Leia na íntegra carta de irmão de motorista da Urban morto após ter 80% do corpo carbonizado
Portal 6 teve acesso à integra do documento, que foi lido durante júri realizado nesta quinta-feira (25)

O Portal 6 teve acesso a uma carta, escrita por Átilla Barboza dos Santos, irmão de Wallison Barboza dos Santos, morto após Rosimeire Araújo Lima atear fogo nele, em setembro de 2021.
O documento, assinado no último domingo (21), foi redigido na Irlanda – país onde Átilla vive atualmente – e lido durante a sessão do Tribunal do Júri que culminou na condenação da autora à internação compulsória em um hospital psiquiátrico.
No texto, o irmão da vítima afirma que Wallison não teve qualquer chance de defesa, tendo em vista que ele ficou preso no sistema de segurança do ônibus.
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Átilla descreveu todos os esforços da família para conseguir salvar a vida do motorista. Porém, 11 dias depois ele faleceu. “Meu único consolo foi saber que ele não sentiria mais dores ou sofrimentos”, destacou.
Apesar de todo o sofrimento causado pela ação de Rosimeire, o irmão afirma que a perdoa, em um gesto de humanidade.
“Gostaria de dizer à Ré, que sobre uma doença psicológica (esquizofrenia), que está perdoada por mim. E espero que a Justiça seja feita neste caso. Até quando inocentes serão mortos pela violência urbana, negligenciados pela família e pelo Estado?”, questionou.
Confira a seguir a carta na íntegra:
Carta em Memória de Wallison Barboza dos Santos
Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito Nathalia Bueno Arantes da Costa, da 4ª Vara Criminal de Anápolis,
Excelentíssimo Senhor Doutor Promotor de Justiça Eliseu Antônio da Silva Belo e demais membros da Promotoria,
Ilustríssimos Advogados, membros do Judiciário, dignos membros do júri e da Sociedade Anapolina,
Meu nome é Atilla Barboza dos Santos, irmão primogênito da vítima Wallison Barboza dos Santos, habilitado no processo como assistente do Ministério Público.
Esta é a carta mais difícil que já escrevi em minha vida. Represento a mim e à minha família, cujas vidas foram marcadas por uma tragédia no dia 1º de setembro de 2021. Meu amado irmão trabalhava como motorista de ônibus na empresa Urban quando, ao final do turno, estacionou o veículo no terminal. Foi então impiedosamente atacado pela Sra. Rosimeire Araujo Lima, que adentrou o ônibus, jogou álcool e ateou fogo nele.
Meu irmão não teve qualquer chance de defesa. O sistema de segurança do ônibus ficou preso, impossibilitando-o de apagar as chamas que consumiram seu corpo, causando queimaduras em 83% da sua extensão. Este caso, de grande repercussão na televisão nacional e na internet, nos trouxe uma dor indescritível.
Após o ataque, meu irmão ligou para sua então esposa, Poliana, e começou a narrar os fatos. Minha irmã mais nova, Gislane Maria Dos Santos, também quis falar com ele – carinhosamente chamado por nós de “Pão de Queijo”. Ele contou o que havia acontecido, disse que nunca tinha visto a Sra. Rosimeire, não a conhecia e não entendia o motivo de tal violência. Disse que iria para o hospital, ainda em estado de choque, sem dimensionar a gravidade de seus ferimentos.
No Hospital de Urgências, ele começou a sentir dores severas e precisou ser intubado. Tentei transferi-lo para um hospital de queimados, oferecendo até um depósito exorbitante, o que foi negado.
Com grande esforço de amigos e familiares, ele foi finalmente transferido de helicóptero para o HUGOL – Hospital de Urgências de Goiânia, em um ato de negligência flagrante da empresa para a qual trabalhava.
No dia 12 de setembro de 2021, meu irmãozinho desencarnou. Meu único consolo foi saber que ele não sentiria mais dores ou sofrimentos.
Resido na Irlanda há muitos anos e, meses antes da tragédia, cheguei a aconselhá-lo a procurar outro emprego, por não considerar seguro ser motorista de ônibus urbano. Ele me disse que estava feliz com o trabalho, que gostava de conversar com as pessoas e se sentia realizado, contradizendo meus conselhos. Nunca imaginei que meu irmão morreria assassinado.
Ele era alegre, vibrante, amoroso, ajudava a todos e agregava valores singulares. Nunca será esquecido. Minha mãe, Marlene Maria de Jesus, sofre todos os dias com a ausência do filho amado. O que me consola é a certeza de que um dia o reencontrarei. Mataram o seu corpo, mas a alma jamais morre. Pedi forças a ele para escrever esta carta. Chorei, relembrei, editei e apaguei.
Wallison deixa três irmãos: Atilla Barboza Dos Santos, Elaine Maria dos Santos e Gislane Maria dos Santos; uma mãe, Marlene Maria de Jesus; um padrasto, Jair Antonio Dos Santos, que foi um pai para ele; e os sobrinhos Cidinho, Bryan, Andrya, Maria Eduarda, Gustavo e João Victor. Tinha uma esposa, Poliana, e não deixou filhos genéticos, mas considerava tantos outros como seus, tal era a grandeza e generosidade do seu coração.
Gostaria de dizer à Ré, que sobre uma doença psicológica (esquizofrenia), que está perdoada por mim. E espero que a Justiça seja feita neste caso. Até quando inocentes serão mortos pela violência urbana, negligenciados pela família e pelo Estado?
Termino esta carta dizendo: Wallison Barboza dos Santos, você foi o melhor irmão do mundo. Nós, sua família, nunca o esqueceremos em nossas memórias. Descanse em paz, meu irmãozinho. O luto da sua família será eterno, e um dia nos encontraremos…
Ainda que não sendo cristão, mas espírita, gostaria de deixar um versículo bíblico (Cânticos 8:6-7) que realça a intensidade, a exclusividade e a irresistibilidade do amor, comparando-o à força inexorável da morte, da qual nada consegue escapar. “Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço; porque o amor é forte como a morte…”
Agradeço sinceramente ao Ministério Público, representado pelo Dr. Eliseu Antonio Da Silva Belo, por permitir que minha voz fosse ouvida em nome da minha família. Graças a Deus e ao Estado Democrático de Direito, alguém que se encontra a 8.674 quilômetros de distância pôde ser ouvido.
Atenciosamente,
Atilla Barboza dos Santos
Irlanda, 21 de setembro de 2025.