Funcionária vítima de vídeo racista em farmácia é indenizada
Caso aconteceu em 2018 e viralizou nas redes sociais após vítima postar nesta semana o vídeo gravado na época

BÁRBARA MARQUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A rede de farmácias Raia Drogasil foi condenada a indenizar em R$ 56 mil uma ex-funcionária que foi alvo de ofensas racistas no seu primeiro dia de trabalho. O caso aconteceu em 2018, em um estabelecimento em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, e viralizou nas redes sociais após a vítima postar nesta semana o vídeo gravado na época para apresentá-la aos colegas de trabalho.
No vídeo, uma farmacêutica apresenta Noemi Ferrari dizendo que ela estava “escurecendo a loja”. “Essa daqui é a Noemi, nossa nova colaboradora. Fala um ‘oi’, querida. Tá escurecendo a nossa loja? Tá escurecendo. Acabou a cota, tá? Negrinho não entra mais”, diz a mulher aos risos.
O Conselho Federal de Farmácia repostou o vídeo nas redes sociais com uma nota de repúdio em que reforça que racismo é crime e deve ser denunciado.
“Rejeitamos com firmeza qualquer manifestação de racismo ou preconceito. Atitudes como essa são intoleráveis e não têm lugar em nossa sociedade, muito menos no ambiente farmacêutico. A ética, o respeito e a dignidade humana são valores inegociáveis na profissão”, escreveu o presidente Walter Jorge João.
A farmacêutica responsável pelas ofensas tinha um cargo maior que o da vítima. A gerente da loja também participou da gravação, incentivando a funcionária a fazer perguntas a Noemi, que aparenta desconforto. Hoje, a ex-funcionária trabalha como assistente administrativa em um hospital em São Caetano.
Em nota, a RD Saúde lamentou profundamente o episódio ocorrido em 2018 e reiterou o compromisso com o respeito, diversidade e inclusão.
A rede afirmou que tem investido de forma consistente no desenvolvimento de carreiras e iniciativas de promoção e de equidade racial, e destacou que atualmente tem 50% dos cargos de liderança ocupados por pessoas negras.
“Lembro que no dia fiquei sem reação, em choque”, diz Noemi. “Eu era muito nova, muito ingênua. Tinha 18 anos, foi um dos meus primeiros empregos e precisava trabalhar. Fui para o banheiro, dei uma choradinha, joguei uma água no rosto e no outro dia estava ali de novo.”
No vídeo, a farmacêutica também lista as tarefas que Noemi terá que fazer no novo serviço, como administrar o caixa, tirar o lixo e passar pano no chão. A gravação foi compartilhada em dois grupos de WhatsApp em dois momentos diferentes.
A primeira vez foi logo após a gravação, quando Noemi começou a trabalhar na rede como operadora de caixa. Ela permaneceu nesse cargo por um período de oito a dez meses antes de ser transferida como balconista para uma outra unidade em Santo André.
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Quando Noemi foi promovida a supervisora em outra loja em São Caetano, a gerente da primeira unidade divulgou o vídeo novamente.
“Ela jogou no grupo dos meus funcionários: ‘olha a supervisora de vocês quando entrou na empresa'”, lembra. “Eu estava construindo casa, pagando casamento. Foi um turbilhão de coisas, vi que não podia largar [o emprego] naquela hora. Fiquei desesperada”, diz Noemi.
A funcionária ficou até 2022 trabalhando na rede Raia Drogasil, quando foi mandada embora após pedir transferência para uma nova unidade. Segundo Noemi, ela foi mais uma vez perseguida por um superior no ambiente de trabalho.
A demissão motivou a busca pelos direitos trabalhistas. Orientada pelos advogados Marcelo Alba e Daniela Calvo Alba, Noemi também entrou com uma ação por danos morais. Na época, ela optou por não entrar com um processo criminal por racismo, mas hoje ela diz considerar a possibilidade.
Mesmo após ganhar a causa na Justiça e receber a indenização, Noemi diz que continuou a ser alvo de piadas por parte das ex-colegas. “Elas fizeram umas piadinhas quando eu passei em frente à loja na segunda-feira. Olhavam para mim, davam risada, apontavam”, diz.
Foi após esse episódio que Noemi decidiu divulgar o vídeo nas redes sociais.
A farmacêutica confessou a autoria do vídeo, e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região desconsiderou o argumento de que o episódio teria sido uma brincadeira, como alegou a defesa das rés.
De acordo com a sentença assinada pela juíza Rosa Fatorelli, o caso de Noemi demandou análise sob a perspectiva dos conceitos de racismo estrutural e recreativo, incompatíveis com direitos humanos e fundamentais.
A juíza Erotilde Minharro reiterou que o “racismo recreativo é tão ofensivo quanto qualquer outra prática discriminatória” e que a responsabilidade do empregador é clara, especialmente quando as ofensas vêm de superiores.
A empresa foi responsabilizada pela omissão em zelar por um ambiente de trabalho adequado, onde, conforme a Justiça, Noemi também realizava turnos mais extensos do que os registrados no ponto eletrônico.