O que significa “num guento não”? Expressão goiana deixa até mineiro confuso

Popular em Goiás, a frase mistura sentimento, exagero e identidade, e carrega muito mais do que parece

Anna Júlia Steckelberg Anna Júlia Steckelberg -
O que significa “num guento não”? Expressão goiana deixa até mineiro confuso
Arroz com pequi, prato clássico da culinária goiana. (Foto: Reprodução)

Se tem uma coisa que o goiano sabe fazer bem é transformar o sentimento em palavra, – e, às vezes, em palavra só dele. A expressão “num guento não”, por exemplo, é um desses tesouros da linguagem regional que entrega emoção pura e crua, com sotaque, ritmo e identidade.

Quem é de fora pode até estranhar. Mineiro, paulista ou baiano ouve e fica meio perdido. Mas, para o goiano, o sentido é cristalino: é intensidade demais para ser contida.

Antes de entender a origem da frase, é preciso mergulhar no contexto cultural e linguístico do Centro-Oeste. A língua falada em Goiás é resultado de séculos de encontros, entre indígenas, bandeirantes paulistas, migrantes do Sudeste e do Nordeste, e trabalhadores rurais que moldaram o estado entre chapadas e plantações de pequi. A mistura produziu um vocabulário particular, marcado por sons arrastados, diminutivos carinhosos e expressões que beiram a poesia popular.

É nesse cenário que surge o famoso “num guento não”. Uma espécie de grito do coração goiano, a expressão tem força de interjeição e costuma aparecer nas mais diversas situações: diante de algo muito engraçado, muito bonito, muito fofo, muito gostoso, ou tudo isso junto.

O que significa “num guento não”? Expressão goiana deixa até mineiro confuso

Imagine a cena: uma criança fazendo gracinha, um prato de arroz com pequi recém-chegado à mesa, uma piada boa demais no grupo da família. O goiano observa, sorri, coloca a mão no peito e solta: “Num guento não!”. É quase um desabafo. Uma forma de dizer que aquilo ultrapassou o limite do que se consegue suportar emocionalmente.

A origem gramatical da frase é uma variação oral e informal de “não aguento, não”. Na fala regional, o “não” vira “num” (numa adaptação fonética comum no sertão brasileiro), e o “aguento” perde o “a” inicial, como em outras palavras do dia a dia, caso de “esqueceu” que vira “squeceu”, ou “a gente” que se transforma em “nóis”.

Mas reduzir “num guento não” a uma simples contração seria injusto. A expressão carrega um traço afetivo do modo de falar goiano: direto, exagerado, espontâneo. Ela diz muito sem precisar de explicação. Tem algo de humor, de doçura, de espanto, às vezes tudo junto.

Tanto é que, em redes sociais e vídeos virais, é comum encontrar pessoas de outras regiões tentando imitar o jeitinho de dizer “num guento não”, mas quase sempre sem captar a entonação exata. Porque não é só a palavra: é o contexto, o tom, o sentimento. É o Goiás que fala pela boca de quem sente.

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Anna Júlia Steckelberg

Anna Júlia Steckelberg

Estudante de jornalismo na Universidade Federal de Goiás e redatora do Portal 6 desde 2021.

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