido sigilo
- 05 de Dezembro de 2024 – Entrega do exame de sangue para a confirmação da negativa para o vírus HIV.
- Janeiro de 2025 – Sem poder amamentar e gastando com fórmulas, ela decide buscar ajuda e consulta advogados.
- Fevereiro de 2025 – Processo judicial é elaborado, buscando as devidas compensações pelo ocorrido.

Fachada da Santa Casa. (Foto: Bruno Velasco / Divulgação)
Advogados entram em ação
Frente às dificuldades enfrentadas pela jovem, que devem seguir afetando a vida dela e do bebê pelo resto da vida, uma equipe de advogados assumiu a defesa. Ao Portal 6, o advogado Pedro Almeida revelou como encontrou a vítima e tratou dos próximos passos nessa difícil jornada.
“Nós recebemos a jovem muito fragilizada pela situação. Com isso, vamos adotar todas as medidas jurídicas cabíveis. Por óbvio, não conseguiremos reparar ela na amamentação, que é uma das partes mais importantes da relação mãe e filho”, destacou.

Advogado Pedro Almeida falou sobre o caso, em entrevista ao Portal 6. (Foto: Portal 6)
Assim, ele frisou que irá buscar as reparações na forma cível e material, e reforçou que a ação também será ajuizada com o intuito de garantir que outras mães não passem pela mesma situação. Nas palavras dele, “a forma como ela foi tratada, o desprezo e o descaso, não pode se repetir com nenhuma outra mãe, jamais”, finalizou.
A reportagem pediu uma posição para Santa Casa e foi informada que, oficialmente, a unidade ainda não foi juridicamente acionada. A gestão reiterou que, assim que o caso for recebido pelo jurídico, vão levantar o prontuário e falar com os profissionais para formalizar uma versão oficial do caso.
Nota 10
Para o Governo de Goiás, pela restauração do Palácio das Esmeraldas, joia arquitetônica da capital construída na década de 1930.
Nota Zero
Para o suspeito de ter socado uma motorista de aplicativo em Goiânia, que teve a residência alvo de protestos por integrantes da categoria.