Mãe que viveu inferno na Santa Casa de Anápolis busca reparação na Justiça

Diagnóstico equivocado angústias que não foram mitigadas com protocolos adequados no hospital

Samuel Leão Samuel Leão -
Mãe que viveu inferno na Santa Casa de Anápolis busca reparação na Justiça
Mãe concedeu entrevista exclusiva ao Portal 6. (Foto: Portal 6)

Na madrugada de 16 de novembro de 2024, uma gestante de 22 anos deu entrada na Santa Casa de Anápolis para dar à luz ao bebê que não queria mais esperar.

Após nove meses de gestação, com o pré-natal realizado na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Setor Tropical, faltava apenas o parto para confirmar o que os exames já indicavam: tanto a mãe quanto o bebê estavam saudáveis. Mas isso não se confirmou.

Durante as últimas verificações, um teste rápido de HIV alterou completamente o cenário. O resultado positivo, até então inédito, frustrou o sonho do parto natural, da amamentação e de uma vida tranquila em família.

A partir desse momento, ela passou a enfrentar um pesadelo que nunca imaginou. As relações com o parceiro, a filha e os familiares foram profundamente abaladas.

Exposição no hospital e impacto familiar

Além dos protocolos médicos aplicados — alguns, segundo ela, de forma indevida —, a mãe relatou ter sido exposta diante de outras pacientes como “aquela que espera o resultado do exame de HIV”. Isso teria ocorrido durante os cinco dias de internação, após o parto.

“Foi terrível. Sempre que entravam na sala, onde havia outras três ou quatro mulheres, falavam em voz alta que eu aguardava o exame de confirmação do HIV. Eu me sentia muito envergonhada”, relatou.

Ela também enfrentou desconfiança por parte do namorado, perdeu o vínculo da amamentação, foi submetida a coquetéis medicamentosos — assim como a recém-nascida — e viu sua intimidade exposta. A situação causou crises de ansiedade generalizada e problemas financeiros.

Em entrevista ao Portal 6, a jovem — que preferiu não se identificar — contou ter mantido segredo da situação perante a mãe e a avó, que vivem em Natal (RN). Ela se mudou para Goiás em busca de oportunidades e melhor acesso à saúde.

“Não tive coragem de contar o que havia acontecido. Senti vergonha. Quando perguntavam por que eu ainda estava internada, respondia que aguardava exames. Minha avó perguntava quais, e eu dizia que não sabia”, desabafou.

Impedimento do parto normal e omissão de resultado

Como chegou à unidade com três centímetros de dilatação, evoluindo depois para sete, o parto normal já estava encaminhado. No entanto, ele foi suspenso em razão do resultado do teste, levando à realização de uma cesariana de urgência.

O quadro piorou com a retenção de um exame de sangue anterior, realizado pela própria Santa Casa, que teria negado a presença do vírus HIV — tornando todo o sofrimento e os procedimentos adotados até então desnecessários.

O Portal 6 teve acesso ao prontuário médico completo, com mais de 150 páginas detalhando cada exame e ação do hospital. Conforme o documento, o resultado do teste de sangue — considerado mais confiável que o rápido — já estava disponível antes mesmo da alta hospitalar, concedida em 20 de novembro.

Ainda assim, ela deixou a unidade apenas no dia 21, em uso de medicação antirretroviral e tendo de adquirir fórmulas para alimentar a filha. A confirmação de que o exame era negativo só foi feita em 5 de dezembro.

Agonia pelo resultado e despesas acumuladas

Durante esse período, a mãe fez várias ligações e enviou e-mails ao hospital em busca do laudo oficial. A entrega, porém, ocorreu apenas de forma presencial. E houve outra falha: o caderno de registro da retirada do exame foi preenchido sem data, diferentemente dos demais registros constantes no documento.

Exame foi entregue, mas, diferente do protocolo habitual, não teve a data da retirada registrada no caderno, mesmo com os casos anterior e seguinte devidamente datados. (Foto: Arquivo Pessoal)

Cada ligação, e-mail e ida à unidade representavam mais um dia de sofrimento e apreensão para ela e toda a família. O pai da criança, naturalmente desconfiado com a situação, também realizou um exame de HIV. O resultado negativo gerou novo abalo na relação familiar.

A retenção do laudo, por cerca de 16 dias após a data em que já deveria ter sido liberado, resultou na interrupção da produção de leite materno. A mãe teve de recorrer às fórmulas infantis para alimentar a filha — um gasto extra que comprometeu ainda mais o orçamento da família.

“Pesou muito no bolso. Só neste mês de janeiro, que ainda nem acabou, comprei quatro latas. Cada uma custa R$ 65”, relatou, explicando que o casal vive com uma única renda e, mensalmente, precisa desembolsar R$ 260 com algo que deveria ser gratuito e mais nutritivo: o leite materno.

Sempre que se lembra da amamentação e do vínculo com a filha que lhe foi negado, ela se emociona.

“Eu não me sinto mãe”, desabafa.

Quase sempre que olha para a filha, chora por não vivenciar esse elo tão precioso e poderoso entre mãe e bebê.

Linha do tempo após o inferno vivido na Santa Casa

  • Maio de 2024 – Descoberta da gravidez, um dia após o dia das Mães, ainda em Natal (RN), já com 16 semanas.
  • Junho de 2024 – Chegada em Anápolis, buscando melhores oportunidades de trabalho e uma rede de saúde com mais qualidade.
  • Junho até Novembro de 2024 – Acompanhamento pela UBS do Setor Tropical, com exames do primeiro e segundo trimestre da gravidez feitos de uma só vez.
  • 16 de Novembro de 2024 – Começo das contrações e ida para a Santa Casa, durante a madrugada.
  • 20 de Novembro de 2024 – Suposta data da emissão do resultado do exame de sangue, que desmentiria o falso positivo.
  • 21 de Novembro de 2024 – Recebe alta hospitalar, após cinco dias internada sem o devido sigilo
  • 05 de Dezembro de 2024 – Entrega do exame de sangue para a confirmação da negativa para o vírus HIV.
  • Janeiro de 2025 – Sem poder amamentar e gastando com fórmulas, ela decide buscar ajuda e consulta advogados.
  • Fevereiro de 2025 – Processo judicial é elaborado, buscando as devidas compensações pelo ocorrido.

Fachada da Santa Casa. (Foto: Bruno Velasco / Divulgação)

Advogados entram em ação

Frente às dificuldades enfrentadas pela jovem, que devem seguir afetando a vida dela e do bebê pelo resto da vida, uma equipe de advogados assumiu a defesa. Ao Portal 6, o advogado Pedro Almeida revelou como encontrou a vítima e tratou dos próximos passos nessa difícil jornada.

“Nós recebemos a jovem muito fragilizada pela situação. Com isso, vamos adotar todas as medidas jurídicas cabíveis. Por óbvio, não conseguiremos reparar ela na amamentação, que é uma das partes mais importantes da relação mãe e filho”, destacou.

Advogado Pedro Almeida falou sobre o caso, em entrevista ao Portal 6. (Foto: Portal 6) 

Assim, ele frisou que irá buscar as reparações na forma cível e material, e reforçou que a ação também será ajuizada com o intuito de garantir que outras mães não passem pela mesma situação. Nas palavras dele, “a forma como ela foi tratada, o desprezo e o descaso, não pode se repetir com nenhuma outra mãe, jamais”, finalizou.

A reportagem pediu uma posição para Santa Casa e foi informada que, oficialmente, a unidade ainda não foi juridicamente acionada. A gestão reiterou que, assim que o caso for recebido pelo jurídico, vão levantar o prontuário e falar com os profissionais para formalizar uma versão oficial do caso.

Nota 10 

Para o Governo de Goiás, pela restauração do Palácio das Esmeraldas, joia arquitetônica da capital construída na década de 1930.

Nota Zero

Para o suspeito de ter socado uma motorista de aplicativo em Goiânia, que teve a residência alvo de protestos por integrantes da categoria.

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